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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCCXXVIII - O Imbróglio do “Prince of Wales” – Parte IX


Terceira Margem – Parte DCCXXVIII - O Imbróglio do “Prince of Wales” – Parte IX - Gente de Opinião

Bagé, 15.04.2024

 

Direito Internacional Privado e Aplicação de
Seus Princípios com Referência às
Leis Particulares do Brasil.

Dr. José Antônio Pimenta Bueno

Memorandum

 

De 7 a 9 de Junho de 1861 naufragou na baixa, bravia e deserta Costa do Albardão, pertencente à Província de S. Pedro do Sul, e vizinha à fronteira do Estado Oriental, uma barca que depois se conheceu ser inglesa, e denominar-se “Prince of Wales”.

 

Essa barca tinha por carga carvão de pedra, barricas de cerveja, caixas de pregos, de vidros e tintas; o resto do carregamento era pouco importante; todo ele não passava de 3.500 libras esterlinas.

 

Quem conhece quanto aquela costa é terrível com qualquer temporal, quão extenso é o seu baixio de dezenas de milhas, forte a correnteza das águas, e espantosa a mobilidade de suas finas areias, não vê meio, senão por milagre, de salvação de vida dos náufragos, nem de carregamento, a não serem os volumes tais que possam boiar no cimo das ondas.

Pode-se pois afirmar que o carvão de pedra, pregos, vidros e tintas foram ao fundo, embora algumas caixas rotas ou barricas quebradas viessem à praia.

 

Todavia, algumas barricas, caixas, volumes levianos ou boiantes de fios de algodão deram na praia, assim como os corpos dos míseros náufragos.

 

A pequena população nômade das vizinhanças daquele lugar furtou ou roubou a pouca valiosa parte desses salvados, não se importou com os cadáveres, e muito menos de avisar por espaço de dois dias, as autoridades mais próximas, que habitavam em seus sítios distantes mais de vinte milhas. Convinha-lhes mesmo ocultar.

 

Assim, só no dia 11, isto é, dois dias depois, foi que as autoridades mais vizinhas souberam, que no dia 12 constou na cidade do Rio Grande, e que no dia 14 puderam o juiz do comércio, empregados da alfândega daquela cidade, e cônsul inglês o Sr. Vereker, chegar ao lugar do naufrágio para providenciar a respeito.

 

Este cônsul, cuja razão começava a sofrer, como depois melhor veremos, ficou muito impressionado com o sinistro, e seu espírito enfermo gerou variadas suspeitas. Além do que foi furtado ele fantasiou que o carregamento era todo de avultados valores, que vinham a bordo passageiros de importância, que deviam trazer ricos relógios e roupas valiosas, e enfim que os náufragos foram assassinados na praia!

 

Arrecadou-se o pouco que por ali ainda restava, deram-se buscas nos sítios vizinhos, fizeram-se todas as diligências possíveis; e como ele mesmo, de acordo com as autoridades, visse que era inútil demorar-se mais naquele inóspito lugar, recolheu-se à cidade do Rio-Grande.

 

Desde então sua imaginação, de mais a mais turbada, não cessou de urdir recriminações, e desejar impossíveis, que levaram o Sr. Christie e o governo inglês a ponto de praticar injustas e rudes violências contra o Brasil.

 

Para maior clareza convém classificar as arguições, recriminações ou reclamações, como se queira denominar.

 

Negligência culposa, ou conivência das autoridades vizinhas, em não dar parte às autoridades da cidade do Rio Grande e em não ir desde logo tomar conta, arrecadar e guardar os salvados;

 

Suspeitas de assassinato dos náufragos;

 

Furto e roubo de valores fabulosos.

 

Morosidade e evasivas na punição do furto e roubo dos salvados.

 

Eis os desvarios, como veremos, do cônsul, e em seguida do Sr. Christie, e do Ministério Inglês, quando dos próprios escritos e atos daquele cônsul deveriam ter inferido que seu estado mental sofria.

