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Sandra Castiel

O quarto de minha mãe


O quarto de minha mãe - Gente de Opinião

Ela não era fumante, nunca foi, e se casou com meu pai, que fumava desde a meninice. Ela passava mal com o cheiro forte do cigarro impregnado nos lençóis e nas cortinas do quarto na casa antiga.  Até que um dia ele resolveu se mudar para outro quarto mais espaçoso onde podia fumar, alternar o sono entre a cama e sua inseparável rede.

Lembro-me dele deitado em sua rede, fumando, rodeado pelos livros de bolso que costumava ler, espalhados sobre o chão de taco encerado: histórias de faroeste, dos tiroteios entre o xerife e os bandidos que atacavam as diligências e assaltavam o banco das cidades. Assim era meu pai, amante das pequenas distrações da vida.

O Quarto Dela

O quarto dela não era grande, mas era um espaço mágico, pelo menos para sua quinta filha: cor neutra nas cortinas de seda que cobriam a parede da janela, de onde se podia ver uma parte do quintal, ouvir o som de um pequeno olho d’agua, rodeado de samambaias no chão; tudo sob a sombra de uma mangueira, morada de dezenas de passarinhos.

A cama era delicada:  brocados em veludo verde, e arabescos entalhados em madeira compunham a cabeceira; o colchão era forrado com tecido nobre e discreto pois a dona do quarto era avessa a babados.

Havia ainda no quarto uma pequena mesa de cabeceira com um abajur para garantir luz baixa durante o sono, e uma cômoda com espelho onde ficavam as roupas.

Certa tarde ao entrar na casa e passar em frente àquele cômodo, vi uma mulher penteando-se diante do espelho da cômoda de minha mãe, de costas para mim; ela era morena e tinha os cabelos escuros e longos; falei com ela, achando que fosse minha irmã Mariza. Ela não respondeu e saiu pela outra porta do quarto, que se comunicava com o quarto do meu pai. Eu a segui, mas ela havia sumido. Só então percebi que não havia ninguém em casa. Senti arrepios, seria uma aparição?

Aquele quarto guardava “tesouros” não materiais, inimagináveis, certamente trancados na escrivaninha do início do século XX, que minha mãe adorava. Pequenina, a escrivaninha era uma peça linda, rara e preciosa: antiguidade francesa, madeira maciça, com trabalho em marchetaria e abertura sanfonada.

Sempre que eu estava triste e angustiada, dava um jeito de ir até o quarto de minha mãe, deitar-me em sua cama, ouvir o barulho da água corrente e o canto dos passarinhos. Saía dali renovada por aquela energia cheia de magia.

A propósito: a pequena escrivaninha francesa continua intacta, em minha casa; guardo-a com muito carinho.

 

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