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Sandra Castiel

Coisas de Deus


Coisas de Deus - Gente de Opinião

Noutro dia, entrei em um carro de aplicativo e este era conduzido por uma mulher; esta era articulada, falante e, ao longo do trajeto, mostrou-se simpática, conversamos sobre banalidades.

Então olhei melhor para a pessoa atrás do volante e notei que a vestimenta dela não era nada convencional; parecia até que ia à praia. Não usava roupa de banho (biquíni, maiô, canga, enfim, o figurino praiano), porém pude notar que usava um short, este curto o bastante para surpreender qualquer passageiro (a). Tênis de marca nos pés, relógio de marca no pulso e uma viseira colorida, como se estivesse sob o sol. 

A certa altura, ela virou-se para o banco de trás e perguntou: “- Que idade você acha que eu tenho?”  Meio sem graça, observei o rosto da pessoa e, cá com meus botões, calculei uns quarenta, por aí. Contudo, por educação, respondi: -Acho que você deve estar chegando à casa dos trinta.

Naquele momento, a driver ficou eufórica: “-Tenho bem mais que isso, mas não parece, não é?”  Sem ter o que dizer, assenti com a cabeça.

Então ela começou a falar sobre a maravilha que era o seu trabalho; não este. No aplicativo, dirigia só nas horas vagas, porque ela era mesmo uma esteticista, uma esteticista diplomada.  E mais, usava o próprio corpo (rosto também, claro), para mostrar às outras mulheres como poderiam manter-se jovens sob seus cuidados de esteticista diplomada. Por isso dirigia vestida daquela maneira, para que observassem, além de seu rosto, seu pescoço, seus braços e pernas, enfim, sua pele sem flacidez e sem marcas da idade (palavras dela).

Daí em diante, passou a descrever os procedimentos que fazia em suas clientes; alguns, aliás, bem invasivos, porém sem perigo algum, garantia. Entre uma informação e outra, a mulher repetia: - “Não pode deixar o rosto envelhecer”!

Falou-me sobre sua clínica (nos fundos da casada mãe dela), onde havia apenas uma enfermeira e ela própria; tudo era muito profissional, só atendia com hora marcada. Disse-me que, quando eu quisesse, era só marcar.

Àquela altura do caminho, estávamos chegando ao meu destino.

Antes que eu saísse do carro, seus experientes olhos de esteticista diplomada percorreram meu rosto: -Você ficaria linda com um Botox, faço mais em conta e parcelo em X vezes para você. 

Eu apenas agradeci.

Paguei a corrida e tentei mergulhar na alegria do Shopping.  Mas em minha cabeça, a voz da mulher parecia um mantra: “nãopodedeixarorosto envelhecernãopodedeixarorostoenvelhecer ... “

E agora? Como eu poderia viver com aquilo?

Um sentimento infantil de culpa invadiu-me a alma: deixara meu rosto envelhecer! Como pude fazer isto com meu rosto que, segundo ouvia de minha mãe, era tão bonito? Tarde demais, concluí,tristonha.

Foi aí que me deparei com uma figura feminina saindo da livraria: meia-idade, muito maquiada, rosto meio deformado, pele esticadíssima, sem expressão:  várias tentativas de parecer mais jovem, pensei. Ou seriam inúmeros procedimentos para evitar que o rosto envelhecesse?

Naquele instante, lembrei-me da esteticista diplomada e agradeci a mim mesma por haver deixado meu rosto envelhecer naturalmente. Respeito a natureza e suas leis. São coisas de Deus.

 

Sandra Castiel é professora, escritora, membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia. 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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