Porto Velho (RO) terça-feira, 10 de junho de 2025
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Montezuma Cruz

História desafia governo e cidades à preservação da memória de Rondon



MONTEZUMA CRUZ
Amazônias

 

 PORTO VELHO, Rondônia – De que jeito ele veio, fez e aconteceu? Choveram perguntas e respostas no seminário. Ouro, estudo de fauna e flora, uso da mão-de-obra indígena na construção de seis mil quilômetros de linhas telegráficas, batismo de rios, mapeamento de reservas minerais somaram-se no debate.
 

A Academia Rondoniense de Letras e a Universidade Federal de Rondônia (Unir) resgataram a saga do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, além das linhas telegráficas, prestando-lhe significativa homenagem no transcurso dos 145 anos de seu nascimento.
 

No Teatro Banzeiros lotado, as duas instituições lançaram olhares sobre o pioneiro das telecomunicações, abordando as suas descobertas, conquistas na Amazônia Ocidental durante a transição entre o Império e a República.
 

O jornalista, professor, ex-deputado federal e ex-prefeito Emanuel Pontes Pinto, que dirigiu em Porto Velho o extinto jornal O Guaporé, descreveu toda a trajetória do marechal descendente de índios Borôro, Terena e Guaná.

 

Rondônia, Rondon
 

Uma raridade: Rondônia é o único estado brasileiro com nome de um personagem da história brasileira.
 

– Dois anos depois de assentar praça como voluntário no 3º Regimento de Artilharia a Cavalo em Cuiabá (MT), ele ingressou na Escola Militar da Praia Vermelha, onde foi influenciado por seus superiores e se tornou positivista – lembrou Pontes Pinto.
 

– A doutrina positivista de Augusto Comte desdobrou-se em um catecismo e nova religião – unicamente, no Rio de Janeiro – por Miguel Lemos e Raimundo Teixeira – destacou o professor de História na Unir, Edinaldo Bezerra de Freitas. Alinhou, assim, a catequese laica em confronto com a catequese religiosa nas ações programáticas de Rondon.
 

– Ele foi o homem certo no local certo e na hora certa; o modernizador na transição entre o Império e a República.
 

Para o presidente da Academia Rondoniense de Letras, jornalista e escritor Lúcio Albuquerque, o seminário alcançou êxito, na medida em que trouxe à luz esclarecimentos preciosos a respeito desse militar carismático, cuja disciplina, ousadia e perseverança o colocaram frontalmente contra a escravidão e pela soberania brasileira.
 

O público não perdeu a oportunidade, fustigando os palestrantes em relação ao fato de Rondon ter precisado de indígenas para delimitar terras e construir as linhas telegráficas. O acadêmico de Letras Matias Mendes fez a mediação com zelo e abriu espaço para adendos imprescindíveis ao êxito do seminário.
 

Rondon precisava abrir picadas, caminhos – resumiu o professor Freitas. Lembrou o papel do marechal no Serviço de Proteção ao Índio (SPI), acrescido da sigla LTN (Localização de Trabalhadores Nacionais) no início do século passado. O SPI antecedeu a Fundação Nacional do Índio (Funai).
 

Quando o SPI foi acusado de “perdulário” por outro marechal, Juarez Távora, a denúncia teve repercussão internacional. Freitas conseguiu projetar a cidadania no contexto amazônico.
 

– Rondon disse “matar não”, mas os índios morriam e morrem hoje. Eles não ficaram iguais depois do contato. 

 

História desafia governo e cidades à preservação da memória de Rondon - Gente de Opinião
 Rochilmer Rocha entrega a medalha de acadêmico a Emanuel Pontes Pinto, na presença de sua esposa, dona Carmem

 

Operações militares duram quatro décadas
 

PORTO VELHO – “Fazer da vida um ato heróico de viver”. Foi essa a sensação deixada pelos palestrantes ao público do seminário, em sua maioria de jovens colegiais e universitários pertencentes às gerações de rondonienses pós-1980.
 

Pontes Pinto fez homenagem póstuma ao tropeiro Manuel Ferreira da Silva, integrante da Comissão Rondon. Alinhou também outros merecedores do seu reconhecimento: Aluízio Pinheiro Ferreira, Ary Tupinambá Pena Pinheiro, Francisco Soares Meireles e o filho também sertanista, Apoena Meireles (assassinado por um assaltante num caixa eletrônico de banco em 2004), Fernando Claro de Campos, Alberto Gadelha Gorayeb, Padre Francisco Pucci, e os parentes do palestrante: Flodoaldo, Francisco, Januário e Antônio Pontes Pinto.
 

Chefiadas por Rondon, as operações militares atuaram em Mato Grosso entre 1890 e 1930, lembrou o palestrante. Nesse período, descobriram mananciais de ouro, diamantes, manganês (pirolusita, polianita e manganita), gipsito, ferro, prata, turmalina, cristal de rocha, ágata e mármore.
 

