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Crônica

A convivência acadêmica sem teto


A convivência acadêmica sem teto - Gente de Opinião

A partir da descoberta do fogo, os sapiens passaram a uma nova etapa da evolução: se reuniam ao redor de uma fogueira, conspirando pelo surgimento de novas comunidades, escolhendo lideranças, enfrentando as necessidades com mais capacidade. O homem aprendeu, então, que pensar em grupo rendia maiores dividendos. Daí surgiram as grandes fraternidades brancas do oriente, as sociedades civis, abertas e secretas, as seitas e religiões, as academias gregas, europeias etc., com influência marcante no poder. Um provérbio africano segredava aos ouvidos da humanidade: “Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá em grupo." Entretanto, seja qual fosse o motivo, as estranhices acompanhavam a vida de muita gente, e não é uma tarefa muito fácil abraçar a positividade, quando se sente um patinho feio, passando por adversidades. O nômade é o que vai mais rápido, ele não discute opções, nem parcerias, é um apaixonado pelo que vem depois.

Desde os primeiros aglomeramentos que existem os desgarrados, os estranhos, os que pensam mais, que produzem mais, os que fazem da excelência meio de vida e se destacam, nas artes e nas ciências, alimentando nos outros o pérfido sentimento da inveja, e com ela vem a discórdia. Por isso é difícil a pacificação grupal, em todas as áreas. As lideranças natas são difíceis e as improvisadas nem sempre agregam. Não é todo dia que aparece um Luther King, um Mandela, um Mahatma Gandhi, mas os Putin estão por todos os lados, germinam em todos os canteiros de ervas daninhas. E quando você se destaca no variado jardim cultural, as tesouras imbecilizadas cuidam de tentar aparar arestas criativas, como se não bastasse a violência da indiferença dos que pouco sabem, num país carente de leitores.

 

Os séculos 17, 18 e 19 foram pródigos no surgimento de sociedades, a maioria voltada para a pseudo fraternidade, a troca de experiências, o crescimento das artes, das ciências, da justiça, além da implementação de regras para uma boa convivência. Com o tempo, os homens descortinaram um comovente segredo: viver não é só durar! Durante a gestão do escritor Marcus Vinicius na presidência da ABL, era comum, nos discursos de posse de novos membros da Academia Brasileira Letras - ABL, a referência ao fato de que “agora, estavam condenados a conviver para o resto da vida”, o que implicava renúncia a personalismos, ao exercício de atitudes de arrogância ou prepotência, mas era agradável! Nada mais aliciante do que elogiar, honestamente, a produção artística do companheiro de academia. Ainda assim, por sermos humanos, regra geral, estamos sujeitos à convivência com atitudes separatistas egocêntricas, com invejosos, com extremismos políticos de direita ou de esquerda, com individualismos poéticos e artísticos doentios, que segregam mais do que agregam. Muitos desgarrados são melhores do que a turba e sabem disso e incomodam!!!

A História, mestra da vida, lembra, aos possíveis acadêmicos, que quantidade e qualidade não pertencem ao mesmo patamar cultural. Está acontecendo com as academias de letras o mesmo que aconteceu com as faculdades de direito: perderam o crédito, se desvalorizaram porque estão em toda parte, foram banalizadas! A cultura artística, literária ou científica, por ser um bem imaterial, singular, proveniente de muito estudo e dedicação, não é um artigo que se encontra em qualquer feira, em qualquer esquina ou em qualquer grupo. As artes, como um todo, e mesmo as ciências, são seletivas e exigentes, não seduzem os olhos ou a atenção de quaisquer consumidores. Em assim sendo, as agremiações foram obrigadas a trilharem novos rastros, voltados à convivência sadia, como recompensa pela unanimidade burra dos que só sabem dizer amém. As academias germinaram tanto, que a maioria perdeu a qualidade artístico/científica, resta-lhe o encontro com o outro, o convívio, mas isso depende de certas prerrogativas materiais, o Silogeu, o local da convergência, a sede, a fogueira, onde se cozinham as palavras, as ideias e a vontade de bater em políticos.

