Segunda-feira, 6 de dezembro de 2021 - 14h06
O deputado Jair Montes presidiu na manhã
desta segunda-feira (6), no plenário da Assembleia Legislativa, audiência
pública que debateu a perda dos pescadores com a construção das hidrelétricas
do rio Madeira. Ao final dos trabalhos o parlamentar anunciou que proporá a
criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as
irregularidades e apontar os prejuízos causados à categoria.
A decisão foi tomada principalmente porque,
apesar de convidados, não compareceram à audiência os representantes das usinas
de Santo Antônio e Jirau, nem o secretário de Estado do Meio Ambiente. A
ausência de representantes da Sedam foi criticada pelos pescadores.
“Com CPI ganhamos poder de polícia e não
convidaremos mais. Vamos convocar e chegar naquilo que a usina se comprometeu
com os pescadores. Vamos fazer que nem com a Energisa, que hoje está rindo, mas
depois vai chorar, pois encaminhamos o caso à Polícia Federal com pedidos de
indiciamentos”, anunciou o parlamentar.
O deputado Jair Montes citou, ainda, que as
usinas contratam as melhores bancas de advogados e vão protelando o processo.
“O que importa é a ganância do dinheiro. Vamos buscar tudo o que foi prometido
aos pescadores”, acrescentou.
O parlamentar lembrou que, aos 14 anos,
trabalhava como lavador de peixe. “O presidente da Colônia dos Pescadores era
Antonio Colares. Tínhamos nosso peixe todo natural. Vinha diversos tipos de
peixe misturados nas caixas. Tínhamos uma caixa de geladeira, onde o pescado
era colocado. Eu lavava os peixes e ganhava três ou quatro quilos para levar
para casa. Convivi com a fartura do peixe”, relembrou.
Pronunciamentos
O presidente da Associação dos Pescadores do
Distrito de Abunã, Francisco Bento, afirmou que os empreendimentos prometidos
pelas usinas não foram cumpridos. Ele detalhou que a administração da Usina
Jirau alega não poder construir sem um terreno documentado.
“Então que ela compre o terreno. O pouco
pescado que temos agora não tem durabilidade, o cardume sai no final da
invernada, sobe a piracema e acabou. Isso aconteceu por causa da Usina Jirau.
Há mais de 8 anos prometem construir o prédio e montar a geleira com todas as
compensações que temos direito. Peço perdão por alguma palavra que não foi bem
colocada”, disse Francisco Bento.
O deputado Jair Montes avisou que o pescador
não precisa pedir desculpas, porque o Estado é que deve pedir perdão à
categoria. “É como a empresa Energisa. Depois que entra é difícil tirar. Vocês
devem contar tudo o que está acontecendo”, acrescentou o parlamentar.
O administrador do distrito de Abunã,
sargento PM Souza Lima, disse que a Usina Jirau só deixou problemas e
promessas. Ele contou que já foram feitas duas reuniões com os pescadores e
representantes da hidrelétrica, para buscar soluções para os problemas que as
usinas causaram, mas obtiveram somente promessas.
Souza Lima explicou ser necessário um local
para ancorar aos fundos da vila, onde os pescadores poderão ficar mais próximos
de suas casas, mas o lugar foi tomado pelos garimpeiros. Ele disse, ainda, que
solicitou um terreno que pertence à Secretaria de Patrimônio da União (SPU),
órgão responsável pela demarcação de terras, para fazer um porto e um galpão
para os pescadores.
“É um local onde se acumula o lixo. Não há um
lugar para ancorar as canoas nem para armazenar os peixes, que está sendo
guardado nas casas dos pescadores, em freezers, representando um gasto de até
R$ 300 por mês com energia elétrica. O ganho fica para pagar as despesas.
Infelizmente a SPU demora para atender, para apreciar os pedidos”, relatou o
administrador.
A representante da Fundação Ecoporé,
professora da Unir Carolina Dória, explicou que pesquisa a situação dos
pescadores desde 1996. Ela afirmou que houve grandes alterações no ambiente
aquático após a construção das hidrelétricas, como perda de área de alimentação
e de área de migração das espécies.
