Domingo, 21 de março de 2010 - 09h41
Bruno Peron
A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte é mais um capítulo do certame entre os pujantes e os despossuídos. O que chama mais a atenção é o apelo oficial à obra em nome do desenvolvimento.
Temos a impressão de que os vencedores da contenda exibirão, como de costume, os detalhes do empreendimento colossal pelas ferramentas digitais do Google, já que o prejuízo da população regional reduz-se a um mero empecilho. Nas imagens via satélite, os pequenos nem aparecem.
Indígenas, agricultores e habitantes de áreas ribeirinhas assistem ao advento da terceira maior usina hidrelétrica do mundo e a segunda do Brasil como seres desarmados e passivos.
A usina hidrelétrica será instalada no rio Xingu, próximo à cidade de Altamira, oeste do estado do Pará. Terá capacidade de geração de 11,2 mil Megawatts (MW) e criará, segundo seus defensores, 18 mil empregos diretos. Não se contam os imigrantes iludidos.
Paquiçamba e Arara da Volta Grande, por sua vez, são as principais comunidades indígenas afetadas pelo futuro ominoso para suas práticas tradicionais. O pouco que resta das culturas aborígines é incinerado por esse modelo de desenvolvimento.
A maior hidrelétrica do mundo é a de Três Gargantas, no rio Yang-Tsé, China, enquanto Itaipu, em Foz do Iguaçu na fronteira com o Paraguai, é a segunda.
A discussão sobre a instalação da usina de Belo Monte já toma pelo menos vinte anos e, a despeito do mérito do tema, atravessou vários carnavais em que mulheres bonitas exibiam a bunda e o peito.
O projeto, cujo custo é estimado em R$30 bilhões e estimulado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é polêmico. A aprovação incondicional pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) botou lenha na fogueira.
Um tema que era amargo ficou corrosivo.
Movimentos sociais, análises ténicas de cientistas, alguns organismos sem fins lucrativos e o Ministério Público Federal opuseram-se ao projeto de construção da usina, que está ratificado por grupos pujantes.
A questão que permeia um projeto desta magnitude é de qual é o modelo de desenvolvimento que o Brasil se prontifica a seguir, se é sustentável ou não e quem auferirá benefícios e prejuízos.
O mote da política é ação para maiorias ou minorias. Nunca é para todos.
Alguém sempre ganha; outro, perde.
Belo Monte prevê impactos como: diminuição do volume de água no rio Xingu, dificuldades no transporte fluvial, extinção de espécies de peixes, atração de imigrantes excedentes.
A construção da usina hidrelétrica numa região de vazio populacional confirma o clientelismo de políticos envolvidos no projeto e a vocação tupinica de vender o que a natureza nos presenteia.
A evacuação de recursos naturais terá novo impulso com essa obra faraônica, assim como se reiterará a decadência de nosso padrão de ocupação das áreas verdes.
Os rincões do norte do Brasil obedecem a uma lógica submissa aos mandos de grandes empresários nacionais - mas não nacionalistas - e a especulação de estrangeiros interessados no nosso banco de espécies aberto à exploração mundial.
Belo Monte é o limiar de uma etapa de sondagem que os tomadores de decisão tupinicas - e pretensos representantes do povo - subsidiarão de longe e com os olhos vedados.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição que atira para todos os lados e acaba abatendo tupinicas, financiará o ganhador do leilão de Belo Monte, que está previsto para abril. O tiro mais recente saiu no empréstimo milionário deste banco à Mercedes-Benz.
Se a preocupação fosse a visão de longo prazo, o BNDES destinaria boa parte de seus recursos aos pequenos e médios empresários nativos deste Brasil onde o come-come é faminto.
Aquífero Guarani, minério de ferro, pré-sal, terras agricultáveis e potencial hídrico para a construção de barragens são algumas das dádivas com que contamos dentro do modelo de desenvolvimento vigente no Brasil.
Resta ilustrar a quem este modelo atende.
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