– Engenheiros e técnicos brasileiros e alemães que trabalharam para o Serviço Telegráfico Nacional foram os responsáveis pelo planejamento e construção das linhas entre o sul e o oeste – contou Pontes Pinto. (M.C.)

 

Picada, seringal, boi, boiada, rodovia...
 

PORTO VELHO – Trinta anos depois de percorrer os sertões e alcançar a Vila de Santo Antonio do Madeira (em 31 de dezembro de 1909), Rondon viveu os momentos de crise e ruptura com o que vinha fazendo nos sertões. Seu método de trabalho fora rejeitado pelo Estado, nas circunstâncias em que vinha sendo feito.
 

Freitas citou os historiadores Roquete Pinto, autor do livro “Rondônia, a terra de Rondon”, e Laura Maciel, autora de “A Nação pelo fio”, para avaliar a “fortuna crítica” e os fundamentos de Rondon. Foi quando questionou o público sobre o passado e o presente.
 

– O que veio depois da picada, do seringal, do boi, da boiada e da estrada? – indagou. Nem todos os que vieram atrás dele tiveram missão pacifista – desafiou novamente, lembrando a ocupação amazônica a partir do Programa de Integração Nacional (sucedido por outros, entre os quais, o Polamazônia, Polonoroeste e Planafloro).
 

Há dois anos, visitando uma aldeia Nambikwara no Alto Guaporé, o professor ouviu de um indígena idoso uma respeitosa referência ao personagem: “Aquele homem que se vestia de ferro”.
 

O que foi feito da memória e do patrimônio de Rondon em Rondônia? Entre o silêncio e o riso em seguida, a resposta veio rápida. Freitas lembrou as estações telegráficas “em estado tenebroso”. Historiadores presentes lembraram ao repórter que desapareceram postes de ferro, fios e utensílios usados pela expedição.
 

No mesmo tom, o mediador Matias Mendes denotou alguma indignação ao lembrar que a Praça Rondon se tornou muito mais conhecida por “praça do baú”, bem antes do sumiço do busto do marechal.
 

– Quando, onde e para que serve o herói? – questionou Freitas no final do evento, parafraseando Bertolt Brecht. (M.C.) 

 

História desafia governo e cidades à preservação da memória de Rondon - Gente de Opinião
 Freitas: "Oque foi feito da memória e do patrimônio de Rondon em Rondônia?"

 

A língua do Mariano
 

PORTO VELHO – Pontes Pinto trouxe ao seminário a trajetória completa do desbravador. Enfatizou as agruras do trabalho na floresta, as lendárias minas de Urucumacuã, a Expedição Roosevelt-Rondon, o Prêmio Nobel da Paz, encontros e desencontros entre o marechal com o Poder e a sua vivência com os indígenas.
 

Trecho de sua narrativa lembra o acampamento da comissão nas margens do rio Juruena, em 20 de outubro de 1900, com um acervo de 619 km de reconhecimento de áreas.
 

“Uma patrulha composta por Rondon e três mateiros sofreu violento ataque dos Nambikwara. A ponta de uma flecha passou de raspão pelo seu rosto e outra, ervada, ficou cravada num furo da bandoleira de couro da sua carabina. O mateiro Domingos foi atingido levemente com duas flechadas.
 

“Frente a frente com os agressores, disparou dois tiros para o ar, pondo-os em fuga. A animosidade dos nativos obrigou-o a ordenar o recuo do destacamento para o vilarejo de Diamantino. Os planos de reconhecimento dessa primeira etapa já estavam praticamente concluídos e a época de huvas intensas aconselhava tomar essa decisão, para evitar novos confrontos.
 

“A projeção de Rondon como responsável por essas e outras determinações humanitárias incomuns naquele deserto, criou um halo em torno de seu nome. A comissão construtora que chefiava passou a ser denominada Comissão Rondon, e a linha telegráfica apontada pelos indígenas da Serra do Norte, como “Língua do Mariano”. (M.C.)

 
 TERRAS INDÍGENAS COM MINÉRIOS
 

Caiuá, Cadiuéu, Guaicuru, Quiniquinau, Ofaiê, Guaná, Laiana, Terena, Irima, Borôro Orári e Borôro Togucure, Umutina (barbado), Borôro da Campanha, Carajá, Javé, Chambió, Caiapó (Gorotire, Djoré e Assunin), Gavião, Chavante, Canoeiro, Bacairi, Trumai, Auti, Meinacu, Vaurá, Nahuacá, Ualapiti, Naravute, Cuicuti, Calapalu, Suiá, Apiacá, Caiabi, Mundurucu, Pareci, Iranche, Tapichana, Massacá, Parnauá, Tacuatep, Ipotituat, Jaru, Urupá, Urumi, Uomô, Buroborá, Uaiá, Cabixi, Paaakas-novo, Cautário, Boca-negra, Palmela e “habitantes ignorados” dos vales dos Guaporé, Ji-Paraná, Roosevelt, Tapajós, Xingu e Araguaia. 
 

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 Lúcio Albquerque (c): esclarecimentos preciosos a respeito de um líder carismático



 

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