Descobriu-se então que a discussão sadia de temas que visavam a melhoria do convívio, o sorriso franco, o tapinha nas costas, o abraço, o jogo de xadrez, o gamão, as cartas, o vinho, o whisky, o café e o chá em grupo, eram os melhores remédios para uma vida mental sadia, feliz, alongando o tempo de prazer sobre a Terra. Dói muito a solidão de quem não quer ser solitário. A simples falta de uma sede, num universo de vários espaços públicos abandonados, interfere no exercício do prazer em grupo e na interação cultural com a sociedade.  O anti-humanista nega uma sede a uma academia. A falta do local de encontro encadeia o desencontro, municia a loucura singular e a consequente violência, o sorriso solitário dos psicopatas culturais. Eu vou matar a tua edeologia.

Quando fundamos a Academia Rondoniense de Letras – ARL, adubamos o terreno infértil das distâncias sociais, achando que cifras e letras poderiam florescer sob o mesmo manto da cultura. Estávamos imbuídos do propósito maior de que a academia se transformasse em uma confraria, onde sentimentos mesquinhos, como os da inveja, do preconceito, da vaidade, do exclusivismo, fossem vencidos pela irmandade, pelo perdão, pela convivência, pelo amor ao próximo, de tal forma que desaparecesse do interior de cada um dos membros, o sentimento de solidão. Ledo engano! Sem uma sede própria fica imensamente difícil a aproximação entre os participantes, assim como a elaboração de projetos conjuntos, para melhoria da educação e da cultura de nossa amada região. Academia de laços solidários é uma utopia necessária.

Ainda que não sejamos uma super academia, apraz-nos saber que temos componentes do mais alto nível, literatos minimalistas como Viriato Moura, poetas como Dimis da Costa Braga e Abel Sidney, repentistas do quilate de José Dettoni, cronistas como Antônio Serpa do Amaral, contistas como Delcio Pereira, contadores de causos como Walter Bariani,  historiadores e pesquisadores como Julio Olivar e Aleks Palitot, resenhistas políticos, como Robson Oliveira; enfim se tivéssemos uma sede própria eu seria uma espécie de “macaca de auditório” de todos os dias, na esperança de que pudesse inventar um jogo de trocar palavras, cambiar roteiros, ouvir e aprender e ampliar meus conhecimentos. Aí sim! teria esperança pela continuidade de um pouquinho mais de vida, com qualidade!!! E se me faltasse o diálogo do dia a dia, seria socorrido com as lições de artes plásticas de Maria Miranda e declamaria com ela os versos de Ferreira Goulart, a arte existe porque a vida não basta.

Nesses pouco mais de 8 anos de existência, a ARL, de certa forma, cumpriu com a missão primordial, atribuída a uma academia, vários livros foram publicados, conferências foram feitas, entrevistas foram dadas, mas, por não possuir uma sede própria, descuidou-se do lado social, da convivência sadia entre seus membros. A ARL hoje é um gesto de ousadia!

Ninguém nunca vai me convencer que um site, uma página no Facebook ou um grupo de WhatsApp funcionam como sede física de uma associação. É diferente! É como o livro lido na telinha do celular ou do notebook e o livro impresso, que é tocado, cheirado, beijado, molhado de emoção. Não é a mesma coisa. Houve uma época em que eu, quando gostava de um livro, dormia com ele, embaixo do travesseiro. A solidão é o desamparo da palavra que agrega. Um simples livro, um simples diálogo com um colega de letras, com um olhar comovente de um fá desconhecido, pode ser o complemento da busca, pelo sentido da vida, vá em frente, leia, escreva, procure na ficção a fuga da maldade ensaiada, dia a dia: eu vou dá um murro na cara desse segregador. Cumprimente você mesmo, no outro, espelhe-se no que vale a pena. Você vale a pena? Bem vindos à academia sem espelhos.

