Sexta-feira, 18 de junho de 2010 - 22h12
Sua vida foi um palco iluminado, ora pela política, ora pelas apresentações como cantor de ópera, quando usava o pseudônimo de Ricardo Villas e arrebatava multidões na Belo Horizonte dos anos 50. Seu talento era tanto, que um parceiro de palco me confidenciou: “Por maior político que o Murilo tenha sido, ele nunca iria superar o barítono que era!”
Seu grande projeto era comemorar os 80 anos, em 2011, com uma grande festa, quando distribuiria um cd com suas óperas resgatadas. Ao imaginar o evento, finalizava: “Será que eu vou conseguir chegar até lá?”
Fez da voz a sua espada, da palavra o seu caminho e duelou com o mundo à sua volta. Jovem deputado estadual, depois de se aconselhar com o pai, tomou a tribuna da Assembléia Legislativa de Minas Gerais para protestar contra a cassação de Juscelino. Discurso este que os militares nunca perdoaram. Depois, como deputado federal, votou contra a cassação de Márcio Moreira Alves, o que quase lhe fez perder o mandato. Ao saber que quem o salvou das garras militares foi o adversário e vice-presidente Pedro Aleixo, foi agradecê-lo, quando ouviu de Aleixo: “Que isso, essa reunião foi secreta, portanto, ela nunca aconteceu. Se ela não aconteceu, não tem nada que agradecer meu filho”.
Muito poderia dizer do homem público, dos vários cargos e mandatos, do escritor de várias obras e premiadas biografias, do acadêmico respeitado que tinha como chave da porta para as realizações dos nossos sonhos e projetos junto à Academia Mineira de Letras apenas um telefonema inesperado. Quando tudo parecia esgotado, ele se lembrava de alguém, ligava e tudo renascia. Era um parceiro perfeito...
Eu, seu funcionário, sempre me convidava para acompanhá-lo nas viagens, o que era minha obrigação. No trajeto, contava histórias, rememorava fatos, dividia confidências e inconfidências, viajava no tempo tendo ao lado um atento e sereno passageiro.
Me ensinou, em política, a diferença entre o adversário e o desleal. Me fez ler a história pelas entrelinhas. Os discursos, pelas interrogações. As versões, pelas pausas.
Fui com ele visitar antigos correligionários no Sul de Minas e pude testemunhar a comovida força da amizade que os unia, além do tempo e espaço, coisas que não existem mais. Ao final, indagou: “Como eu poderia ser político nos dias de hoje?”. Como que vencido pela imperiosa realidade, constatei: “O senhor não sabe o bem que fez a eles com essa visita”.
Certa feita, fomos a Juiz de Fora. Como era de seu feitio, chegamos antes, muito cedo. Juiz de Fora amanhecia. Sentamos em um banco da praça para ler os jornais do dia. Do outro lado da rua, dois mendigos acordavam na praça e começaram a discutir. Um deles veio até nós e perguntou ao Murilo: “O senhor é adevolgado ou juiz?” Murilo respondeu: “Sou padre. Este aqui é meu sacristão”. “Uai, então me dê uma bençãozinha aqui seu padre!” Murilo fez o sinal da cruz no ar e falou: “Vá em paz e que Deus te acompanhe.” O mendigo voltou para onde estava seu companheiro e falou baixinho: “Hoje estou com sorte, fui abençoado pelo padre Murilo Badaró”.
Ultimamente, estava de volta ao bom e velho combate, motivado pelo convite do ex-presidente Itamar Franco para compor a chapa de Itamar como suplente na candidatura ao Senado. E não parava de idealizar projetos. Imaginava fundar uma editora, tendo a participação de um dileto amigo. Queria dinamizar a Fundação das Academias de Letras de Minas Gerais, criada por ele em 2009, com o nome de FALEMG.
Na segunda-feira, dia 14 de junho, não foi à Academia. Às 18h7 terminamos nossa ligação aos risos. Às 19h45, foi encontrar-se com o pai e o avô, no céu, só faltou combinar com a gente. O infarto foi fulminante. Quando cheguei a sua casa, dona Lucy, sua esposa, estava abraçada a ele, como que se quisesse trazê-lo para a longa caminhada, para os palcos da vida, seu lugar natural. Ela representava todos nós, mas ele já não estava mais aqui.
Murilo Badaró levou com ele um pedaço de nós, daqueles sentimentos nobres que todos os dias nutria em cada um que estava a sua volta, indistintamente. O sentimento da boa convivência, do respeito às opiniões, do amor à literatura, do livre pensar, uma forma leve de ver o mundo e encarar a vida. A convivência com ele era uma renovada alegria, um privilégio.
Um dia, quando já tarde da noite íamos embora, na garagem cheia de carros e passarinhos, Carmen, sua secretaria, acendeu a luz para abrir a porta do carro. Ele protestou: “que isso Carmen, assim você vai acordar os passarinho”, saiu do carro e apagou a luz.
Essa é a imagem que trago dele, um homem que vôo alto mas nunca esqueceu dos passarinhos aprisionados, dos passarinhos esquecidos que não descobriram a liberdade do ar, os passarinhos do canto limitado, do vôo retido. Na verdade, acho que ele era, no mais fundo, um deles também.
FONTE: Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
www.petroniosouzagoncalves.blogspot.com
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