Terça-feira, 20 de maio de 2025 - 16h17
Cada vez
que se fala em liberalização, reestruturação, modernização, reforma do setor
elétrico, o consumidor fica de “orelha em pé”. Sabe, pela experiência dos
últimos anos, que coisa boa não virá para ele. As promessas e justificativas
para as mudanças continuam as mesmas: atingir a modicidade tarifária, melhorar
a eficiência na prestação dos serviços, realizar grandes investimentos em
inovação tecnológica, etc, etc, etc. É o blá, blá, de sempre. E agora é a vez
da democratização, resumida no poder de escolha do consumidor, em decidir de
qual empresa comprará a energia elétrica. Não é a democratização exigida pela
cidadania, com participação e controle social, além da imprescindível
transparência, quando se trata de definir políticas públicas.
Desde a
chamada reestruturação do setor elétrico no governo Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), final do século passado, a energia passou a ser considerada uma simples
mercadoria, seguindo a lógica neoliberal da época (aplicada também a outros
setores da economia), e não mais um serviço essencial prestado pelo Estado. A
partir de então o desarranjo no sistema elétrico teve início, refletindo no
alto valor das tarifas, nas interrupções frequentes no fornecimento elétrico
com os “apagões” (nacional) e “apaguinhos” (estadual). Outra constatação
visível diante dos acontecimentos meteorológicos extremos (ventos fortes, chuva
intensa, enxurradas, desmoronamentos de encostas, ...) provocando quedas de
energia, foi o atraso e mesmo o não atendimento das demandas de serviços
básicos. O número de equipes qualificadas disponibilizadas para atendimentos
foi reduzido drasticamente pelas distribuidoras ao longo dos anos.
No
contexto pós privatização surgiram um emaranhado de órgãos públicos e privados,
que fragmentaram a lógica do sistema elétrico brasileiro, até então baseado em
uma operação colaborativa, cooperativa, cuja base era a geração hidrelétrica.
Que ainda continua contribuindo com pouco mais de 50% na matriz elétrica
nacional.
A reforma
pretendida pelo governo Lula3, como em governos anteriores, carece de
democracia. Deixou de lado nesta discussão (e, em outras), o maior interessado,
o povo consumidor brasileiro, que não tem os canais para intervir, participar e
lutar em defesa de seus direitos e interesses. A falta de democracia no setor
elétrico é (re)conhecida e denunciada há décadas, permitindo que grupos
lobistas tenham papel decisivo nas escolhas do setor.
A
proposta de reforma, enviada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para a
Casa Civil, em 16/04 último, fala em “mudanças estruturantes”, propondo
utilizar todas as fontes de energia existentes (renováveis e não renováveis).
Tal posição é coerente com o que propaga o ministro falastrão, garoto
propaganda de mais usinas nucleares no território brasileiro, defensor das
pequenas usinas nucleares espalhadas na região Amazônica.
Apoiar a
nucleoeletricidade inviabiliza a proposta da reforma que anuncia baratear a
conta de luz. O custo da eletricidade nuclear atualmente pode chegar a 4 vezes
maior que a energia gerada pelas fontes renováveis. E o ministro, para amenizar
esta amência econômica, propõe ratear o sobre custo da energia nuclear com
todos os consumidores cativos e livres, na tentativa de viabilizar, às custas
do consumidor, esta insanidade que é a instalação de usinas nucleares no país.
E como
militante ativo e fervoroso em defesa dos combustíveis fósseis, o ministro
alardeia o uso do petróleo até a última gota, desconsiderando o que a ciência,
os cientistas bradam, “os combustíveis fósseis são os principais
responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento
global, e suas consequências com eventos extremos climáticos, dramáticos para a
população e meio ambiente”. O ministro e sua trupe
demonstra um claro desprezo pela ciência tornando assim um negacionista da
ciência, um negacionista do clima.
