Segunda-feira, 31 de outubro de 2016 - 15h25
Hugo Evangelista da Silva*
“Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso”.
Anônimo.
Iniciava o curso de direito – que fiz na Universidade do Amazonas, hoje UFAM – quando ao chegar, depois das aulas, à casa de minha tia – onde morava – recebi dela um bilhete, informando-me ter sido deixado “por uma ‘senhora’ que se dissera minha amiga”. No bilhete fora escrito: “Estou na cidade e gostaria muito de falar com vc! Ligue para mim, amanhã”! Liguei no dia seguinte e fiquei sabendo que a tal “senhora”, por conta de um novo emprego, passara a residir, também, em Manaus. Ao fim do telefonema marcamos um almoço para o sábado seguinte. “Lá te contarei tudo em minucias” – disse-me!
Durante o almoço soube das razões de sua mudança e prestei-lhe as informações que pediu: falei do meu novo lar, do meu novo trabalho, de minhas saudades e, mais demoradamente, do meu curso. Depois, decidimos ir até sua casa. Lá, em meio a tantas conversas, sugeriu que enquanto fossem poucas as nossas amizades, poderíamos nos vê com frequência. “Poderemos juntos descobrir as belezas da cidade e participar de seus eventos” – disse-me. E acrescentou: “Assim, nossas saudades serão mais suportáveis!“ Depois, para minha surpresa, falou: “Posso dispor de um dos quartos da casa para que vc o ocupe nos finais de semana!” Diante disso, fiz o que entendia mais apropriado: Aceitei!
No passar dos meses que se seguiam – quatro ou cinco – tornava-se mais evidente para nós o prazer daquela convivência, enquanto crescia dentro de mim a necessidade de tê-la sempre mais próxima. Passei, por isso, a telefonar-lhe com mais frequência. Ela administrava, com indizível prudência, os eventuais excessos de minhas impetuosidades. Os encontros, por sua vontade, mantiveram-se restritos aos finais de semanas, começando nas noites das sextas-feiras, quando encerrada a minha semana de aulas, prolongando-se até as manhãs das segundas-feiras, quando saíamos para irmos aos nossos trabalhos.
Conclui meu primeiro período de estudos com absoluto êxito! Dei essa notícia a minha amiga tão logo cheguei à sua casa, ao final da semana e do semestre, recebendo, por isso, afagos elogiosos. Abraçamo-nos pelo triunfo e, assim, ficamos a nos beijar repetidas e demoradas vezes, numa intercalação intuitiva: ela me beijando primeiro e eu beijando-a em seguida, ao mesmo tempo em que alternava os lados de sua face. De repente – não mais que de repente – resolvi beijar-lhe a boca ao que – para minha surpresa – ela não recusou. Beijamo-nos mais! E mais! E, mais! Só instantes mais tarde, dominada minha ousadia e refreado o seu entusiasmo, ela encarou-me com um olhar interrogativo, entre séria e espantada, e perguntou-me: “Quê que é isso, garoto”? E eu, a imitar o guerrilheiro do livro do Gabeira, respondi-lhe: “Isso é só um beijo, Maria”!
Aquela minha resposta lhe fora dada na vã pretensão de restituir-lhe o sorriso que ainda há pouco via estampado em seu rosto, entretanto ela continuara séria mantendo o olhar inquisitorial que a mim dirigia! Percebi que o melhor a fazer seria aquietar-me no canto do sofá e esperar para ouvir o que ela teria para me dizer. O silêncio manteve-se por um tempo que me parecera uma eternidade! Ficamos, assim, cabisbaixos, imóveis, mudos, quase sem fôlegos! Quando refeita do susto, disse-me: “Está na hora de nos recolhermos”! Levantou-se, e dirigindo-se para seu quarto, quiçá por ironia, desejou-me: “Boa noite”! Sabíamos que aquela iria ser uma péssima noite: para mim e para ela. Dormi mal e acordei cedo. Quando decidi levantar encontrei-a “arrumada”, exibindo o mesmo traje elegante que costumava usar ao ir-se para o trabalho. Olhei-a com um olhar interrogativo e ela, a atender minha indagação, mentiu-me: “Terei, daqui a pouco, uma reunião na empresa! Quero que vá para sua casa”! E, mais: “Telefonarei para vc ao meio da semana!”