“Há uma norma dizendo que deveria haver uma
compensação, mas isso não aconteceu. Muitos desses peixes são migradores, por
isso a dinâmica do meio ambiente deveria ter sido mantida, o que não aconteceu.
Na área acima dos reservatórios de Santo Antônio e Jirau houve redução da
migração da jatuarana, uma espécie muito importante para a comunidade. A
redução da dourada no mercado chegou a 74% após a construção das
hidrelétricas”, relatou.
A pesquisadora assegurou que a vida dos
pescadores atingidos pelas usinas de Santo Antônio e Jirau mudou completamente.
Ela lembrou que representantes dessas empresas dizem que isso não aconteceu,
mas há confirmação desses dados.
“Quem faz o monitoramento do que está
acontecendo são as empresas. É como se as ovelhas fossem dadas para o lobo
cuidar. O controle tinha que ser feito pelos agentes locais”, observou a
professora Carolina Dória.
A presidente da Associação de Mulheres do
Ramal Maravilha, Maria Cristina Carreli, disse que o Lago Maravilha está sendo
poluído, porque houve uma invasão na área. Ela contou que há portos instalados
ilegalmente, há ameaças e a Polícia Ambiental não comparece quando solicitada.
“Venho pedir às autoridades que olhem as
demandas dos ribeirinhos, que vão conhecer nossa realidade. Pagamos uma energia
muito cara. Minha conta vem R$ 800. Não há iluminação pública, não temos segurança
e bebemos água contaminada”, solicitou.
O presidente da Associação dos Produtores
Rurais do Médio Madeira, Severino dos Santos Nobre, relatou que o rio está
assoreado e a cada ano a produção do pescado cai. “Eu sou pescador, mas tive
que aposentar a rede. Não há mais como viver da pesca, pois dependemos dos rios
e dos lagos. Fico feliz por o deputado Jair Montes ter lembrado da gente,
porque geralmente só lembram de nós em projetos políticos”, acrescentou.
O técnico da Divisão de Pesca do Ministério
da Agricultura, Ricardo Lopes, citou alguns pescadores históricos. Ele afirmou
que as reivindicações são justas. “As hidrelétricas prometeram uma compensação
justa aos pescadores. Não é que não tenham feito nada, mas é pouco diante do
prometido. Porto Velho tem mais de 40 comunidades de pescadores, portanto há
muita gente precisando. Em grandes empreendimentos são gastos bilhões de reais
em obras, e centavos em compensações”, citou.
Advogados
O advogado dos pescadores e ribeirinhos,
Valnei Cruz, disse que a luta para obter uma compensação justa dura mais de 10
anos e nesse período quase foi processado criminalmente pelas usinas, o que
acontece quando se atua com firmeza contra empreendimentos gigantes.
“Os danos causados pelas hidrelétricas são
vastos. As empresas não prestavam informações, mas nos registros do Ibama
encontramos uma informação, fomos ao cartório e vimos documentos. Falta acesso
a esses documentos, pois tudo é muito velado. As usinas contratam bancas de
advogados e a cada decisão de juiz é um recurso que vai para Brasília e volta
para Porto Velho”, contou.
O advogado Clodoaldo Rodrigues explicou a
necessidade de haver continuidade no processo iniciado com a audiência pública.
“A maioria das pessoas é analfabeta e não tem conhecimento das leis. Temos que
esclarecer de maneira mais simples. Temos pescadores de Nova Mamoré, sendo
assistidos pela ação. Chegaram a alegar plágio para desconstituir uma pessoa e
a ação dura cinco anos. Se formos atrás de um engenheiro de pesca para fazer um
laudo para nós, será difícil, porque quase todos foram contratados por eles”,
especificou.
Pescadores
A pescadora Telma Temes da Silva afirmou que
muitas pessoas dizem que a Santo Antônio Energia não tem culpa pela enchente de
2014, mas a realidade é outra. Ela mora no distrito de São Carlos há 34 anos, e
alegou que a usina é responsável pela enchente.
