Quinta-feira, 2 de maio de 2024 - 13h47
Gaúcho de Santa Rosa, o advogado Amadeu Matzenbacher Machado estudou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e veio para Rondônia em 1973. Foi procurador geral do município, secretário-chefe da Casa Civil, presidente do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia e trabalhou no Incra. Nesse órgão ajudou a fazer a transição entre os antigos seringais e os projetos de assentamento.
Enquanto grandes seringalistas dispunham
de bancas de advocacia, o Incra defendia os pequenos, aos quais demonstrava que
o seringal era uma atividade profícua, válida, embora escravagista.
Foi na Faculdade Ritter dos Reis,
de Canoas RS), que Amadeu, a convite do amigo Manoel Castilho, se sentiu cativado
pela palestra do presidente da Comissão de Discriminação de Terras Devolutas do
Incra, Altir de Souza Maia, e propôs ao amigo de infância e igualmente advogado
Ney Leal: “Vamos?”
“Ele era uma pessoa maravilhosa,
perguntou a todos: se alguém estiver com vontade de entrar nesse processo de
ocupação da Amazônia, quando terminar a palestra aqui, eu vou receber
inscrições.”
Ney e Amadeu combinaram a viagem,
em poucos dias chegaram os bilhetes aéreos e os dois embarcaram em Porto
Alegre, rumo a Porto Velho.
Neste vídeo, um pouco da
história de Amadeu 👇🏻
A saga desses dois gaúchos teve
início em um período de desafios. “Os municípios de Guajará-Mirim e Porto Velho
tinham juízes, muito diligentes juízes que trabalhavam pesado e davam conta; o
nosso problema maior era o chamado 2º grau, a instância recursal, quando os recursos
iam para Brasília e lá então a coisa complicava” – relata.
“Hoje nós temos aqui o aparato da Justiça Federal, são seis, sete varas: Vara Especializada, Vara Agrária e Ambiental, Vara Cível, Vara Criminal de Pequenas Causas. Um processo na Justiça Federal está levando de três a quatro anos para ser julgado aqui e 7, 8 até dez anos para apreciar um recurso no Tribunal Regional, em Brasília” – admira-se.
Poeira e barro
“O advogado que militava no
interior tinha que se deslocar para Porto Velho; uma viagem de Vilhena e
Ji-Paraná, demorava. Nosso amigo (José de Abreu) Bianco, advogado em Ji-Paraná
tinha um fusca branco que chegava a Porto Velho amarelo de poeira ou de barro,
e o Bianco irreconhecível” – narra.
A respeito do capitão Sílvio
Gonçalves de Farias, ex-Executor do Projeto Fundiário de Rondônia e quem abriu
a cidade de Ariquemes, Amadeu lembra que no período da 2ª Guerra Mundial havia
uma legislação prevendo: quem passasse para a reserva ganhava duas promoções.
Ele era 2º tenente e foi ser capitão.
“Uma cabeça privilegiada, sabia
tudo de topografia, tudo, e a orientação toda no Incra era dele, um homem de integridade
a toda a prova.”
Amadeu puxa a memória para os
anos 1960 para explicar o destino de Rondônia. “Aqui há predominantemente a
propriedade rural e a pequena propriedade. Por quê? Porque nós incentivamos e o
capitão estabelecia prioridade. (...) Um capítulo especial do Estatuto da Terra
tinha por objetivo extinguir o minifúndio improdutivo e o latifúndio. A palavra
pesava. E estabelecemos então cem hectares, tanto para colonização como para
legitimação de posse. Quem tinha condições desenvolvia uma área maior e obtinha
a regularização de posse. A única área em que nós fizemos um tratamento
diferenciado foi a Gleba Corumbiara.”
Cartórios abrangiam até Mato
Grosso
Amadeu se deparou com os 24
milhões de hectares de Rondônia. Entregaram-lhe a leitura de microfilme com
todos os cartórios da região Norte, inclusive de Mato Grosso, para que
identificasse a origem de títulos apresentados.
“Eu pegava o microfilme, botava
na máquina de alta tecnologia. Ela era um trambolho que rodava encontrando o
seu título e muitos outros títulos do seu título. Os microfilmes eram dos
cartórios de registros de imóveis de Mato Grosso, Amazonas e Rondônia. O que
estivesse no cartório era reconhecido como legítimo numa primeira análise.
