Domingo, 23 de setembro de 2012 - 07h19
As propostas do novo Código Penal têm trazido muito debate, como a tendência à criminalização das relações sociais e a fixação das tais penas duras e pesadas. Neste artigo trataremos de uma questão de fundo, em que o melhor direito está longe do Direito Penal. Na verdade, a pena de prisão nunca tornará ninguém melhor do que já é, porque sem liberdade o homem não se socializa e nem reforça suas habilidades naturais. A restrição da liberdade equivale à interdição do direito de ser humano. Neste sentido, o Direito Penal é sempre um mecanismo de exceção, o exato contrário do que o pensador iluminista chamaria de Direito Natural: o direito com base na liberdade. O Direito Penal é uma exceção, especialmente se entendermos que a regra é o homem-mulher se tornar mais humano, usufruindo da liberdade para explorar seus limites. Como nos ensinou o eminente jurista Gustavo Radbruch: “A melhor reforma do direito penal seria a de substituí-lo, não por um direito penal melhor, mas por qualquer coisa melhor do que o direito penal”. Em primeira instancia, o Direito Penal é um aparelho repressivo de Estado, um mecanismo de dominação com a marca e a força da exceção.
Para o pensamento liberal que impregnou o Iluminismo, o homem se humaniza na prática da liberdade, pois é nesse estado que pode desenvolver suas capacidades, habilidades. Como homem livre é dono do seu destino, autor dos seus projetos, em que flui a capacidade de aprofundar a reflexão, a formação do “pensamento livre” e do raciocínio lógico-dedutivo. Com a liberdade, é capaz de pensar em profundidade, observando e analisando o presente e os meios que tem a sua disposição, ao mesmo tempo em que agudiza o olhar para o futuro, em que literalmente (se)projeta no futuro. Esta relação criativa que o “homem livre” instaura na relação espaço-temporal, entre passado-presente e futuro, é o próprio projeto da humanidade no mundo moderno. A liberdade institui plenamente no homem-mulher a capacidade do pensamento teleológico, no que pode ser considerada a base do Iluminismo. Enfim, sem liberdade, o homem-mulher não é sujeito, mas coisa, objeto. Obviamente, quem não é dono de si, não é dono de nada.
Nunca a liberdade foi tão festejada quanto no Iluminismo: fase sucessiva do Estado Moderno. Portanto, o Iluminismo é uma retomada do pensamento político aplicado à manutenção e fortificação do poder que melhor serve ao capitalismo. Mas, além desse caminho, há a proposta de que o preso e o sitiado possam recorrer às ideias básicas de liberdade, autonomia e a elas se agarrar para sair do fosso do “isolamento”. Com a liberdade encontramos o Outro (o ex-escravo) e com ele modificamos radicalmente a relação senhor-escravo, em que o indivíduo da ação (política) se torna senhor de si mesmo, senhor do objeto da política – e que é, exatamente, a liberdade. Negar a liberdade é anular no indivíduo sua capacidade de humanização, ao menos temporariamente. Ninguém será mais homem-mulher na condição de não-livre; ao contrário, a restrição à liberdade é caminho certo, direto, inflexível da desumanização, uma vez que se retira do ser-social a capacidade de se socializar e de aprofundar sua condição humana no relacionamento com o Outro. Sem liberdade não há igualdade, pois não há igualdade entre senhor e escravo. Assim também recupera-se a força da disposição política iniciada com o pensamento grego clássico: a articulação entre isegoria e isonomia.
Mas o Iluminismo também é herdeiro do pensamento grego clássico. Para Homero, os heróis eram homens livres; afinal, só o homem livre pode retrucar (dizer não) e instigar à construção de uma polis onde possa exercer esta sua liberdade. A polis, então, era formada destaunião entre o político e o homérico. Mas a liberdade terá um sentido entrelaçado em que a ideia é de que o aneu logou, sem o direito de ser e de falar por si, não dominava nenhum dos dois sentidos. Modernamente, seria uma mescla entre alienado e analfabeto político. O homem-mulher sem opinião é o não-homem, sem liberdade de se fazer, de dizer a si e aos demais quais suas convicções e valores. Sem liberdade, o homem é apenas um analfabeto político irreconhecível na interação social que deveria lhe formar a condição humana.
