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Dante Fonseca

Memórias de um médico veterinário


Memórias de um médico veterinário - Gente de Opinião

De vinte e cinco anos para esta parte, ou seja, desde que publiquei meu primeiro livro (História Regional, em coautoria com o professor Marco Antonio Domingues Teixeira, 1998), chamou-me a atenção certas frases como: fulano merece entrar para a História, o evento tal é histórico. Tais declarações fizeram-me refletir sobre a natureza da História e constatei que aqueles que a proferem são leigos no assunto (ou estudaram tão superficialmente essa difícil ciência que não puderam se aperceber de sua natureza). A causa para os primeiros e a consequência para os segundos é determinada por uma percepção vaga e intuitiva do que seja a História. Como todos os fenômenos passíveis da percepção humana, supomos que há uma história real, “as coisas tal como aconteceram”, e uma coisa concreta, “as coisas tal como as percebemos”, quando um e outro se aproximam temos a verdade, mesmo que em sua inevitável provisoriedade.

 O historiador profissional não declararia que tal evento ou pessoa deveria entrar para a História, porque sabe que ninguém “entra” para a História, apenas a fazemos e nela estamos inseridos, seja como sujeitos individuais, seja como sujeitos coletivos. É que o entrar para a História dá-nos a sensação de entrar para a imortalidade, para o clube privativo dos “grandes homens”, vã ilusão, produto da vaidade, esta sim imortal, apesar de humana. Quem é Nero, ou Napoleão? Um nome, um busto em mármore ou pintura, um conjunto de fatos. Parafraseando Vinicius de Morais: foi eterno enquanto durou, a imortalidade não ultrapassou sua duração física. São hoje pouco mais ou menos que um símbolo cujos feitos em vida, acreditamos, faz-nos compreender melhor a humanidade.

Compreender o passado porque ele é humano como nós, talvez seja essa a única coisa que a História pode nos fornecer. Se essa compreensão nos servirá para evitarmos problemas futuros, isso já é outra história. Ao boquiaberto leitor, pasmo pelo que leu até aqui, resta então concluir que a História não serve para nada? Ela não é a mestra da vida? Não disse isso, uma coisa é se a História pode servir de guia aos povos, outra coisa é se ela efetivamente serve a esse propósito na maioria dos casos. A conclusão é que devemos continuar a estudar a História, para fornecer a possibilidade de ser um guia para o futuro, embora limitado porque os eventos são únicos. Sem ela andaremos definitivamente às cegas.

Memórias de um médico veterinário - Gente de Opinião

Mas para que ela possa ser um guia é necessário que seja escrita. Afirmei ainda que todos os fatos são históricos, desde o banal fato de você acordar de manhã e fazer seu desjejum, quanto participar de qualquer movimento coletivo. Isso difere da questão que é: quais fatos serão registrados pela História? A princípio, como todos são históricos, qualquer um deles pode ser eleito. Um estudo sobre a culinária, por exemplo, buscará saber como era o café da manhã nessa ou naquela época. Enfim, a permissão para que os fatos entrem na História dependerá deles serem eleitos por quem escrever essa história. Dado o registro desses fatos outros historiadores (profissionais ou não) poderão utilizá-los, “eternizando-os”. Mas o historiador não é o juiz soberano que decidirá quais fatos entrarão para a história. De uma maneira geral fica como fato histórico o que a agenda de alguma sociedade em algum momento elege como importante.

 Bem, Belgrano José Cavalcanti Alves fez isso, elegeu sua vida pessoal e trajetória profissional como um fato histórico e publicou-a. Esse tipo de trabalho histórico é conhecido por memória, ou seja, publicou suas memórias. Mas como toda a memória, mesmo a dos indivíduos, não pode evitar o coletivo, a importância do registro dessa memória pessoal está no fato de que foi envolvida por  um momento importante para Rondônia. Não circunscreveu uma individualidade estrita, embora nela a encontremos, mas esteve envolvida em um conjunto de fatos coletivos daquele momento. É a percepção desses fatos que a memória pessoal do memorialista, permite-nos conhecer.

Creio que todos devessem fazer o mesmo, assim entrarão para a História. Tenham a certeza de que será impossível tomar como fatos históricos aqueles referentes exclusivamente a si próprios, falarão também e mais de suas épocas. Afinal, como declarou Aristóteles, o homem é um animal político, entendida essa última palavra como social. Suas forma, reflexões pessoais e gestos serão mais a expressão de uma construção coletiva, de uma época, do que produto único e singular de um indivíduo. Caso não tenhas o preparo profissional adequado não será o trabalho de um historiador, mas servirá igualmente aos historiadores e à História. Enfim, só se entra para a História quando se elege para o resgate, entre os infinitos “fatos” da humanidade, um conjunto de eventos que serão registrados. Nesse sentido, o conhecimento comum está certo, está na História o que está nos livros de História.

O livro “Memórias de um médico veterinário”, publicado em Recife, no ano de 2022 pela 19 Gráfica e Editora é um bom exemplo disso. Iniciando pela infância e adolescência o autor descreve o ambiente onde passou o período que é o mais importante de nossas vidas, cujas influências repercutirão em todo o nosso porvir. Mas é o capítulo sobre a vida adulta aquele que mais nos interessa como rondonienses. Inicia por suas primeiras experiências de trabalho, na Bahia e em Pernambuco, sua terra natal. Depois apresenta-nos a escolha definitiva, quando troca o curso de Ciências Exatas pelo curso de Ciências Biológicas na  UFRPE, onde vem a conhecer sua primeira esposa, Maria da Paz, também médica veterinária que militou no serviço público, na vigilância sanitária em Rondônia e aqui faleceu. Ainda no Nordeste, concluiu o curso de Veterinária.

Em 1986 estreia sua experiência amazônica quando parte para Manaus para iniciar o curso que o levaria ao posto de oficial veterinário do Exército Brasileiro, que concluiu em 1987. Naquele mesmo ano foi enviado para servir em Porto Velho. Ainda no serviço militar iniciou a colaborar com o Centro de Controle de Zoonoses do Município de Porto Velho. Atuou também na área de epidemiologia, educação, vigilância sanitária, meio ambiente e outras. Enfim, desenvolveu diversas atividades no setor público, ocupando cargo de chefia em sua área profissional e também no setor privado, como professor e comerciante de produtos para animais. Fez viagens de estudos, em Houston, no Texas, de 1990 e 1991. Também concluiu o mestrado em Biologia Experimental  no CEPEM entre 2004 e 2006. Outros fatos da vida política e social de Rondônia, vivenciados pelo autor, são relatados no livro.

Finalmente, já aposentado, retornou ao Recife em 2014. É então esse espaço de vinte e oito anos que viveu em Rondônia, momentos iniciais do novo estado, a nova estrela do azul da União, que Belgrano rememora em seu livro, a parte que é mais importante para nós, rondonienses. Para finalizar, os fatos que Belgrano selecionou foram resgatados para a História pela publicação dessa obra. Tornaram-se disponíveis à utilização de qualquer historiador. Ao nosso amigo Belgrano, que conhecemos juntamente com sua esposa nas lides profissionais de Porto Velho, damos nossos sinceros parabéns.

 

Porto Velho, 10/07/2023

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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