“Rios se ligaram uns aos outros e muitos
peixes morreram. Eu pagava R$ 40 reais de conta de energia e agora passou para
R$ 300,00. Eu era cadastrada no Programa Luz para Todos, mas a Energisa exigiu
um recadastramento. Precisei ir à Emater para poder me recadastrar, mas o
funcionário não estava. Só tivemos prejuízo com a hidrelétrica”, assegurou.
O pescador Everaldo Gonçalves, morador da
Vila do Teotônio, disse que a comunidade está cada dia mais isolada, sem linha
de ônibus. “A água está invadindo a cada dia e tudo está se perdendo. A fiscalização
chega lá e toca fogo nos nossos barracos. Não conseguimos pescar, para
trabalhar tenho uma despesa alta e muitas vezes o que conseguimos ganhar não é
suficiente para pagar a conta”, contou.
O ex-morador do bairro Triângulo, João Bosco
Ramos, afirmou que as hidrelétricas só trouxeram miséria, e agora o Ibama está
apreendendo equipamentos dos pescadores.
O pescador Sérgio de Souza Miranda, de 67
anos, disse que toda a vida viveu da pesca, mas agora dificilmente pegar mais
de dez quilos de peixe por dia, o que não é suficiente para comprar comida. “O
rio está desbarrancando tudo e dizem que é em nome da natureza. Nosso direito
está sendo negado”, acrescentou.
Oriosvaldo de Souza agora mora no conjunto
Orgulho do Madeira. Ele e a esposa são pescadores, mas precisaram se mudar
porque a água invadiu a residência. “Tive que me aposentar por problema de
coluna, pois não posso trabalhar em cima de pedras. Preciso saber quando
receberemos nossos direitos”, relatou.
Maria Geisa Magalhães Batista disse que
precisa de ajuda. Ela contou que não consegue mais trabalhar devido à situação
dos barrancos do rio Madeira e tem recebido cestas básicas para sobreviver. O
deputado Jair Montes disse que doará 20 cestas básicas para os pescadores que
mais precisam, para que eles tenham um Natal melhor.
Maria Eunice explicou que após a construção
das usinas houve muita morte de peixe. “Nem podíamos usar a água, porque estava
contaminada pelos peixes mortos. Hoje não há como sobreviver da pesca. Não
devemos nos calar, porque temos nossos direitos. Os representantes das usinas
dizem que isso é coisa que acontece, mas eu digo que nunca tinha acontecido
antes”, contou.
Arlindo Vieira Barbosa explicou que perdeu
tudo com a enchente de 2014, quando a água invadiu sua casa. “Perdi também um
sítio, onde hoje só tem mato, porque a terra não ficou boa depois que a água
baixou. Se temos algum direito, peço ao senhor deputado que ajude nossos
advogados”, pediu.
Raimunda Torres Gil afirmou que as usinas são
uma desgraça, porque acabaram com os rios. “Hoje a fiscalização apreende nosso
material de pesca e ameaçam nos bater. Se reclamamos, multam. Tentei pescar
para comer, mas mesmo assim me tomaram tudo. Eu disse que iria recorrer e me
avisaram que estão teriam que me levar presa”, relatou.
Raimundo do Carmo alegou que não é mais
possível trabalhar como pescador, porque está difícil pegar peixe.
Antonio Valdino contou que os pescadores
precisam da liberação dos valores devidos à categoria. Ele citou que criou os
filhos pescando, mas agora isso seria impossível. “Hoje o peixe é de má
qualidade e o preço é alto. Se temos direitos, precisam ser respeitados e
pagos. A Santo Antônio Energia não trouxe progresso para Rondônia. Pagamos a
energia mais cara do País”, especificou.
A moradora do Ramal Maravilha, Maria
Cristina, pediu a adoção de políticas públicas para defender os pescadores. Ela
explicou que na enchente de 2014 muitos perderam tudo, e ficou marcado o
descaso do poder público com o que aconteceu.
O pescador do bairro Triângulo, Ezequias
Gomes, disse que a categoria está apreensiva e a reivindicação é pelos direitos
que foram tomados com a construção das usinas. “Tiraram o direito que tínhamos,
de levar alimento para os nossos filhos. Estou com o nome sujo no governo por
exercer minha profissão. Eu não pesco onde estão as usinas. As usinas é que
foram feitas onde eu pescava”, citou.
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