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Viriato Moura

NARA: O FURACÃO SEDUTOR


NARA: O FURACÃO SEDUTOR - Gente de Opinião

Porto Velho vivia a segunda metade dos anos 1960 quando um furacão sedutor alcançou a margem direta rio Madeira. Egresso de Goiânia, segundo dizem, chegou para incitar desejos voluptuosos. Seu nome: Nara. Junto com ela, com os mesmos propósitos, sua amiga Fernanda.

Num tempo em que as casas de luz vermelha na fachada, sinal explicito de que ali havia sexo pago, ofereciam apenas caboclas de classes sociais frágeis, que vendiam seus corpos morenos e rudes, com traços fortemente amazônicos, por uns trocados, eis que surgiram essas duas personagens , então atípicas para nós, do mundo da luxúria. 

Nara era loira, cabelos longos, esbelta, por volta dos 25 anos, e vestia-se à moda das garotas do seu tempo, com calças justas ou minissaias, jaquetas de couro e botas de cano longo, geralmente brancas. Para completar esse visual, um karmann ghia conversível e uma moto. Fernanda, a coadjuvante, era morena, cabelos negros também longos, mais curvilínea que Nara, mas vestia-se como ela.

Carismática, Nara condimentava sua beleza física com inteligência e talento para convencer, seduzir. Mulheres com essas características, dependendo de suas pretensões, são um perigo. Ninguém, independente do sexo ou idade, passava por ela impunemente. Até as crianças ela cativava. Numa demonstração de afeição maternal – sem nenhum intenção censurável, pelo que se sabe —, ela dava aos infantes bombons e os levava para felizes passeios em seu belo carro. As mães mais cuidadosas se preocupavam e admoestavam seus filhos quando os surpreendiam, felizes, recebendo essas manifestações de singelo carinho daquela que, para elas, era uma ameaça a seus sentimentos de mulher.

De fato, Nara era impiedosa em suas investidas sedutoras. Homens de meia idade, com boa condição financeira, eram seus alvos prediletos. Casamentos foram destruídos; outros, abalados. Alguns de seus amantes lhe deram o que tinham e o que não tinham para viver momentos de lascívia com a mais desejada das filhas de Afrodite que por aqui passaram em sua época. 

Nara também era empresária da noite. Seu lupanar ficava próximo à uma frondosa ingazeira na Rua Nações Unidas, há pouco mais de 1 km do início da então Br-29. Com a desenvoltura de quem conhece as fragilidades humanas, em particular os desejos masculinos, Nara administrava seu negócio como manda o figurino desse tipo de comércio. Diferente das outras donas de bordéis de então, ela era a atração maior, a estrela da casa. Desfilava entre as mesas, com uma top model na passarela. Como assistentes para babar seu narcisismo, alguns senhores da melhor sociedade local, que incitavam suas ânsias de posse daquele corpo alvo sem o odor dos perfumes baratos que estavam habituados a cheirar nas outras mulheres do ramo.

Faz parte da passagem desse furacão em forma de mulher por essas bandas, algumas histórias cuja confirmação seus protagonistas, por motivos óbvios, negam-se a confirmar. Nara, esperta, procurava saber quem era quem em nossa cidade. Quem tinha o que ela queria; ou seja, dinheiro. Por isso, quando o freguês se sentava à mesa de sua boate, ela sabia se valia ou não a pena investir nele. Quando valia, achegava-se para lhe fazer companhia. Ao conversar com desenvoltura, embevecia seus interlocutores enquanto bebia alguns drinques. Não, não pensem, como eles pensavam, que eram de bebida alcoólica. Apenas algo parecido com whisky, talvez um chá com cubos de gelo. O freguês, certo de que se aproximava o grande momento de ir para a cama com ela para um noite alucinante, já embriagado era surpreendido por sua abrupta saída de sua mesa, com a justificativa de que iria resolver algum problema da casa. E, claro, desaparecia na penumbra. Em seguida, uma outra mulher, indicada por ela, sentava-se em seu lugar para finalizar o excitado sonhador. Bêbado e frustrado, a ele só restava pagar a conta, encarar a substituta, ou ir embora. Mas, nem por isso, dava-se por vencido. Afinal, esteve perto demais de saciar o seu desejo para desistir dele. Por isso, voltava outras noites mais. E ela, quase sempre, para desespero de muitos pretendentes, dava um jeito de escapar. 

Amantes, ela escolhia a dedo. Um deles, com quem conviveu densamente por um bom tempo, vivenciou uma situação tragicômica. Apaixonado, certo dia, ao procurá-la na boate, não a encontrou. Aguardou-a tomando uns drinques. Como a espera estava longa, foi procurá-la onde ela morava. Lá chegando, ao encontrar a porta da residência fechada (o que não era comum naquela época), silenciosamente contornou a casa, pé ante pé, até chegar à janela do quarto da amada. Ao ouvir o ranger da cama e gemidos sexuais , foi à loucura. De pileque, com as emoções exacerbadas, não se conteve. Como um super-homem, lançou-se janela a dentro indo cair sobre a cama onde o ato se consumava. Surpresa! Não era a sua Nara que estava lá. Era outra mulher no exercício da profissão. O freguês em ação, apavorado, saiu correndo vestido de Adão, com sua folha de parreira irremediavelmente flácida. Deve ter demorado a se recuperar desse susto.

De repente, Nara e Fernanda desapareceram daqui. Foram para onde ninguém sabe ninguém viu. Dizem até que houve intervenção do governador do então Território, a pedido de senhoras da alta sociedade local, para que se retirassem de cena. E nunca mais se soube delas. Mas deixaram um rastro de inconfessáveis memórias, reais e imaginárias, das noites libidinosas da nossa bucólica Porto Velho do passado. 

 


NOTA DO AUTOR –  O bailarino, coreógrafo e ator João Wlamir de Macedo, que também é jurado do programa “Se ela dança, eu danço”, do SBT, e do Carnaval carioca e do Festival de Dança de Joinville estreará este ano, no Rio de Janeiro, o espetáculo por ele produzido intitulado “Discoteca”, em que um dos personagens será Nara, a ser interpretada pela famosa e exuberante bailarina russa Lola Melnick (foto), também jurada do citado programa de TV. Um detalhe importante para quem não sabe: João Wlamir nasceu em Porto Velho e é filho do casal de pioneiros Ary de Macedo, importante jornalista do passado, e da professora Matilde de Macedo – ambos já falecidos. Wlamir, que visita Porto Velho no momento, nos deu essa notícia que demonstra que seu sentimento nativista continua vivo, mesmo estando muitos anos fora daqui.                         

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