Terça-feira, 24 de setembro de 2024 - 16h02
Desde
os anos 1980, a confiança de que a tecnociência, por si só – independente de
interferências sociais e políticas – conduziria as sociedades humanas ao
desenvolvimento e ao progresso vem sendo discutida por certas vertentes das
Ciências Sociais e pelos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Embora
reconheçam os benefícios da ciência e tecnologia, abordagens críticas destacam
os efeitos colaterais das práticas tecnocientíficas.
No artigo
"Provincializando a Sociedade de Risco: uma Análise a partir da
Geopolítica da Nuclearidade", o prof.
Bruno Lucas Saliba de
Paula, fez
um estudo crítico da literatura sobre a "sociedade de
risco" (Beck, 2011) e a "modernização reflexiva" (Beck, 1997)
para discutir a distribuição desigual de riscos ambientais, que
resulta em injustiças ambientais (Porto, 2007). O estudo
aborda a "geopolítica da nuclearidade" (Hecht, 2012), que trata da admissão
da periculosidade das atividades atômicas dependendo do local de sua ocorrência.
Nos países pobres,
a extração e o beneficiamento de urânio são
consideradas menos perigosos
e menos dignos
de cuidados específicos do que a geração de energia em usinas nucleares, mais presentes
em países ricos. Mesmo expostos
a consideráveis riscos radiológicos, trabalhadores da mineração têm
menos proteção ocupacional do que aqueles das usinas. Isto
aumenta a vulnerabilidade das populações de regiões periféricas, expostas a
práticas “menos nucleares”, enquanto
potencializa a segurança dos cidadãos dos países centrais, onde acontecem
atividades tidas como “nucleares”, que requerem precauções.
O estudo do prof. Bruno se
distingue politicamente pela abordagem critica de questões ambientais e da
dependência energética, sobretudo neste momento de colapso ambiental
generalizado, que até já indica um "ponto de não retorno". A retórica
da energia limpa não se sustenta no caso da nuclear, pois o ciclo de geração de
energia atômica emite o principal gás de efeito estufa (CO2), e gera
um passivo ambiental praticamente irreversível somando lixo atômico e
contaminação ambiental e de pessoas. O Dr. em Sociologia pela UNB traz
dados empíricos de uma pesquisa feita em Caetité, município do sudoeste baiano,
sobre mineração e beneficiamento de urânio, realizadas pelas Indústrias
Nucleares do Brasil (INB).
O prof. observou que desde que
começaram, em 2000, essas atividades levantam várias questões sobre as
condições ambientais e de saúde pública na região, com denúncias de
contaminação do meio ambiente e do adoecimento da população local. A INB
esforça-se para naturalizar os riscos de suas atividades, argumentando que as
contaminações e ameaças à saúde decorrem da presença natural do urânio no
ambiente (Lisboa; Zagallo; Mello, 2011; Silva, 2015). Tenta assim
desnuclearizar suas atividades. Já os movimentos sociais sustentam que os
prejuízos socioambientais são oriundos da exploração de urânio, buscando
“nuclearizar” as operações da INB.
A nuclearidade ou não dessas
operações, portanto, é um ponto central nesse debate. Algo parecido ocorre nas
minas de urânio do Níger, Gabão e Namíbia, igualmente desnuclearizadas (Hecht,
2012, 2012), ou nas práticas de “colonialismo nuclear” (Hsu, 2014), que expõem
regiões e populações periferizadas a contaminações atômicas produzidas por
exercícios militares. O pesquisador acha que, apesar da sua relevância, as
teorizações sobre a sociedade de risco e a reflexividade são insuficientes para
explicar os processos de distribuição desigual de riscos ao redor do globo,
típicos de injustiças ambientais. Assim, além de questionar o caráter
eurocentrado e provincializado de uma discussão que se pretende universal –
aquela sobre a sociedade de risco – propõe uma reflexividade sobre a
reflexividade.
A experiência de Caetité –
contexto periférico estrategicamente desnuclearizado – pode “servir de suporte
empírico para a análise de um caso de injustiça ambiental, mas também para a
sugestão de questionamentos perante uma teorização que se tornou canônica nas
Ciências Sociais, como o pensamento beckiano e as conceituações
sobre a sociedade de risco”, afirma o prof.
Bruno. Ele
aponta “a importância do
conhecimento científico independente para
fundamentar as reivindicações dos movimentos sociais. Se o que conta nas
disputas políticas e argumentativas sobre a mineração de urânio são evidências
científicas, é preciso fomentar, no caso de conflitos ambientais, ciências engajadas
com causas de movimentos sociais. Caetité nos traz exemplos emblemáticos nesse
sentido.”
A íntegra do
documento está em https://ojs.uel.br/revistas/
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