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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Uma crônica do Estado de Direito



Ônibus interestadual é parado pela Polícia Federal. Duas mochilas repletas de cocaína são localizadas. No entroncamento de duas BRs, a operação consome a madrugada. Ninguém entra, ninguém sai.

Quatro, cinco horas depois seguem em comboio para interpelação do delegado federal. Antes, porém, vasculham a filmagem atrás dos autores: um é supostamente identificado.

Com ele em mãos, a PF aperta o sujeito (“apenas” tapas na cara – na frente de todos). Inocente ou temeroso de que o código do sigiloso é muito mais implacável, o rapaz nada fala.

As filmagens, por sua vez, são imprestáveis. Ninguém pode ser reconhecido no embarque das tais mochilas. No ônibus – agora já são quase dez horas sem alimentação, água refrigerada ou condições sanitárias mínimas – aguardam senhoras, crianças e inocentes.

Os bolivianos, é claro, têm suas malas reviradas e umas parcas bugigangas são apreendidas. Por que os bolivianos? No ônibus, ninguém se arrisca sequer a pensar em preconceito e racismo institucional – afinal, todos viram o tratamento dispensado ao primeiro suspeito.

Alguém mais atento, contudo, poderia perguntar: “Mas, e as etiquetas nas mochilas, elas têm uma numeração e seria fácil rastrear o portador”. Lego engano, ambas as mochilas estavam lisas, sem identificação. Oras, dirá o pensador com seus botões, “como assim?”. Pois é, foi bem assim mesmo. Foi só desídia? Por que só essas mochilas não tinham identificação?

Ouvidas as 40 pessoas embarcadas, o mesmo ônibus seguiu seu destino – sem sequer limpar o banheiro –, para concluir seu trecho 18 horas depois do sucesso da delação premiada. É claro que o vendedor da droga foi o autor da ligação anônima, avisando do tráfico.

Então, e as famigeradas etiquetas? Nenhum funcionário da empresa foi ouvido e nem a empresa notificada da falha grave. Isto não se passou comigo e foi real. Não é uma crônica estrito senso.

Todavia, a razão, no lato senso, nos leva a supor que nada disso deveria ter tomado esse rumo, sobretudo quanto à preciosa investigação do tráfico de drogas. Como se sabe, instituições que violam direitos fundamentais são de exceção e, neste caso concreto, apenas reafirmam nossa condição de Estado de não-Direito.

Será – com a violação de direitos – que vamos construir algo melhor na realidade social brasileira?

A negação do direito não fortalecerá o Estado de Direito. Essa lição básica o cidadão brasileiro parece ter compreendido, mas as autoridades e as instituições oficiais ainda não.

O Estado de Direito se faz com equidade, isonomia, direitos preservados; enfim, com justiça, democracia, liberdade, direitos e garantias de que serão cumpridos e cidadania republicana.

Fora disso, é mera cena, alegoria da exceção, espetáculo de força ou, simplesmente, violação das condições básicas da vida moderna.
 

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos

Inaê Level

Cientista Social. Professora da Rede Pública de Ensino

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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