Quinta-feira, 5 de agosto de 2010 - 15h08
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Valdemar de Holanda Pinto, o Valdemar cachorro, ou “Rei das selvas”, foi um dos mais populares amigos de índios e foliões carnavalescos que Porto Velho conheceu. Venceu 13 concursos. Sua vida foi permeada de fatos risíveis, outros tristes, mas a marca da solidariedade esteve acima de tudo.
Seu amor pela cidade e por Rondônia revelou-se depois de muitas andanças, quando ele ofereceu-se para cuidar de um museu, no qual poderiam ser guardados documentos, indumentária, artesanato e apetrechos usados por indígenas. Era 1976 e Porto Velho parecia bem menos carente que hoje em guardar fragmentos de sua história nativa.
O cabeludo Valdemar cachorro seria o homem certo para servir de guia ou recepcionista aos visitantes. Procurou dona Gilsa Guedes, mulher do governador Humberto Guedes, relatando-lhe a conquista de exemplares de araras, cobras, macacos, papagaios e até uma onça-pintada que ganhara de presente.
Na verdade, ele oferecia ao governo a chance de criar um museu e manter um pequeno zoológico numa cidade com pouco mais de cem mil habitantes. Mas não teve sorte o nosso personagem, porque nele enxergavam muito mais a aura de folclórico do que a de um empobrecido mecenas, capaz de transmitir conhecimentos a respeito de plantas medicinais ou rituais que aprendera com os irmãos indígenas.
Foi dono de uma churrascaria no local onde funcionou a Casa Fortaleza e do Restaurante “Rei das Peixadas”. Na abertura da ex-BR-29 (a rodovia BR-364) dedicou-se a empreitar obras no interior. Bom atirador, junto com o dentista Oliveira representou Rondônia nos certames de tiro ao alvo em Belém, disputando com cabos, soldados e sargentos do Exército. Ambos foram campeões.
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– Não devemos deixar que costumes e objetos, tudo que eles (indígenas) têm, seja esquecido ou abandonado no tempo. Rondônia precisa saber amar suas coisas – discursou para mim. Indignado, não aceitava o fato de alguns moradores e, principalmente os migrantes recém-chegados, desconhecerem aspectos da construção da lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cujo museu funcionou depois.
Lembrou-me de alguns feitos na história do território: o trabalho missionário do bispo Dom Xavier Rey, que liderou a aproximação com os Pakaas-nova, na fronteira Brasil-Bolívia, e as doações feitas aos Karitiana pelo ex-governador Darwich Zacharias.
– De uma só vez, ele mandou para a aldeia (uma delas ficava no Km 45 da Rodovia BR-364, sentido Guajará-Mirim e Acre) 20 machados, 20 terçados e outras peças – contou-me.
Abelardo Barbosa, o Chacrinha, então o mais popular apresentador da TV brasileira (trabalhou na Globo e na Bandeirantes) recebera de Valdemar a promessa de um presente: a sucuri “Vanusa”, que ele criava e fazia exposições. Para a sua frustração, o réptil com seis metros, pesando 80 quilos, lhe foi furtado numa pensão em Manaus. Entristecido, retornou de ônibus para Porto Velho.
Outro desânimo foi por ocasião do sumiço do macaco “Sonho”, ganho de um amigo de Jacy-Paraná, na BR-364. O bicho havia ficado famoso, depois de filmado pela TV Rondônia e por cinegrafistas de passagem por Rondônia.
Durante muito tempo, os Karitiana arranjaram muitos “compadres” na cidade. Levavam presentes para as pessoas amigas e admiradores. Valdemar sentia-se à vontade ao visitar aldeias e adentrar a floresta, acompanhado dos amigos conhecidos ao longo da vida. Tinha 48 anos de idade e o museu não lhe saía da cabeça. A escassez de recursos no governo territorial sepultou sua idéia.
Vivia de recordações daquilo que viu, aprendeu e pretendia compartilhar. Apadrinhou um índio xará e conviveu com o chefe Morais, que desaparecera. Ao lado dele, o sertanista Osni Silveira foi outro grande conhecedor desse povo, pois se tornou verdadeiro irmão e porta-voz do cacique Antonio Garcia, que morreu em 2009, com mais de 80 anos.
Foi um círculo de amizades semelhante aos de seringueiros, camponeses, sem-terra e pequenos agricultores. Muitos deles, tão fraternos quanto o notável Valdemar cachorro.
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