Sábado, 10 de maio de 2025 - 08h20
Dona Maria José de Noronha e Sá , vivia em
aparatoso palacete, cercado de vistoso jardim, onde medravam roseiras e
frondosas árvores, nas cercanias da casa onde nasci.
Muitas vezes a vi passar pela minha rua, no seu
Mercedes preto – umas vezes ao volante, outras com o "chauffeur",
como gostava de dizer.
No seu “solar” realizavam-se, com frequência,
festins esplendorosos, onde a elite da sociedade permanecia até altas horas da
madrugada.
Cansada da agitada vida social, resolveu
recolher-se, com o marido, a espaçoso apartamento de sóbrio prédio, erguido no
bairro nobre cidade.
Todas as tardes
Recebia, na aconchegante salinha, que
permanecia sempre em repousante penumbra, íntimas amigas.
Frequentemente a visitava. Proseávamos do tempo
que já não é, e relembrávamos figuras típicas, que viveram no bairro onde
nascemos, em amena e festiva cavaqueira.
Uma tarde de julho, quando já declinava o sol,
após a merenda, que era sempre a mesma – chá preto e torradas, – confessou-me
amarguradamente, quase à puridade:
- Sabes? - Tratava-me ternamente por tu, como
se seu filho fosse –"Já não tenho tantas amigas como outrora: umas
faleceram; outras foram morar para outras cidades...; e ainda outras falam,
certamente, com seus botões: “abandonou o palacete, trocou-o por prédio de
Esquerdo – Direito, já não deve estar bem de finanças... afastaram-se. “Quem
sabe? Receiam que lhes peça alguma coisinha?..."
Camilo, lamentava-se, contrito, de estar cego,
e os numerosos amigos, que o acompanharam nos dias festivos, não o irem
visitar, pensando: o que vamos lá fazer está invisual?
Também Job – figura bíblica, – era rico.
Possuía herdade onde labutavam dezenas de trabalhadores. De súbito tudo perdeu,
até mulher e filhos. Só, doente, abandonado por todos, era consolado por três
leais amigos, que lamentavam sua triste sorte:
São sempre assim os amigos – há raras exceções,
– semelhantes às formigas, que só rondam celeiros cheios.
Com a minha boa amiga, já falecida, os amigos
apartaram-se por terem pensado, erradamente, que estava pobre, e dizem:
- O que vamos lá fazer? Já não precisámos
dela...; mas algumas já precisaram, e muito... A
ingratidão humana não tem limite.