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Dom Moacyr

Migrações com dignidade



A Semana do Migrante (de 13 a 20 de junho), ao completar 25 anos de atividade chama a atenção para a importância de se recriar a economia em que vivemos; que ela seja voltada para as necessidades dos homens e mulheres trabalhadores, não para a reprodução do lucro pelo lucro!

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) através da Pastoral da Mobilidade Humana pede-nos uma reflexão sobre o tema ligado à Campanha da Fraternidade: “Por uma economia a serviço da vida” e uma ação conjunta a respeito das migrações com dignidade.

A Semana do Migrante está muito próxima de nossa realidade no Estado de Rondônia, particularmente do município de Porto Velho. Volta nosso olhar para a realidade dos que vão e vem, dos que partem e chegam; pesquisando e trabalhando as causas e conseqüências de uma migração muitas vezes cercada de angústias, injustiças e tragédias como acontecem principalmente com as vítimas do tráfico de seres humanos para exploração sexual e trabalho escravo de todo tipo.

A realidade vivida pelos migrantes, itinerantes e refugiados constitui um fenômeno cada vez mais complexo do ponto de vista social, cultural, político, religioso econômico e pastoral. Milhões de pessoas migram, ou se vêem forçadas a migrar dentro e fora de seus respectivos países. As causas são diversas e estão relacionadas com a situação econômica, as várias formas de violência, a pobreza que afeta as pessoas e a falta de oportunidades para pesquisa e o desenvolvimento profissional.

O Texto-Base dessa Semana remete também ao Documento de Aparecida e às Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja, em que a vida se torna uma espécie de fio condutor. Nas últimas décadas a temática da vida emerge em variadas áreas do conhecimento e da vida cotidiana. Duas razões correlatas levam a isso: a ameaça que pesa sobre as diversas formas de vida, incluindo o homem e a mulher, e a consciência crescente sobre a deterioração da vida em geral. Os cientistas, os meio de comunicação social, os movimentos sociais, com destaque para os ambientalistas, não se cansam de alertar sobre os sintomas de tal ameaça: destruição das florestas e desertificação de extensos terrenos, a poluição do ar e das águas, o lançamento de gás carbônico na atmosfera, aquecimento global, lixo atômico, entre tantos outros. Também os resultados são bem visíveis: ondas desproporcionais de frio e calor, tornados e furacões devastadores, tempestades e inundações nunca vistas antes. Estudiosos apontam para as causas mais profundas dessas ameaças. O modelo econômico vigente, de filosofia neoliberal tem como motor o lucro e a acumulação a qualquer custo. Isso explica seu avanço inescrupuloso e indiscriminado sobre a face da terra. É capaz de tudo devastar para converter em dinheiro ou capital.

Diante de tal modelo que gerou um padrão de vida ecologicamente incompatível e insustentável com a natureza e aprofundou as injustiças e assimetrias entre o mundo rico e o mundo pobre, resultando um perigo progressivo para todas as formas de vida que povoam o planeta, isto é, para a biodiversidade, Pe. Alfredo Gonçalves, fala de quatro crises conjugadas que nos conduzem atualmente a uma verdadeira encruzilhada.

A primeira, de caráter econômico e sócio-político, costuma responder pelo nome de globalização e se desencadeia no início dos anos 70. A desaceleração da economia capitalista leva-a, a ampliar sua ação a todo globo, seja em termos extensivos, incorporando novos territórios e novas populações ao sistema de mercado, seja em termos intensivos, criando novas necessidades nos povos já incorporados, através da propaganda cada vez mais agressiva. Conceitos como flexibilização, terceirização, precarização das relações de trabalho, desemprego, subemprego e migrações em massa fazem parte desse avanço.

Junta-se a ela uma crise de ordem filosófico cultural dos valores e referências e é marcada pela transição da modernidade para a pós-modernidade. Gera insegurança, instabilidade e levanta perguntas a novos desafios. Não se trata de uma época de mudanças, mas de uma mudança de época. As dúvidas substituem as certezas e o chão parece fugir debaixo dos pés.

