Quarta-feira, 18 de dezembro de 2019 - 08h27
“Na primeira noite eles
se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda
noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos
nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já
não podemos dizer nada.”
Eduardo Alves da Costa
Em
1961, os comunistas da antiga União Soviética, de mãos dadas com os da Alemanha
derrotada, ergueram um muro na Berlim Oriental, separando famílias e amigos
daqueles que iriam viver na parte ocidental, dividindo o mundo em dois pedaços.
Depois,
já quase no final do ano de 1989, em 9 de novembro para ser preciso, caía o
muro erguido em Berlim, um dos marcos da Guerra Fria, após o naufrágio da
ideologia comunista no mundo.
Não
tenho poderes nem a pretensão de dar início a uma Guerra Fria como aconteceu
entre Moscou e Washington; mas, como cidadão, ouso ponderar que a história
rondoniense foi vilipendiada mais uma vez, em face das distrações dos moradores
novatos que se inseriram na sociedade da terra sem ânimo de tentar, pelo menos,
discutir o porquê, o como e o quando dos acontecimentos históricos da região,
mediante a omissão e a negligência dos nossos historiadores.
Refiro-me
ao glorioso passado do Ypiranga Esporte Clube, justamente na confluência das
ruas Pinheiro Machado com Gonçalves Dias, que desapareceu para ser erguido um
prédio de arquitetura modernosa, mas que ao menos homenageia um ínclito nome,
uma legenda moral e uma grife do Judiciário regional, o saudoso Doutor César
Montenegro, substituindo naquele espaço o também honrado nome do Coronel Paulo
Saldanha. Soa como uma passagem do
bastão!
E aqui transcrevo as
palavras que um lúcido escrevinhador registrou para a posteridade, assinalando:
“Nesses 97 anos de existência, o clube teve na cadeira da presidência diversas
personalidades importantes para o cenário histórico de Rondônia, como: Joaquim
Augusto Tanajura, George Adolhhue Mackenzie, Alexandre Albert Guimarães, Paulo
Cordeiro da Cruz Saldanha, Aluízio Pinheiro Ferreira, Albertino Lopes, Moacir
Taborda de Miranda, Abguar Lima de Miranda, Sebastião Nascimento Lapa, Waldyr
Estrela Cabral, Manoel Messias Paula de Sá, Dr. Luiz Augusto Paiva Cardoso,
Olívio Leite Salomão, Antônio Edson Andrade, Raimundo Nonato Serrati, Clóvis
Avanço, Alfredo Pessoa Corrêa, Aluízio Bentes”.
Primeiro derrubaram o
Estádio e seu muro; e em dias que não posso precisar, a fachada do antigo Estádio
do Ypiranga Esporte Clube, construído pelo meu tio-avô, Paulo Cordeiro da Cruz
Saldanha, o também ínclito nome, respeitabilíssimo, um edificador nestas
paragens do poente, desde muito antes da frase se tornar parte do nosso hino.
Derrubaram o muro e a
fachada do antigo Ypiranga, mas não derrubarão a trajetória de um homem que fez
história em Guajará-Mirim, Porto Velho, Boa Vista e Manaus, pois sendo morador
em Guajará-Mirim mereceu a ventura de administrar na cidade de Porto Velho,
como seu quarto Presidente, o Ypiranga Esporte Clube, quando foi entregue o
Estádio que levava o seu nome. E foi além: por ter construído a primeira escola
de Guajará-Mirim e trazido de Manaus o seu primeiro professor, o educador Carlos
Costa; mandado edificar às suas expensas a primeira igreja católica na
fronteira, ainda em 1926; depois, apoiado as ações
cívico-político-administrativas e religiosas do Bispo Dom Francisco Xavier Rey,
este que se fez presente a partir de 1932. E, qual “médico ad hoc”, ante a falta de profissionais dessa área, pôde minorar o
sofrimento de tantos, tratando, como se profissional da saúde fosse, os doentes
das enfermidades tropicais.
Também agenciou o
progresso e o desenvolvimento implantando a Guaporé Rubber Company, promovendo
a harmonia entre os dois povos fronteiriços quando a cobiça alfandegária
extrapolava a razoabilidade.
Inclusive se deve à liderança dele, e não à do
Aluízio Ferreira, a iniciativa de pugnar pela criação do Território Federal do Guaporé,
porém com sede em Guajará-Mirim, ainda em 1937, no que foi apoiado maciçamente
pela ordeira população lindeira. Faço notar que jamais negarei a importância
política e administrativa do Coronel Aluízio Ferreira na implantação do
Território, posto ter agido com competência e denodo.
O que sobrou do muro da
Gonçalves Dias com a Pinheiro Machado foi derrubado. Porém não será criada uma
cortina de ferro quanto à história desse espaço, fazendo cair junto com o muro uma
parte do passado desta terra. E, por outro lado, a História não deixará cair no
esquecimento a trajetória futebolística de um Simeão Tavernard, Mário Teixeira,
Nélio e Nézio Guimarães, Baby, Chafon, Gervásio, Bacu, Ney Barbosa, Simão
Salim, Walter Santos, Carlos Alberto, Tracajá, Alcimar, Meireles, Bacurau, Edu
e tantos outros que desfilaram seus talentos no Estádio de Futebol Paulo
Saldanha.
Em nome do progresso
mais um espaço histórico silencia; todavia, a história de vida do coronel Paulo
Saldanha, a despeito da distração, omissão e negligência de uns e outros, segue
irretocável e irretorquível, plena de exemplos edificantes e de fecundo amor a
esta terra...
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