 

1ª Arguição – Do que temos exposto já se vê que estando as pequenas autoridades locais muito distantes do lugar do sinistro, e querendo os homens semisselvagens que por ali giram furtar os objetos alijados pelo mar, por certo não iriam avisá-las. Ora, elas não tem a faculdade de adivinhar, como pois sustentar essa negligência, tanto mais quando o empregado menos remoto se achava ausente?

 

Não podendo elas comparecer senão dois ou três dias depois, e já não achando senão poucas coisas, como arrecadar e guardar o que tinha sido furtado e conduzido naturalmente para paragens longínquas e desconhecidas, como provam as buscas e as diligências infrutíferas?

 

Quanto à conivência, nem uma, absolutamente nem uma prova se obteve; e muito menos oferece o cônsul, ou Ministro inglês, quando essa imputação não devia ser formulada sem ela. Como voltaremos depois a esta rude increpação ([1]), observaremos por agora só o seguinte. É notável a sem-cerimônia com que alguns Ministros e Cônsules ingleses querem que se dediquem considerações e finezas extraordinárias a qualquer dos seus guardas-marinhas, e a pouca delicadeza com que tratam os juízes e funcionários brasileiros: é de necessidade acabar com tal abuso.

 

2ª Suspeita de Assassinatos – Os exames, ou corpos de delito, a que procederam peritos honrados e inteligentes sobre os cadáveres que se puderam transportar para a cidade do Rio Grande, demonstraram a toda a luz que não tinha havido assassinato, que haviam sido asfixiados por submersão. O próprio cônsul nada tendo a objetar quanto a esses, levou suas suspeitas para os outros cadáveres, ou cobertos pelas areias movediças, ou conduzidos pelo mar por efeito da crescente da maré.

 

Pedindo-se-lhe a manifestação de qualquer prova que a respeito tivesse, ou do porque isso asseverava, nenhuma ministrou, disse mesmo que não assevera isso, e só dizia porque alguns, que nunca nomeou, assim pensavam: veja-se seu ofício de 22.04.1862. Uma razão ou imaginação enferma concebeu essa suspeita ou delírio, e transmitiu a Lorde Palmerston, que no Parlamento disse que não tinha nenhuma prova, mas cria, “talvez para que com ele todos cressem, e daí vissem sua moderação para com o Brasil quanto era magnânima!” Tal sugestão não tem pois fundamento, e em todo o caso sem prova não podia ter procedência alguma; sem ela a moralidade exige que não se faça tão horrenda imputação.

 

3ª Depredação de Valores Fabulosos! – É uma das muitas provas da alucinação em que laborava o cônsul. De si para si, e certamente em boa-fé, atento seu estado enfermo, entendeu que a barca estava cheia de riquezas e de gente principal. Esta não vinha a bordo, e a riqueza era carvão, cerveja e louça; mas que importa se ele assim pensava! Não precisava ver o manifesto, bastava suspeitar para ter por estabelecido e evidente. Não admira isso, pois que ele entendia que os semisselvagens do Albardão tinham obrigação de saber o inglês, e ver de alguns papeis, que “deveriam ter dado à praia, embora não dessem”, que a barca era britânica! Na falta de papeis bastava o pedaço da proa em que se lia “Prin” e havia obrigação de saber ler!

 

É a mesma enfermidade que o levou a pedir ao Sr. Christie que lhe salvasse a vida, pois que havia uma conspiração para matá-lo. O próprio Sr. Christie reconheceu o estado enfermo do Sr. Vereker, como manifestou ao Governo Imperial em nota de 21.08.1862, embora na anterior de 14 dissesse que ele não asseveraria isso sem fundamento.

 

Nessa ocasião, reconhecido o estado mórbido do cônsul, era tempo e dever do Sr. Christie de informar o seu governo e de dar uma nova face à questão; mas ela já estava azeda e irritante, e o orgulho britânico desde então não se dobra perante as nações fracas.