Depois se fazia a checagem com os institutos de terras daqueles dois estados.
Se não houvesse origem lá, o documento tinha ingressado de forma irregular no
registro de imóveis e o documento não era reconhecido.”
Em termos ambientais, o advogado
vê dois momentos: no primeiro, o ajuste daquela marcha de brasileiros chegando
aqui; uma montanha de gente, pau de arara, ônibus, muitos do Paraná pelo
interior todo. “Eu vi Cacoal que não existia, aí começaram a criar os primeiros
barracos em função do projeto do Incra e da área que estava sendo invadida. Não
era aquela grilada pelos Irmãos Melhorança.” *
“Pois é, os caras (Colonizadora
Itaporanga) foram se esconder lá em Espigão do Oeste pra fazer a
safadeza da colonização deles.”
Quase meio século atrás, o Incra
notava a chegada de compradores que se acomodavam por conta própria, recebendo
da empresa Itaporanga uma precária identificação física do lote em área
distante da BR-364. Enquanto isso, o Instituto aproveitaria o solo fértil da
região para formar o Projeto Integrado de Colonização Gy-Paraná, que barraria a
grilagem.
Pimenta Bueno, terras do Balateiro
Amadeu teve contato direto com o
seringalista Raimundo Barbosa, seu Balateiro, de Pimenta Bueno, e para conter
aquele processo o Incra fez funcionar um projeto de colonização onde depois
seria Cacoal, e ali começou a cidade.
Quem foi Raimundo Barbosa, o Balateiro?
Aquele que obteve no Governo do
Território licença de ocupação (LO) para explorar uma área de 2 mil hectares, o
que, pela legislação da época, era um título precário e intransferível (Decreto
Lei 9760/1946).
O apelido Balateiro: ele
extraía balata, um látex comparável à guta-percha e proveniente da secagem da
seiva de certas sapotáceas (plantas Magnoliopsidas). Mais explicações em Notas,
no final do texto.
“Eu passei várias vezes por ali,
o nosso ponto de referência era a estrada entre Pimenta Bueno e o Distrito de Riozinho,
que sediava o posto da Funai. Na arrecadação de terras na Gleba Corumbiara foi
possível alcançar três milhões de hectares” – relata numa conversa de mais de
uma hora.
“Toda ela dividida pelo trabalho do capitão Sílvio
em lotes de 2 mil hectares na formatação de 4 mil metros de frente por 5 mil m
de fundos. Foi a primeira licitação de terras públicas no Brasil, e hoje aquela
região é a campeã de produção tanto de soja, como é um expoente em pecuária.”
Os 2 mil ha licitados na época
visavam o objetivo central do Estatuto da Terra, que era a propriedade como
empresa rural autossustentável, já respeitando o Código Florestal, que na época
estabelecia para a Amazônia 50% a reserva legal.
Amadeu lembra do trabalho de
topografia do polonês Jorge Pankoff, a quem o capitão Sílvio recorria quando
enfrentava algum problema.
No trabalho de campo foi
identificado um total de 1 milhão 220 mil ha de títulos irregulares oriundos de
Mato Grosso ou do Amazonas.
“Botamos todos para correr”
“Enfim, tiramos 1 milhão e 200
mil de 22 milhões e 800 mil de terras devolutas, e tínhamos primeiramente que
arrecadar, matricular no regime de imóveis, para depois então poder regularizar
quem estava ocupando!” – ele explica.
Na transição entre os seringais e
a colonização, o Incra viu e enfrentou interesses do Bradesco, Bamerindus, Construtora
Camargo Correia, e outras grandes empresas. Segundo Amadeu, eles aqui “chegavam
do nada, imaginando ser terra de ninguém”. “Vinham para pegar de 50 mil a cem
mil ha, e nós botamos todos para correr. (...) Hoje pode haver grandes
propriedades, isso é um fenômeno normal dentro do sistema de capital, como é o
nosso, e se chama de real concentração fundiária” – relata.
No Projeto de Colonização Ouro
Preto, lembra Amadeu. “Todos possuíam cem ha; atualmente tem gente ali que está
com 2 mil e até 3 mil ha. Aquele que trabalhou se deu bem, o vizinho comprou
lote de quem não progrediu, mas trabalhou lá e o sistema o recompensou.”
