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Artigo: Bordejo de Carnaval (I)


 

“ARREDA DA FRENTE”
UM BLOCO QUE NINGUÉM VIU - EM 1982

* Por: Altair Santos (Tatá)

Amigos! Antes mesmo que chegue 2009 e com ele se acenda as chamas de mais um vaporizante reinado de Momo, ou seja, o carnaval, vamos puxar um assunto. O fazemos como forma de anteceder o que será a nova seqüência de artigos que haveremos de produzir ao longo dos meses janeiro e fevereiro próximos, enfocando o carnaval e os acontecimentos no entorno deste. Lá no histórico Bairro do Triângulo, onde moramos por mais de vinte anos, o folião e músico (baterista) Silvério do Carmo, popularmente conhecido como “Chore”, hoje residindo em Goiânia com sua esposa, a Professora Elisa Corsino, resolveu na passagem do ano de 81 para 82 incentivar a criação de um bloco carnavalesco, confirmando a tendência natural do Bairro entrecortado pelos trilhos, como um celeiro de bambas do samba, do futebol e da boemia. Animado como ele só e empolgado com a idéia de um novo cordão, reuniu alguns amigos, discorreu sobre o tema e pronto! Estava criado o “Arreda da Frente”. Augustinha Nascimento (neguinha Augusta do Cavaco), o próprio Chore, Ampola (o batucada) aquele que operava a máquina de cinema do Cine Reskye, Silvestre Siqueira, o nego Silva (meio campista do Botofago local e bom pandeirista), Manoel Gomes (Manoel Badu – ex centro avante do Moto Clube), dentre outros, reuniam-se semanalmente às sextas e sábados, a partir do meio dia, num bar chamado Duas Vidas, para  ensaios quase intermináveis, sempre movidos à muita bebedeira,  enfurecendo esposas, namoradas e parte da vizinhança. O que antes era uma tímida idéia passou a ganhar corpo com a adesão de alguns moradores lá do Triângulo, muitos obviamente, mais interessados em tomar umas e outras do que brincar no bloco. Motivos, à parte, o Arreda da Frente estava ali vivo, alegre, irreverente e fazendo justo aquilo que se espera de uma formação, dessas, promover a diversão livre, leve solta. À medida que os dias avançavam, ganhava corpo a idéia do bloco vir a desfilar disputando tipo que num segundo grupo. Para tal, faltariam as condições mínimas como, fantasias dentre outros itens. Instrumentos haviam alguns, coisa de meia dúzia entre surdo de marcação, caixinha, tarol, reco-reco, agogô. Devidamente inscrito e com o compromisso de fazer bonito na avenida (na época a Rua Farqhuar) reuniram alguns representantes, dente eles esse amigo de vocês e, em comissão foram recebidos pelo então Secretário de Estado da Administração, Chiquilito Erse que, de pronto, fez a doação de 114 camisetas para o bloco se apresentar. O Arreda da Frente estava com tudo, houve emocionada comemoração, abraços, depoimentos, bebedeira e muita batucada, no salão do Bar Duas Vidas. Augusta do Cavaco, Silva e Chore, trataram de compor uma marchinha, os novos integrantes já diziam nascer ali, uma agremiação futuramente forte, campeã. O Triângulo do Manga Rosa, do Black, do Bloco do Periquito, apresentava para a cidade a sua mais nova pérola carnavalesca. Mais empolgação que isso só mesmo nos ensaios, para onde pessoas acorriam às centenas só pra ficar apreciando e acabavam se divertindo com alguns passistas pra lá de encachaçados. Na sexta-feira que antecedia o final de semana de desfiles o bloco fez o seu ensaio geral, afinal, ele se apresentaria concorrendo no domingo. A notícia do ensaio final ou “esquenta”, como muitos chamavam, correu os trilhos com rapidez e eficiência que só o carteiro Moraes, um a espécie de Feidípedes tupiniquim,  tinha, ao entregar telegramas e outras missivas ao povo do Bairro. Por volta do meio dia, os tambores ecoaram forte por sobre os dormentes da Madeira Mamoré. O Ensaio avançou pela noite, rompeu a madrugada até amanhecer o sábado. Como que guardasse energia em estoque, a coordenação propôs fazer uma volta histórica pelo Bairro no que, de imediato, fora aprovada pelos heróicos brincantes. E se foram – os até ali, indeléveis filhos da folia - a cantar, dançar e beber o dia todo, até o novo anoitecer lá pelo desvio (onde o trem fazia a curva), subindo e descendo o morro, ganhando a reta - pelos trilhos - rumo a Vila Candelária a ponto de alguns mais ousados desertarem do louco ensaio para se deliciarem nos braços de algumas atiradas bebinhas, nas frias e noturnas águas do igarapé bate-estacas. Outros, porém, começavam a dar visíveis sinais de cansaço, além de sofrerem com os efeitos da castigante embriaguez. O que se via naquela tarde/noite de sábado, parecia um cenário pós-guerra com os brincantes quase todos alcoolicamente avariados, jogados, se acabando em demoradas sessões de vômitos, diarréias, dores de cabeça e outras agonias, agarrados em socorro nas cercas e árvores do inquieto Triângulo. Mesmo assim, antes da debandada geral, veio o aviso: no dia seguinte, domingo, às 11 horas, todos na concentração. Local: o Bar Duas Vidas, é claro, de onde mais tarde, sairiam rumo ao apogeu, na passarela do samba. O domingo de carnaval amanhecera suspeito, nuvens fechadas anunciando chuva. Quando o relógio pontuou nas 11, os primeiros fieís e corajosos remanescentes do dia do estrago, estavam lá marcando presença com suas caras embrulhadas, alguns ainda completamente bêbados. Um panelão em cima da mesa de sinuca recebia os donativos de quem quisesse colaborar. Dentro se jogava vodka, martini, cortezano, vinho, cachaça de diferentes marcas e tudo que se relacionasse com o etílico. Coisa pra corajoso! Num canto umas minguadas costelas ripa eram sabrecadas em fogo lento. Pra ver se a coisa animava, os batuqueiros foram acionados, mas já não tinham a mesma pegada do dia anterior. Estavam mais pra quarta-feira de cinzas. Mas havia o compromisso e tinha que ser honrado. Para engrenar veio a voz do chefe. O Chore gritou: rapaziada, vamos botar lenha na máquina, ou seja: tomar uns goles e animar esse negócio que a hora tá chegando! Era o que faltava! Valeu o incentivo! O grito de guerra calou fundo, reacendeu a chama. Entre copos e talagadas da esquisita mistura alcoólica, retiradas do enorme panelão, a turma botou a coisa pra ferver e, o que se viu, foi outra sessão de bebericagem desenfreada. O bloco assinava ali, o que, mais tarde, seria o seu atestado de óbito. Enquanto se dirigia rumo ao local do desfile, o Arreda da Frente ia, aos poucos, de boteco em boteco, dose após dose, soltando lascas, quer dizer, perdendo brincantes vencidos, desistentes, chirrados. Às 17h30 minutos daquele domingo de Carnaval, com o que sobrara do seu efetivo humano, em forma de bagaceira, o Arreda da Frente estava postado na cabeceira da pista para iniciar o seu trôpego desfile. O locutor que fazia a transmissão para uma emissora de rádio local, não entendeu bem e, atônito, dizia ao microfone: Como que um bloco que estava inscrito com mais de cem brincantes, para disputar no segundo grupo, chegava ali com apenas 14 elementos. Destes somente 7 estavam com a camiseta. Os outros 7 batucavam desordenadamente um ritmo que era tudo, menos samba. Assim mesmo o bloco passou. Foi tão rápido o desfile que, os folibebuns (foliões bêbados) ao se darem conta, já haviam feito o percurso e estavam em frente ao Colégio Duque de Caxias. Não conformados queriam mais, queriam repetir o feito a todo o custo. Na marra, tentaram infringir as regras e fazer o trajeto em sentido contrário, pela contra mão, no que foram barrados pelos homens da lei, quase tendo que irem todos, parar na Central de Polícia por desmedida perturbação, insistência, chatice e muito bafo de cana. Na semana seguinte alguns comentários e muita gargalhada. O Arreda da Frente precocemente se foi. Fosse ele um barquinho de papel, haveríamos de dizer que naufragou num copo d´água. Mas era um bloco de carnaval. Foi encharcado de cachaça e, carnavalescamente, naufragou para sempre, sem um samba de despedida afinal, nem deu tempo!

(*) o autor é músico e Vice Presidente da Fundação Iaripuna.
[email protected]
 

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