Sábado, 28 de maio de 2011 - 08h32
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Judite é uma bandeira viva das escolas do passado em Porto Velho: merece uma homenagem /MONTEZUMA CRUZ |
MONTEZUMA CRUZ
PORTO VELHO – Ela lê a Bíblia sem óculos e caminha a pé pela cidade, para rever parentes e antigos conhecidos. Aos 97 anos bem vividos, a ex-servente e diretora escolar Judite Holder é um exemplo vivo de pioneira da época em que funcionava a lendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Filha única de Sidney e Beatriz Holder, ela veio da Ilha de Barbados, desembarcando em Belém (PA). No município de Porto Velho morou em localidades por onde passavam os trilhos, de Jacy até Abunã.
Dona Judite conversa pouco, mas a sua fala e o seu semblante revelam uma pessoa que lutou a vida toda e hoje contempla as transformações da cidade. "Fui atacada pela malária",ela comenta, lembrando os infortúnios da floresta inóspita. Recorda que os operários construtores da ferrovia, incluindo seus pais, trabalhavam "de sol a sol" enfrentando malária, béribéri, hepatite e impaludismo. Ainda menina viu aportarem aqui o navio "Madeira-Mamoré" e a chata "Cuiabá", a lenha. "As pessoas corriam para a barranca do rio, era uma sensação".
Lúcida, apesar da idade avançada, menciona os nomes dos quatro filhos: o pastor Joel, da Igreja Assembléia de Deus; a médica Daysy, missionária em Angola (África); o escriturário Wilson, que está em São Paulo; e Gertudes, professora aposentada. Tem sete netos.
"Não sou histórica", vai logo dizendo, indagada a respeito do passado da região. No entanto, se reserva o direito de dizer: "Muita coisa foi queimada". Governadores? Quem foi o melhor? Ela se ajeita na cadeira e diz: "Cada um fez um pouco".
Moradora no Bairro do Triângulo, perdeu em 1969 o marido Perci, que morreu aos 56 anos. "Ele foi embora para Guajará-Mirim e teve outra família lá", limita-se a dizer.
Começou a estudar a Bíblia em 1922. De lá para cá leu tudo, principalmente o Antigo Testamento. "É um livro que mostra tudo, quem foi bom e quem foi ruim", diz. "O Joel foi chamado por Deus", fala, referindo-se ao filho pastor (Assista AQUI, entrevista do Programa Viva Porto Velho), que foi bancário do Banco do Brasil. Para essa personagem viva porto-velhense e de Rondônia a localidade de Santo Antonio do Rio Madeira "tem que ser relíquia", o que na linguagem dos administradores do patrimônio histórico e cultural do País significa ser tombada. "Assisti o último apito do trem em dez de julho de 1972; ele veio de Guajará-Mirim e quando parou aí na estação deixou muita gente com lágrimas nos olhos", recorda.
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A locomotiva 15 é dos tempos dessa pioneira barbadiana que chegou à cidade no século passado /MONTEZUMA CRUZ |
Lembra-se das das famílias de ferroviários, entre os quais os Schockness. Recorda-se de reportagens de jornais e documentários cinematográficos feitos nos derradeiros 20 anos mostrando os irmãos Dionísio e Silas. "Eles apareceram na maria-fumaça! O Silas mesmo fez um farol..." – exclama, rindo levemente
Tempo das escolas
A vida escolar de dona Judite começou em 1946, quando auxiliou a profesora Lígia Veiga (falecida há três anos) na Escola Barão de Solimões. Ali permaneceu oito anos, mas o seu maior tempo foi na Escola Samaritana, para a qual se dedicou durante dez anos. "Fui diretora no Carmela Dutra, na Escola Duque de Caxias e na Castelo Branco", ela conta.
Os olhos brilham ainda mais quando lembra que a nora Liduína, mulher do pastor Joel, também é professora. E que foi muito amiga da professora Aurélia Banfield, com quem trabalhou no Barão de Solimões. Aposentou-se em 1977. Costuma visitar regularmente o salão da manicure e advogada Elizabeth Leite de Oliveira, onde cuida dos pés e de um ferimento na perna. Ali reencontra mães e avós das gerações de 1950, 60 e 70, as que mais lhe trazem recordações por conta da sua atuação no sistema educacional do antigo território federal.
A meninada daquele época dava muito trabalho? Ela ri novamente: "Eram traquinas, e traquinas sempre existiram. Hoje...hoje tá pior; essa internet..."
Se a conversa prospera, é possível que dona Judite ainda mencione outras situações, fatos e celebridades. Especialmente se trabalharam no âmbito do Hospital das Doenças do Aparelho Locomotor, na Policlínica Osvaldo Cruz, ou nos Hospitais da Guarnição e São José, por onde pelo menos nove em cada dez porto-velhenses transitavam naquela época.
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