Porto Velho (RO) domingo, 12 de maio de 2024
opsfasdfas
×
Gente de Opinião

Crônica

Quando o analfabeto era mestre da língua


Humberto Pinho da Silva - Gente de Opinião
Humberto Pinho da Silva

Nas férias – grandes, abalava no ronceiro comboio do Douro, para Trás – os – Montes, na companhia de meus pais. Aí, ouvia com espanto, expressões e linguarejar desconhecido e estranho, que jamais escutara na escola.

Meu pai achava graça a certos termos e apontava-os, religiosamente, num bloquinho verde, para não os esquecer. A gente da aldeia, agastada, ficava acobardada, e tentava exprimir-se à moda da cidade.

Mais tarde, já homem feito, ao ler os clássicos, topei as mesmíssimas palavras, em: Frei Luís de Sousa e Francisco Rodrigues Lobo.

Camilo – Mestre dos Mestres – enxameou os magníficos romances com termos usados pelo povo simples e analfabeto. Colhia-os, escutando o prosear de lavradores ou em seroadas à lareira, enriquecendo assim seus escritos.

Ouvi, com magoa, no Brasil, semicultos, que se gabavam de respeitados letrados, rirem-se de nordestinos que desceram à Pauliceia, por empregarem vocábulos a que chamavam, depreciativamente, de caipiradas. Rapidamente constatei, que se entroncavam em boa cepa da língua – Camões e Bernardim.

Em " Enfermaria do Idioma", João de Araújo Correia, aborda o tema, recordando que o letrado reconhece no analfabeto: " Preciosa mina de ensinamentos. Índole da língua, frases expressivas, imagens claras."

E Castilho, assevera, também, em: " O Presbitério da Montanha": "Troca-se mais português de lei, mais riqueza de vocabulário, fraseado e construção, numa seroada de inverno ou num palrar de sesta de segadores entre carvalheiras rústicas, ao estridor das cigarras amadas de Anacreonte, do que entre o ranger dos prelos e o resfolegar das balas, num ano inteiro da melhor tipografia de Lisboa."

E confirma Aquilino em: " Arcas Encouradas": " Fala-se ainda na Beira uma língua viva, buliçosa e branca como água que sai da rocha, que deve entroncar em Fernão Lopes, passando por cima de renascentistas, trabalhadores ao torno, e de toda a casta de literatos que se venderam à francesia. É cheia de expressões breves e diretas, admiráveis quanto a traduzir cor, estado de alma."

Não admira, portanto, que Antero de Figueiredo, escreva em: " Jornadas em Portugal" – " Com que gosto vou partir para aprender, ouvindo-a (a língua portuguesa,) arejada e leal, da boca livre do povo, onde espontaneamente, acodem termos incisivos e esbeltos modos de dizer."

Infelizmente, com a difusão da mass-media, os " doutores “ da província começaram a falar chique, à moda de Lisboa. Agora catedraticamente marchetam o palrar com vocábulos anglo-saxónicos, para passarem por eruditos e ilustres intelectuais; desprezando belas e castiças expressões, bebidas na infância, de mães e avós analfabetas, mas sábias.

Hoje, tudo e todos se igualam, infortunadamente, pela ralé: na forma como se exprimem, na educação, e conduta de vida.

Assim se perdem os bons costumes e a boa linguagem, assim como os valores que sempre enobreceram os nossos avós, e orgulhosamente nos diferenciavam dos demais povos.

Gente de OpiniãoDomingo, 12 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Você pensa ou pensa que pensa?

Você pensa ou pensa que pensa?

Durante longos anos ouvi diariamente: comentários e pareceres de amigos e conhecidos e, frequentemente escuto na cafetaria, onde todas as tardes tom

A janela da sorte

A janela da sorte

Das expressões nascidas no mundo da abstração, a janela da sorte é a que produz vistas invertidas em maior número, como se os humanos as observassem

As histórias que o padre conta

As histórias que o padre conta

“Até a metade vai parecer que irá dar errado, mas depois dá certo!” Assim que terminou de pronunciar essas palavras, Jonas Abib, o padre, contou mai

Os portugueses no Brasil

Os portugueses no Brasil

Minha tia-bisavó, Rosinha, fazia cem anos; seu filho convidou-me para participar na cerimónia religiosa e no copo-de-água.Fui. Tomei o "onibus”, qu

Gente de Opinião Domingo, 12 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)