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O Pensamento Escravo-Fascista no Contexto do Estado Brasileiro


O Pensamento Escravo-Fascista no Contexto do Estado Brasileiro - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Cientista Social/UFSCar

Vinícius Miguel Raduan (Dr.) – Cientista Social/UNIR


Este artigo propõe uma análise interdisciplinar que combina perspectivas da economia política com uma leitura crítica da sociologia histórica brasileira. O título, "Pensamento Escravo-Fascista", alude à fusão entre um modelo arcaico de exploração – que denominamos pensamento escravista – e os resquícios de práticas, técnicas e subjetividades que configuram formas contemporâneas de autoritarismo, com traços fascistas.

Para ilustrar a lógica econômica embutida no título, tomemos um exemplo hipotético: uma fazenda escravista produz uma laranja ao custo de R$ 10, vendendo-a por R$ 12 com margem de lucro reduzida. Em contraste, uma fazenda mecanizada, integrada aos padrões capitalistas de produção, pode produzir a mesma laranja a um custo de R$ 8, vendendo-a pelo mesmo preço ou mais barato, mas com maior lucratividade. A permanência de modelos econômicos que utilizam mão de obra em condições análogas à escravidão, paradoxalmente, sustenta a precificação e, indiretamente, a lucratividade do capital hegemônico, perpetuando assim uma dinâmica que subverte o próprio princípio de modernização econômica.

 

A Lógica Econômica do Pensamento Escravista 

Por pensamento escravista, entende-se um conjunto de práticas, discursos e estruturas que articulam racismo estrutural à exploração de trabalho análogo à escravidão. Trata-se de uma contradição interna do capitalismo brasileiro, na medida em que formas de produção pré-capitalistas coexistem e, em alguns casos, sustentam a precificação capitalista. Historicamente, o capitalismo é capaz de absorver formas regressivas de trabalho, mas no Brasil, tal absorção assume contornos disfuncionais, pois estas práticas não apenas degeneram a dignidade humana como também retardam a transição para modelos mais produtivos e inclusivos.

Este fenômeno evidencia um "descompasso estrutural" entre a formação econômica brasileira e os padrões hegemônicos globais. O agronegócio, principal vetor de exportações nacionais, opera em boa medida segundo essa lógica. Embora modernizado em tecnologia, é sustentado por relações laborais que se apropriam de práticas historicamente associadas à escravidão. O trabalho análogo à escravidão não é apenas um resquício histórico; ele serve, na economia contemporânea, como um referencial de valor que infla artificialmente a lucratividade do setor capitalista. O preço final da mercadoria é fixado com base nesse modelo, conferindo ao capitalista moderno uma dupla vantagem: exploração da mais-valia e fixação de preços elevados por comparação.

Além disso, essa lógica arcaica é intrinsecamente vinculada a outras formas de poder patrimonialista e corporativista, como o coronelismo, o patriarcalismo e a bancada ruralista no Congresso Nacional. Este grupo, em articulação com os setores mais conservadores da política brasileira, como a chamada bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala), reforça pautas regressivas que não apenas perpetuam, mas institucionalizam esse modelo de exploração.

 

O Capitalismo Especulativo e o Fascismo Contemporâneo 

Ao discutirmos os "laivos fascistas" no título, remetemos a um conjunto de práticas políticas e institucionais que reforçam formas regressivas de repressão social. Fascismo, aqui, é entendido como a mobilização de elementos autoritários em resposta às crises do capitalismo. No contexto brasileiro, observa-se uma associação entre estruturas repressivas do Estado e práticas econômicas que privilegiam o capital especulativo em detrimento de direitos sociais.

Um exemplo emblemático é a substituição de funções de segurança pública por milícias ou forças paraestatais, criando um ambiente de insegurança que legitima formas autoritárias de controle social. No caso específico da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Sergipe, o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos em 2022, mediante uma tática que remonta às câmaras de gás nazistas, evidencia como o treinamento policial pode incorporar práticas de violência extrema que negam o princípio constitucional da dignidade humana.

Essa negação é facilitada por uma estrutura estatal que, historicamente, legitima a repressão como ferramenta de controle social. Desde o período escravista até o regime militar e a consolidação do neoliberalismo no Brasil, o Estado tem se alinhado a interesses econômicos que reproduzem desigualdades. A Constituição de 1988 tentou romper com esse ciclo ao incluir a dignidade humana como princípio fundamental. Contudo, a persistência de práticas como o "treinamento fascista" das forças de segurança revela o quanto o arcabouço jurídico e os direitos fundamentais são frequentemente ignorados na prática.

 

O Papel do Racismo e da Síndrome do Capitão do Mato 

Um dos aspectos mais inquietantes do pensamento escravo-fascista é a internalização do racismo estrutural, que perpetua dinâmicas de opressão dentro das próprias classes subalternas. A figura do "capitão do mato", que historicamente simbolizava o negro que perseguia outros negros para manter a ordem escravista, é ressignificada nas práticas contemporâneas de repressão policial. Um policial negro sufocando outro homem negro já contido ilustra como o racismo estrutural não apenas oprime, mas também coage os indivíduos a reproduzirem as hierarquias de poder.

 

Síntese: A Confluência Entre Arcaísmo e Contemporaneidade 

O pensamento escravo-fascista simboliza a fusão de duas forças regressivas: o legado escravista e as práticas autoritárias contemporâneas. Na economia, essa lógica se manifesta na sobrevalorização de mercadorias baseada em formas pré-capitalistas de produção. Na política, é reforçada por grupos de pressão que atuam para preservar esses modelos. E na sociedade, manifesta-se por meio de práticas racistas e repressivas, que negam a dignidade humana.

O Brasil de 2024 enfrenta o desafio de romper com essa síntese perversa entre passado e presente. A superação do pensamento escravo-fascista requer não apenas políticas públicas robustas, mas uma reforma estrutural nas instituições, no mercado de trabalho e nas relações sociais. Sem isso, continuaremos a repetir o ciclo histórico de exclusão, repressão e exploração que marca a sociedade brasileira.

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