 

4ª Morosidade, Evasivas, Subterfúgios na Punição dos Culpados – Este é o maior pretexto das violências do governo inglês. Já passou, dizia ele, mais de um ano, poucos estão presos, e as autoridades locais ainda não estão punidas, devendo julgar-se que algumas são coniventes!

 

O governo brasileiro, pelo que toca a fatos, argumentava e demonstrava exuberantemente para quem conhece as localidades e circunstâncias do País o seguinte:

 

Que a mor parte dos depredadores fugiram pela próxima fronteira do Estado Oriental, e nele se internaram em lugares incertos; fazia ver que oficialmente já tinha pedido sua extradição ao Governo daquele Estado, que um que regressou ao Império foi logo preso, e que quanto aos outros não tinha recurso senão de esperar pelas diligências das autoridades orientais. O Governo inglês nada podia objetar, mas julgava que era uma morosidade intolerável! O que fazer?

 

Que mesmo em relação aos presos havia sido muito difícil obter alguma prova, porque a população daquela costa é errante, quase toda ela teve parte no furto, uns fugiram, outros; se ocultaram, e não se achavam testemunhas, única prova possível; enfim, que as poucas testemunhas que tinham vindo presas para depor, e que não queriam comprometer-se, juraram que nada viram nem sabiam. Esta é a própria verdade; e o governo inglês diz que é subterfugio! O que fazer?

 

Pelo que respeita à lei, o Governo Brasileiro tinha os seguintes obstáculos a opor:

 

Que no Brasil, como em todo o país civilizado, ninguém pode ser punido sem prova, sem ser convicto; que na Inglaterra, quando um súdito britânico rouba alguma coisa a algum estrangeiro, mas não se pode obter a prova, esse indiciado não é punido, e entretanto o Governo inglês não indeniza o roubo, ninguém reclama isso, e quando reclamasse não seria atendido; que portanto o seu cônsul, ou fornecesse prova, ou apontasse o meio de obtê-la, ou aliás esperasse da perseverança das diligências para ver o que se conseguia.

 

A legislação brasileira, cod do proc. art. 233, diz: “Não será acusado o delinquente estando ausente fora do Império ou [mesmo dentro] em lugar não sabido, nos crimes que não admitem fiança”. E assim é preciso que sejam previamente capturados os depredadores para prosseguir-se ulteriormente. O Governo Inglês entendia que eram evasivas! O que fazer! Precisávamos de uma grande armada para despertar-lhe a inteligência, e infelizmente não temos.

 

O governo brasileiro por suas leis, cod. do proc. arts. 72 a 74 e 101, e cod crim. art. 257, não tem ação oficial sobre o crime de furto. Essa ação pertence à parte ofendida, consequentemente por esse lado o cônsul, que é parte competente, tinha o direito e dever de apresentar a sua queixa, nomeando os culpados, de prosseguir no andamento do processo por si, ou por procurador seu, de fornecer a prova, recorrer das decisões para os tribunais superiores, e afinal reclamar se não obtivesse justiça. O que fez ele, porém? Recriminações, e só elas. O Governo, talvez com excesso de jurisdição, mandou proceder oficialmente, fez despesas avultadas, e impôs grandes fadigas sobre os magistrados. Pois bem, em vez de gratidão obteve rudes increpações e violências! A delicadeza e a justiça foram proscritas pelo Sr. Christie.

 

O cônsul e o seu ministro queriam que um oficial inglês fosse assistir os inquéritos; o Governo lhes disse com razão: “vosso cônsul é competente para isso por nossas leis, vosso oficial não, salvo se ele quiser assistir como simples espectador, pois que para o mais não é pessoa legitima”; o Sr. Christie arguia que se tratara esse oficial com menos consideração! Será excentricidade ou humor belicoso?