Mesmo sem teto, a ARL ainda seduz, no próximo mês empossaremos mais sete membros efetivos, gente do mais significativo quilate. Não me perguntem de onde vem esse brilho hipnótico, talvez, parte venha, por tabela, do glamour histórico da Academia Francesa ou da nobreza literária de alguns escritores da ABL. Fazer parte de uma academia de letras sempre foi o sonho juvenil de um bom leitor. O brilho talvez venha dos fios dourados do ridículo fardão dos acadêmicos: a indumentária estravagante em várias áreas da atividade cultural ainda seduz e destaca, não fosse assim e não existiria a toga dos diversos níveis de magistrados, o terno preto, o avental e a espada dos maçons, a batina e demais adereços de padres, bispos, cardeais e papas, enfim, a carruagem distingue, identifica, ainda que superficialmente, seus ocupantes. Contudo, a máscara também é um diferencial, encobre o crime, encoraja a alegria carnavalesca, afasta o vírus, duplica a personalidade. Na Academia sem teto, estamos todos mascarados, odiando uns aos outros, no silêncio dos espaços. Sejam bem vindos a academia sem espelhos narcisistas. A ABL roubou todos os parâmetros, aprisionou a lagoa onde seus membros encaram as próprias imagens. Os espelhos da ABL são como os de delegacias de filme americano: todos veem a ABL, mas a ABL não enxerga a ARL. Entrementes o desejo de se ver numa vitrine da pretensa elite cultural, mesmo que nesta vitrine tenha produtos chineses, atrai muita gente. E os que não conseguem aparecer nas vitrines da Rua Frederic Chopin, Jardim Europa, se contenta com as calçadas da 25 de Março. Assim é a vida! 

A ARL não possui fardão, mas se veste de sonho, todo dia. O brilho vem das estrelas, da vontade de um dia trilhar a imensa seara encantada das artes literárias. O dia mais feliz de minha foi quando uma adolescente me identificou, apontando o dedo para mim, você é escritor, eu lhe conheço, eu estava na palestra que você deu na Biblioteca Viveiro das Letras. Ufa! Enfim alguém me identificou. Melhor do que uma atendente de banco que ao ler num formulário de abertura de conta, no local destinado a profissão, o vocábulo “escritor”, veio me pedir explicações:  como assim, escritor, eu queria saber em qual profissão o senhor ganha um salário, escritor é hobby e não profissão. Por um instante fiquei órfão de palavras, elas me deixaram a ver navios, quando dei por mim, a atendente já tinha deletado o escritor e trocado por professor, justificando a retificação, com um largo e atraente sorriso. No dia seguinte, inconformado, foi minha vez de calar a bela jovem, dei-lhe um dos meus livros, autografado, Réu do Sexo, dizendo em breve discurso com a voz alta, que eu não havia mentido, eu era realmente um escritor e não fazia da profissão um hobby. Eu escrevia e escrevo por prazer, por gostar do convívio com as palavras em seus vários níveis. Ela ficou corada, envergonhada e foi se justificar com o gerente. No entanto, num país tão carente de leitores, eu sabia que ela estava com a razão, não se enche barriga com palavras, mas se enche um revólver, o cérebro, o desejo, o ódio, a inveja, um punho fechado. Com elas, se enche a ficção, a ciência e até mesmo o amor – bem aventurados os ricos de verbos, falas e discursos de quaisquer naturezas! 

Tomara que a nossa sede própria se materialize, para que o êxito, social e literário, acarinhe o convívio despretensioso, que dará coesão e irmandade a um grupo renovável de literatos, cientistas e artistas ad immortalitatem.  Sejam bem vindos ao mundo das palavras vazias, cheias e encantadas, tem para todos os gostos. Ou fujam, enquanto há tempo. Não fica bem tomar posse e nunca mais aparecer nas reuniões dos sem teto. Essa vai ser nossa 3ª festa de posse, na tentativa da estabilização de 40 membros efetivos. Um gaiato, que mal escreve o próprio nome, me segredou pelo zap, vocês deveriam apelidar a academia de vocês de AB - Academia da Busca, deixando o L, navegando na terra do nunca, Never, Never Land.  Quem sabe o Peter Pan ceda a Ilha da Caveira para ser a sede de vocês. Na linguagem do chefe de gabinete do prefeito, um bom start seria startar a ler os textos rondonienses, Never more!

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