Fui para casa muito a contragosto! Naquele momento de raiva jurei a mim mesmo que não voltaria nunca mais àquela casa. “Afinal, quem ela estava pensando que era?” – disse de mim para mim. Contudo, à medida que a semana avançava fui revendo minhas juras. Considerava, agora, que se ela telefonasse, atenderia. Que se me pedisse que fosse à sua casa, acabaria indo. Que se me perguntasse, dar-lhe-ia o tamanho de minha paixão! O telefonema prometido aconteceu na sexta-feira. Limitou-se a dizer-me: “Preciso conversar com vc. Vá hoje a minha casa. Leve roupa de banho para cairmos na piscina”. Cheguei na hora aprazada! Na piscina, depois de alguns mergulhos, tentei abraça-la. Ela impediu-me com delicadeza e, depois, me falou: “Esquece o que aconteceu no final de semana”. De novo a raiva: “Se era só para dizer isso porque vc não me disse ao telefone?” – perguntei-lhe com rispidez. “Que garotinho atrevido vc está me saindo. Devagar comigo, mocinho!” – observou. Reconheci que tinha sido grosseiro e não demorei a desculpar-me. “Vamos subir?” – propôs em seguida. Lá em cima fomos aos “nossos” quartos e trocamos de roupas. Quando deixei o quarto ela já me esperava, sentada à varanda da casa. Sentei-me a seu lado, pus meu braço em seu ombro e, em tom suave, perguntei-lhe: “Por que”?
A cena que se seguiria, ao tempo em que fiquei ao seu lado foi para mim, inesquecível! Com a voz embargada e olhos lacrimejando ela tomou da minha mão, e disse: “Querido, não sabes quanto tenho pensado em nós desde o instante em que incorremos naquela loucura. Onde já se viu uma mulher na minha idade se portar de maneira tão inconveniente, aproveitando-se de um garoto com idade para ser seu filho?” – disse-me. “Não exagere” – pedi. “Gosto muito de vc e quero casar contigo!” – disse-lhe. “Vc enlouqueceu de vez” – garantiu. “A diferença de idade que há entre nós não é tão grande assim: são somente treze anos!” – insisti. Ela, muito séria, disse: “Não lhe parece muito? Pois então analise comigo” – convidou-me – “Até que vc conclua seu curso, obtenha sua habilitação junto a OAB, se instale em seu escritório e forme sua clientela, ainda não terás chegado aos seus trinta anos, quanto a mim já vou ter ultrapassado os meus quarenta anos, e então já estarei vivendo o risco de ser trocada por duas moçoilas de vinte anos” – sorrimos! “Gosto muito de vc, Querida”! – reiterei. “Esse é o nosso maior problema”! – afirmou – “Eu também gosto muito de vc”! “Aprecio a tua dedicação aos estudos, a tua determinação e o teu apego às mais variadas formas de manifestações culturais, e é por isso, que temos que nos afastarmos para que não aconteça o inevitável”! “Não podemos insistir em tamanha loucura”! – insistiu. “Depois, não quero ser processada por seus pais sendo acusada por sedução de menores”. Nesse instante, desisti! “Tenho que ir para minha casa”? – perguntei-lhe. “Não”! – respondeu – “Pode dormir aqui”! “Na minha ou na sua cama”! - quis saber. Ela sorriu e não me respondeu. Recolhi-me e fiquei rolando na cama por horas. Já era noite avançada quando ouvi bater à porta. “Posso entrar”? – perguntou-me. “Sim”! – respondi-lhe. Entrou. Sentou à beira da cama e perguntou-me: “Ainda estás muito zangado comigo”? “Não” – respondi. “Sabes, estive pensando até agora sobre nós”! “E, se tudo é mesmo inevitável, como penso, é melhor que comecemos isso logo”! – “Não achas”? Antes que eu falasse alguma coisa, impediu-me com um demorado beijo, para, depois, dizer-me bem baixinho: “Gosto, também, muito de vc, Querido!”
Na manhã seguinte, ao levantar, encontrei-a na sala do jantar arrumando a mesa onde serviria o nosso “petit-déjeuner”. Parecia destituída do horrível preconceito que antes a incomodava. Sentemo-nos e começamos a nos servir! Ficamos calados por breve tempo até quando ela se resolveu falar: “Bem! – disse-me - já que é nossa determinação continuar insistindo nessa loucura, quero te fazer um pedido”. Olhou-me fixamente: ”Quero que me deixe te chamar, a partir de agora, Harold”! Achei estranho o pedido, mas não ousei questioná-la! Depois, acrescentou: ”Quanto a vc, quero que me chames, desde logo, Maude!” Foi nesse instante que “a ficha caiu”! Esta era a primeira das muitas vezes que seria presenteado com uma “pitada” de suas irreverências. Seus pedidos eram, na verdade, uma alusão irônica aos personagens do filme Harold & Maude, de 1971, dirigido por Hal Ashby e lançado no Brasilcom o amável título de “Ensina-me a Viver”, um filme que mistura “drama existencialista” com doses cavalares de “humor negro”, protagonizado por um adolescente inexperiente e uma anciã inconsequente. Desatamos a ri nos imaginando fôssemos os personagens vividos, eu, pelo Bud Cort, e ela, pela magnífica Ruth Gordon!
* Advogado, escritor e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara. e-mail: [email protected]
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