Segundo
declaração do próprio ministro Silveira, uma das medidas da reforma “será
quebrar o monopólio das distribuidoras na venda de energia e democratizar a
compra para todas as energias, e assim aumentar a competição entre as
distribuidoras na venda da energia, democratizando a compra de energia
elétrica, aumentando a competição entre os geradores de energia para poder
promover um menor custo para a classe média brasileira”.
Assim os
consumidores poderão escolher o seu fornecedor ou pela fonte de energia de sua
preferência, ou pelo preço mais em conta ofertado. Para os consumidores
residenciais, o mercado livre ocorrerá a partir de 10 de janeiro de 2028. Para
os consumidores de médio porte, da indústria e do comércio, em 10 de janeiro de
2027. Os grandes consumidores, em alta tensão, desde janeiro de 2024, já
escolhem de quem comprar energia elétrica. Alguns analistas chegam a prever uma
redução média de 10% na tarifa do consumidor residencial que optar pelo mercado
livre. A verificar.
A
gratuidade e o desconto fazem parte da proposta de reforma, com a ampliação da
tarifa social, atualmente atendendo 40 milhões de pessoas com descontos até
65%. Passaria então a atender 60 milhões de brasileiros que consomem até 80
kWh/mês, com total isenção. Mais do que justa esta medida.
O
equívoco é que a gratuidade seja bancada com a revisão dos subsídios dados a
energia eólica e solar, como defende o lobby das distribuidoras, o que levará
modificar o Marco Legal da Geração Distribuída (Lei 14.300/2022). Pela
proposta, nos novos contratos ou renovados, deixariam de contar com o desconto
de 50% na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Portanto, na visão
do ministro, os escolhidos para pagar esta conta serão os que acreditaram na
autoprodução, acreditam nos sistemas de geração distribuída, aqueles que
instalaram sistemas fotovoltaicos em suas residências, em pequenos comércios.
Tal
medida é injusta em onerar o consumidor de sistemas distribuídos. E também um
contrassenso, pois dificultará a difusão da energia solar e da energia eólica;
essenciais no enfrentamento das mudanças climáticas, para a descarbonização das
atividades humanas. Atualmente dos 90 milhões de consumidores cativos de
energia elétrica no país, somente uma pequena parcela, em torno de 5%, utilizam
sistemas fotovoltaicos para produzir sua própria energia.
Outras
formas de compensação financeira devem ser encontradas para atender a
abrangência da tarifa social, muito importante e necessária em um país tão desigual,
e tão carente. Penalizar as fontes renováveis, baratas e abundantes em todo
território nacional, é de uma burrice ímpar.
Os mesmos
lobbys atuantes, como a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia
Elétrica (ABRADEE) e seus associados, que tiveram lucros faraônicos ao longo da
vigência dos contratos de concessão (muitos destes contratos começam a
finalizar em 2026), procuram agora renovar com antecedência suas concessões por
mais 30 anos. Já admitindo que as contas de energia aumentarão para o
consumidor. Serão as mesmas empresas distribuidoras que trouxeram tantos
transtornos, problemas, infortúnios, prejuízos que continuarão a atender suas
vítimas/consumidores até 2055-2060.
Nunca é
repetitivo lembrar que os “contratos de privatização”, assinados entre o poder
concedente (governo federal) e as empresas privadas que assumiram as
distribuidoras de energia estaduais, foram muito favoráveis às empresas.
Cláusulas draconianas provocaram aumentos abusivos e extorsivos nas tarifas,
além da precária e omissa prestação de serviços, sem que houvesse uma atuação
mais efetiva em relação a fiscalização e punição pelos órgãos competentes. Além
da ausência de um acompanhamento mais acurado e transparente sobre se realmente
os investimentos bilionários anunciados e prometidos foram efetivamente
realizados.
Com
modificações pontuais, os novos contratos estão sendo renovados com as empresas
concessionárias que desejarem. São essas mesmas empresas que procuraram a
renovação de suas concessões, é que pressionam o executivo e o legislativo
contra o que chamam de impacto financeiro que as migrações de consumidores ao
mercado livre de energia poderão causar ao mercado cativo. Mentem, pois
com a migração de consumidores, as distribuidoras continuaram sendo responsáveis
pela distribuição da energia, mesmo que o consumidor compre a energia em outro
lugar. As distribuidoras querem sempre ganhar e fazer valer no país o capitalismo
sem risco.