 

Enfim, onze depredadores foram pronunciados, duas autoridades amovíveis foram demitidas, não porque se pudesse obter provas contra elas, sim porque isso estava nas atribuições do Governo, e este queria o auxílio de novos empregados no lugar; outras pequenas suspeitas do cônsul foram refutadas, e nada contentou o Ministro ou o Governo Inglês.

 

Ele não só queria que se violassem as leis do País, que se condenasse sem provas, mas que se fizessem impossíveis à medida dos desejos de seu Cônsul enfermo!

 

Sua expressão era não se tem feito todas as diligências precisas.

 

Era esta recriminação vaga, ou outra menos delicada e mais inqualificável, “são subterfúgios ou evasivas”, como se o Governo Brasileiro quisesse proteger a ladrões, quando ele nem imita o Governo que abusa da sua força para extorquir das nações pequenas somas não devidas a título de indenizações para súditos que não têm direito a elas.

 

Para quem conhece a morosidade com que se procede em alguns tribunais ou Cortes de Justiça na Inglaterra, causa pasmo o como um Ministro dela desdenha da legislação de outros povos e das dilações ou delongas forçadas de seus processos.

 

Somos amigos, e respeitamos os inteligentes e honrados magistrados da Grã-Bretanha, mas quanto a algumas de suas antiquadas instituições e leis vetustas, causa senão derisão ([2]), ao menos admiração, que ainda não tenham sido riscadas de seus estatutos.

 

Ultimatum – O Governo Inglês, em nota de 27.10.1861, limitava-se a pedir a punição dos que fossem convictos do crime, e certamente nada mais justo, porque eles e não o governo deviam responder por seus atos. O Governo Imperial continuou em seus esforços para conseguir esse fim. Em nota, porém, de 17.03.1862, a pretensão do Conde Russell já não parava aí, mudou de natureza; ela exigia:

 

Punição das pessoas envolvidas no atentado, e das autoridades locais, cuja negligência em relação a esse atentado for provada.

 

Uma indenização adequada aos proprietários do navio cujo carregamento, com assentimento das autoridades, foi roubado e destruído.

 

Por maior que seja a excentricidade do “Foreign Office”, ou do redator de tal nota, que nem ao menos pelo lado de inteligência honra a seu autor, admira o como se conciliou a matéria da primeira com a segunda exigência.

 

Na primeira se reconhece a dúvida de que houvesse negligência das autoridades, e bem assim se manifesta ver a necessidade de prova anterior disso. Na segunda apalpa-se a contradição, pois que afirma-se o assentimento ou cumplicidade delas como já provada, e daí se deduz a obrigação de indenização por parte do governo! Como se mesmo nesse caso se pudesse daí só derivá-la!

 

O Governo devia punir os culpados, e além de puni-los indenizar! Que jurisprudência! Que direito! Será de um Ministério Inteligente, ou semibárbaro!

 

Em suma, depois de uma discussão irritante e bem pouco cavalheira por parte do Ministro inglês, não obstante as prisões já efetuadas, e diligências que continuavam, apresentou este o seu “ultimatum” de 5 de dezembro, exigindo uma indenização fabulosa e formulada por um modo singular, e uma satisfação ainda mais célebre!

 

A arrogância quis indenização até do casco, dos fretes, e de tudo que visivelmente foi para o fundo do mar! Indenização pirática, mais que vergonhosa!

 

Repelido esse injusto “ultimatum”, seguiram-se represálias odiosas, não só pela sua natureza pouco compatível com a civilização atual, como desnecessárias, pois que havia outros meios preferíveis, e sobretudo bárbaras pelas circunstâncias selvagens de que foram acompanhadas! O porto da capital do Império serviu de centro de operações hostis!