Em terceiro lugar, voltamos à crise ambiental. A voracidade do modelo econômico vigente procura vencer a crise do mercado com mais mercado. O remédio tende a matar o doente, na medida em que se gera uma relação cada vez mais devastadora com a natureza. O círculo vicioso da mercantilização e consumo não têm como sustentar-se a médio e longo prazo. O grito da terra é hoje uma realidade que se faz sentir em todos os continentes.

Por último, a transferência de milhões de pessoas da zona rural para a zona urbana, particularmente nos países pobres ou emergentes, reflete-se no êxodo em massa e na falta de condições mínimas para uma vida digna. Crise de urbanização acelerada e caótica. No Brasil, por exemplo, cerca de 85% da população reside na cidade. Se olharmos para a América Latina, África e Ásia, aí encontraremos as maiores metrópoles, com uma série de conseqüências em termos de qualidade de vida.

Como pequenos igarapés, essas quatro crises convergem para formar um grande rio. Podemos aqui introduzir o conceito de encruzilhada. Toda crise costuma levar ao berço, para depois avançar para a fronteira. A encruzilhada, portanto, seria o lado positivo da crise. Ali estão os novos desafios que exigem novas respostas. Passado o lado negativo e sombrio dos momentos críticos, a encruzilhada pressupõe bifurcação e tomada de decisões. Numa palavra, pressupõe opções concretas: ou continuar servindo ao dinheiro e ao sistema capitalista, ou servir ao projeto de Deus de uma terra onde todos se sintam cidadãos.

Nestas crises os migrantes figuram simultaneamente como vítimas e protagonistas. Vêem-se forçados a deslocar-se aos milhões por causa da pobreza, das “catástrofes naturais”, da busca de trabalho ou de problemas políticos, e de outra parte, sua resistência e teimosia semeiam, por onde passam e aonde chegam, a utopia de uma nova vida. Ou melhor, de uma economia toda ela voltada para a vida, a serviço de todas as formas de vida.

O migrante é antes de tudo um forte, diríamos parafraseando Euclides da Cunha, símbolo da própria superação humana, eterno lutador por vida e “vida em plenitude” (Jo 10,10). “Os migrantes devem ser acompanhados pastoralmente por suas Igrejas de origem e estimulados a se fazer discípulos e missionários nas terras e comunidades que os acolhem, compartilhando com eles as riquezas de sua fé e de suas tradições religiosas. Os migrantes que partem de nossas comunidades podem oferecer valiosa contribuição missionária às comunidades que os acolhem” (DAp 415).

Essas multidões em êxodo, na medida em que trazem na pele e na alma as lições do caminho e da fronteira, nos ajudam a definir os rumos a tomar diante da encruzilhada. Não podemos seguir com um modelo econômico, uma cultura e uma civilização que privilegia o padrão de vida de uma minoria, em detrimento da imensa maioria da população mundial. Daí a necessidade de mudanças, de reciclar a vida no planeta, de repensar a relação entre vida humana e outras formas de vida, ou de biodiversidade e natureza. Trata-se, por um lado, de gerar, sustentar, fortalecer e consolidar iniciativas populares de economia solidária, ou a “economia verde” da Conferência de Copenhague, mas por outro lado, de seguir denunciando os estragos do mercado total sobre a sustentabilidade do planeta.

Como lemos no Livro de Gênesis, a aliança de Deus com o Povo de Israel é estabelecida com “todos os seres vivos” e com “todas as gerações futuras”. Não somente garantir a vida no presente, mas preservar suas condições para o futuro. São Paulo salienta que a “criação inteira geme e sofre as dores do parto até o presente” (Rm 8, 22), ao passo que o livro do Apocalipse termina apontando para “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21, 1). Não serão os migrantes uma espécie de “parteiros” da nova criação? Como profetas, pelo simples fato de migrar, denunciam as atuais desigualdades e injustiças que deslocam os povos em massa e anunciam a necessidade de mudanças urgentes. Como protagonistas, carregam valores e aspirações que descortinam o horizonte de uma cidadania sem fronteiras.

Fonte: Pascom

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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