Nesta linha, como escreveu a pensadora alemã Hannah Arendt, o sentido da política é a liberdade e o homem só é homem na condição de se realizar como animal político. Logo, sem liberdade não há política e sem politica não se forma o homem-mulher. É imperioso pensarmos que o homem necessita da política porque a relação política nos complementa, sendo uma atividade intersubjetiva, além do fato de que o homem não é autárquico, não vive apoderado. “A política surge entre-os-homens”, é um “intra-espaço” (intra-subjetiva) e por isso (r)estabelece uma relação ou conjunto de relações políticas — é um processo que provoca desentranhamento humano e isso ainda resulta em descentramento. Com a liberdade inerente à atividade política, social, o homem-mulher deixa de ser egoísta, descentrando-se. Sendo assim, ainda se acentua a relevância da diversidade e da pluralidade: a convivência entre diferentes. O que se verifica facilmente, pois sem isonomia (igualdade elementar entre as pessoas) não há o Outro, uma vez que é preciso tornar iguais para só depois poder acentuar as diferenças. Por isso, a política estimula a isonomia ao mesmo tempo em que é dependente dela, mas deve-se entender como isonomia política, não somente dogmática jurídica. Com isto, para o cidadão, unem-se em importância a isonomia e a isegoria. Sob pena de se ver como alienado da política, exige-se igualdade na política, ser capaz de, em liberdade, produzir a lei a que se estará submetido dali por diante, ao mesmo tempo em que se disponha expressamente que esta lei não poderá atentar contra a vontade livre que a gerou (do contrário, seria a exceção). Esta capacidade de dizer sim à lei que atenderá ao homem-mulher (isegoria) é reflexo/indutor da condição de ser-social.
Este sentido amplo de liberdade — como princípio restritivo à concentração absolutista do poder, como exceção — também emprestou sustentação à tolerância religiosa e à tolerância política. Para o filósofo inglês John Locke, antes de fundar o governo civil, os homens viviam num estado de natureza, em que se portavam como homens livres e iguais, pois se fazia presente uma “lei natural” — a razão —, ensinando que os homens não deveriam prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses: a transgressão à sagrada “lei da razão” torna o infrator inimigo da humanidade. No estado de natureza, a razão alegada por Locke leva a crer que o agressor seria a primeira vítima. No entanto, para Locke, no estado de natureza, a liberdade segue dentro dos limites do direito natural. Não há liberdade sem autonomia e vice-versa, e o motor desse movimento é o discernimento, o juízo que deve dar direção à ação: “fazer ou não-fazer alguma coisa, senão em virtude do bom senso”, quando se sabe que a ação pode provocar reações boas ou más, em intensidade igual ou superior, a nós mesmos. A relação entre direito e liberdade é naturalmente uma relação em que se afirma o ser social e sua negação, sobretudo a partir de uma atividade jurídica – Direito Penal –, não pode ser outra coisa a não ser a aplicação dos mecanismos de exceção a que o poder faz uso. O que, em certo sentido, também não deixa de ser a negação do direito como um todo-social. É certo que, o direito é parte fundamental do processo cultural de racionalização que acompanha a humanidade, como essencial ao processo civilizatório ou de humanização.
Portanto, por definição, a prisão não pode socializar. Sem a liberdade não há que se esperar a melhora do ser social. Não há conteúdo preventivo e retributivo na pena, mas somente a punição como vingança pública. Por isso, o melhor Direito Penal é o menor direito penal. Ironicamente, contra o Direito Penal da Exceção cabe uma regra do próprio princípio da exceção: “o menos é mais”. Quanto menos Direito Penal, melhor.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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