 

É desnecessário referi-las detalhadamente, porque são notórias, e porque causaram pejo aos homens inteligentes e justos da Inglaterra. O Brasil é grato a esses espíritos nobres, e em geral ao povo inglês. Exposto como os fatos se passaram até esse ponto, além do qual não progrediremos, cumpre examinar de mais alto o que foi, e o que pretende ser o governo inglês a respeito de naufrágios?

 

Outrora ele era um dos que por seus costumes feudais ou bárbaros mais exercia e aproveitava admiravelmente o seu direito de naufrágio ou de confisco, em virtude do qual assenhoreava-se dos efeitos naufragados, ou lançados pelo mar sobre suas praias ou costas.

 

Era nada menos do que uma das rendas marítimas da sua coroa, aí ainda está escrito estatuto 17 de Edw. 2° cap. 11 e outros para prova. E se lhe disputassem clamaria que ela era a senhora e guarda de suas águas territoriais, que pela perda do navio o proprietário perdia o direito do que ele continha, tornando-se os efeitos “res nullius”, e por isso propriedades do primeiro ocupante, ou antes do senhor territorial. Só por concessões especiais, e bem compensadas, modificava ele o seu odioso direito “wrack”.

 

Basta ver as suas célebres distinções de “jetsam, flotsam, e ligan” para admirar-se o que foi, e o que quer ser esse governo.

 

Nem foi ele dos primeiros a abandonar abusos tão bárbaros que causam pejo. A França, sempre inteligente, generosa e cavalheira, precedeu-o nas boas ideias.

 

O Brasil, educado nos princípios fecundos e nobres da civilização moderna, nunca quis aproveitar-se das desgraças alheias, nunca pretendeu ter esse imoral confisco; abraçou, sim, e sempre, o pensamento luminoso de minorar tais desgraças.

 

Muitos naufrágios se tem realizado sobre suas costas, todos os governos lhe tem feito justiça, e por vezes louvado seus esforços filantrópicos, ou conferido distinções a seus empregados; estava reservado ao atual ministério inglês a linguagem e as violências de que usou!

 

Em nome, porém, de que direito pretende o Conde Russell que quando naufragar algum barco inglês nas costas do Brasil as autoridades brasileiras abandonem todas as suas obrigações, e só cuidem de servir de caixeiros dos súditos britânicos!

 

Será em virtude de Tratados ou Convenções consulares que estabeleçam e definam essa obrigação rigorosa? Certamente não, porque não temos nenhum Tratado nem Convenção; não é pois daí que ele pode deduzir suas pretensões arrogantes e cominatórias ([3]). Será então dos bons ofícios, dos princípios de mutua benevolência, mais ou menos amplos e variáveis, adoptados ([4]) pela civilização? Mas então cumpria ser cortês, pedir e não ameaçar. Será enfim em observância das leis do Império, que prevalecem na falta de convenções? Vejamos.

 

A disposição que temos a este respeito é a do decreto n° 855 de 08.11.1851, que em seu art. 12 diz:

 

Quando um navio estrangeiro naufragar nas praias do Brasil, e em lugar onde haja agente consular da respectiva nação, poderá este praticar tudo quanto julgar conveniente para a salvação do mesmo navio, das suas pertenças e carregamento, salva a intervenção das autoridades territoriais, etc.

 

Temos além disso o art. 331 e seg. do regulamento das alfandegas de 19.09.1860.

 

Foi mesmo para evitar reclamações, que conferiu-se essas amplas atribuições aos cônsules, e que foram elas reproduzidas nas Convenções Consulares que temos celebrado com diversas potencias. É demais essencial que os agentes consulares auxiliem as autoridades com suas informações, e todos os esclarecimentos possíveis; eles são os que tem maior obrigação de cuidar dos interesses dos seus nacionais, basta que as autoridades locais lhes prestem a proteção e meios que requisitarem e que ressalvem a ordem.

 

O que fez, porém, o cônsul inglês em benefício de seus nacionais?