Neste
contexto também as grandes geradoras com energias renováveis (parques eólicos,
usinas solares e hidroelétricas) pressionam e judicializam ações para
minimizar, segundo elas, os prejuízos causados pelos cortes de energias
renováveis, que não puderam ser despachadas (o chamado "curtailment")
para o Sistema Interligado Nacional (SIN). As empresas pleiteiam ressarcimento
pela inoperância e incompetência governamental, que realizou leilões e mais
leilões de fontes renováveis sem que fossem adotadas previsões de sincronização
entre a conclusão das obras de infraestrutura para o escoamento da energia
elétrica gerada com o início de operação de usinas solares e eólicas,
intermitentes na geração.
Situação
análoga já tinha acontecido em 2010 com o “boom” de instalações de parques
eólicos no Nordeste. Nesta época a estatal, Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF), pertencente a holding Eletrobrás, é quem era a responsável
pela rede de transmissão, e chegou a atrasar a entrega da infraestrutura
adequada, impactando o escoamento da energia elétrica produzida pelos parques eólicos.
Acabou gerando processos indenizatórios, judiciais e multas. A CHESF chegou a
ser vetada em leilões de linha de transmissão.
Sabemos que a energia eólica e a solar não contribuem para a
estabilidade da rede da mesma forma que algumas outras fontes de energia mais
antiga. Todavia a intermitência é uma característica intrínseca destas fontes,
cujas vantagens comparativas são fundamentais para a transição energética. O
“curtailment” não é raro em outros países que têm inserção significativa de
fontes intermitentes. Este efeito é amenizado com a modernização e ampliação
das redes de transmissão, da revisão de procedimentos e protocolos operacionais
tornando-os mais eficientes. O uso de Sistemas de Armazenamento de Energia por Bateria,
chamados de BESS (em inglês), surge como alternativa para equilibrar o sistema
entre a oferta e a demanda de energia elétrica. Se espera que à medida que a rede evolui aceitando fontes intermitentes
de energia, novos métodos para mantê-la confiável e estável serão desenvolvidos.
Lamentável
é que com tanta diversidade de fontes energéticas, alternativas
tecnológicas, disponibilidade abundante dos recursos renováveis, quando se fala
em modernização do setor elétrico, consequências negativas recaem sobre o bolso
do consumidor, que acaba pagando, via aumento na sua conta de energia. Basta
verificar o que aconteceu desde a privatização, com as mudanças ocorridas,
garantindo que as empresas mantivessem seu “equilíbrio econômico-financeiro”,
às custas do sacrifício do consumidor.
Difícil é não desconfiar, acreditar que desta vez, o ministro do MME
tenha razão, e o consumidor não pague o ônus da “reforma” do setor.
Infelizmente prevalecerá o ciclo vicioso persistente na tomada de decisão do
setor energético/elétrico que concentra as decisões, não leva em conta a
participação social, e sofre a forte influência de setores empresariais através
de suas associações, ABRADEE - Associação Brasileira de Distribuidores de
Energia Elétrica, ABRACE ENERGIA -Associação
Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres, ABDAN - Associação
Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares, entre outras.
No setor energético, estratégico para o país, o modelo de gestão
autoritário, onde poucos decidem, é inaceitável pela sociedade que luta por
mais participação, pela democratização na tomada de decisões em políticas
públicas. No setor existem regulamentos com regras que não são cumpridas, não
são fiscalizadas, e nada acontece com as empresas privadas transgressoras.
Não existe uma política energética com planejamento, com uma visão
sistêmica que leve em conta os aspectos sociais e ambientais, interligados com
as escolhas feitas no contexto da emergência climática, e do que afirma a
ciência. Não existe energia limpa.
___________________
* Professor associado aposentado da Universidade Federal de
Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade
Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de
Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de
Energia Atômica (CEA)-França.
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