“A pessoa que na época ousava vir
para cá não tinha dificuldade de enfrentar mato, abrir mato, abrir picada,
pegar malária, encarar a onça; fazia parte do cotidiano. (...) Pequenos em
Jaru, Ouro Preto do Oeste e do Projeto Paulo Assis Ribeiro, em Colorado, tem
toda a história de chegar na beira da estrada, desembarcando do caminhão com
uma mochila nas costas conhecida por cacaio.”
“Uma noiva pura e virgem”
“Eu sempre evitei a palavra invasão,
ela é muito feia; a gente chamava de ocupação espontânea, e ocupação aconteceu
e houve conflito.”
Para Amadeu, o Incra “ficou muito
malvisto na época, porque ele enfrentou o sistema e os juízes.” “Alguns encampavam
as teses dos advogados dos grandes interesses, então tivemos que administrar
isso.”
Ele rejeita a “mistura entre o
autoritarismo com o exercício da atividade.” “Aquele pessoal que chegou aqui
precisando ir em busca da esperança, nós trabalhamos para eles.”
Nesse aspecto de interesses
contrariados, Amadeu lembra alegres frases que o capitão Sílvio pronunciava e
interpretava literalmente: “Rondônia é uma noiva pura e virgem, ela vai se casar
com quem o pai autorizar, e o pai dela sou eu.”
OABRO, 50 anos
Os 50 anos de OAB mexem com seu
coração e sua memória: “Eu estou como espectador dessa festa toda, até agora
não participei de nada e tenho acompanhado, acho que é interessante. A minha
inscrição é a número quatro, hoje nós estamos aí com 13 mil a14 mil.”
“O tempo que passa são 50 anos; o
pessoal saía para estudar fora, porque aqui não tinha Faculdade, e alguns ficavam
lá.”
Aconselhando: “Meu avô deixou um
legado, e é essa a relação que eu posso transmitir para essa nova geração que aí
está na batalha: sejam éticos, defendam os interesses dos clientes, mas, acima
de tudo preservem a dignidade da profissão e os interesses maiores da
cidadania. Numa demanda judicial alguém ganha, alguém perde. Quem decide isso e
um terceiro, o juiz.”
* NOTAS
●
“Depois
que o detentor da LO efetuasse a demarcação das terras, apresentando e aprovando
o trabalho topográfico, o interessado pagava as despesas previstas, inclusive o
valor do laudêmio, recebia uma carta de aforamento, esta sim, valendo como
documento de propriedade, possibilitando a alienação do imóvel ou o inventário
em caso de morte do foreiro”, explica o advogado.
●
A
LO de Raimundo Barbosa juridicamente nada valia, porém, os irmãos Melhorança a
compraram, contrataram um serviço de topografia e simularam a demarcação de um
milhão de hectares. Constituíram a Colonizadora Itaporanga e foram ao sudeste
para vender lotes de 2 mil hectares – em Espigão do Oeste.
●
O
Incra só regularizaria as terras se os lotes fossem reduzidos a cem hectares,
módulo da reforma agrária, e os colonos retirassem o interdito proibitório que
eles haviam interposto como medida de garantia da posse das terras.
● ”A colonizadora
era clandestina”, concluiu Amadeu. Ele cita a Lei 4947/66 [Normas de Direito
Agrário], cujo artigo 10 diz: Fica vedada a inscrição de loteamentos rurais no
registro de imóveis, sem prova de prévia aprovação pela autoridade pública
competente a que se refere o art. 61 da Lei n º 4.504, de 30 de novembro de
1964. Parágrafo Único: são nulos de pleno direito a inscrição e todos os atos
dela decorrentes, quando praticados com infração do disposto neste artigo.
●
”Desta
maneira, a Itaporanga nem colonizadora era. Ela não tinha seu ato constitutivo
registrado no Incra, também não dispunha de terra alguma para lotear, o que
implicava não poder documentar aos compradores, os quais, com o precário recibo
que lhes era dado, jamais chegariam ao registro de imóveis”, assinala.
____
Edição de vídeo: Raíssa Dourado
Fotos: Álbum Pessoal de Amadeu Machado e Raíssa Dourado
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