 

À exceção de variadas suspeitas, lamentações e recriminações odiosas, nada, absolutamente nada: pelo contrário deixou de cumprir seus deveres segundo as leis brasileiras, que por seu emprego tinha mais obrigação de estudar do que os nômades do Albardão, o inglês.

 

Desde que houve furtos, desde que suspeitou haver omissão ou conivência das autoridades, ele era parte competente para dar sua queixa contra os depredadores, e tinha obrigação de fazê-lo, como já antes indicamos, pois que a ação de furto é privada, e também de procurar coligir não meras suspeitas, sim os esclarecimentos e provas de tais crimes, e produzi-las, pois que não bastam conjeturas para impor penas.

 

O Sr. Vereker nada fez, nem podia fazer, porque seu estado mórbido não lhe permitia; estamos mesmo persuadidos que se não fosse sua enfermidade as coisas não chegariam ao extremo a que chegaram.

 

Sirva o fato para orientar melhor o Ministério Britânico, para não dar fé só a seus cônsules ou enfermos, ou a outros apaixonados, e não atropelar as relações internacionais sem mais exame, sem prévio reconhecimento positivo da verdade, como exige o caráter refletido e sisudo dos homens de estado.

 

Esse costume britânico é revoltante, e anima os agentes consulares, que começam a servir, que por isso ainda pouco valem, que querem aparecer e fazer-se recomendados por seu zelo, a levantar questões e altivar-se por modo insólito e inconveniente aos interesses comerciais não só do País, como da Inglaterra.

 

Não é, pois, em nome, ou nos termos das leis brasileiras, que o Ministério Inglês procedem.

 

A conclusão patente é que dirigiu-se só e unicamente por informações errôneas e pelo abuso da força, e assim fez por que o Brasil não tem igual. Se tivesse não procederia desse modo, e se procedesse seria reprimido.

 

É evidente que não existe nação alguma em cujo território não haja homens ignorantes e desmoralizados; é evidente que não existe nação alguma que possa prevenir sempre todos os delitos; como pois responsabilizar o Governo por suas depredações, por sua fuga, ou por dificuldades, demoras forçadas ou impossibilidade de obter provas do crime? Porque foi responsabilizado o Governo do Brasil?

 

Quererá o Conde Russell quando naufragar algum navio francês nas costas de suas colônias, na Austrália, por exemplo, e for o carregamento depredado por alguns homens desmoralizados, indenizar os súditos franceses por morosidade ou impossibilidade de obter provas?

 

O princípio é reciproco, e apregoado por ele à face do mundo. Se o Brazil tem pouca força para o fazer valer contra a Inglaterra, outras nações já adultas têm-na. Ora, será isso servir bem à Grã-Bretanha?

 

Foi um abuso clamoroso!

 

Na falta de forças de um Estado nascente, resta só o apelo para as ideias nobres da civilização, para o juízo dos povos esclarecidos.

 

Essas ideias são potencias, tem valiosa apreciação no mundo inteiro, caracterizam os fatos, os homens e os governos com força irresistível.

 

Findando aqui o nosso “memorandum”, oferecemos de novo como Brasileiro nossa gratidão ao povo inglês, e nisso sem dúvida somos acompanhados pela generalidade de nossos compatriotas e de todas as nossas relações, que de cada vez mais se estreitavam com os honrados ingleses.

 

Não é a primeira vez que o gabinete britânico tem procedido contra as aspirações do seu nobre País! O povo inglês não mandaria Napoleão I, que pedia um asilo, para os rochedos de Santa Helena! (PIMENTA BUENO)

 

 

Bibliografia

 

PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Internacional Privado e Aplicação de Seus Princípios com Referência às Leis Particulares do Brasil – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Typographia Imp. e Const. de J. Villeneuve E C., 1863.


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: [email protected].



[1]   Increpação: censura.

[2]   Derisão: riso de desprezo.

[3]   Cominatórias: sanções que tem valor de ameaça.

[4]   Adoptado: escolhido e seguido.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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