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Sérgio Ramos

REFORMA TRABALHISTA – ART. 8º – FONTES E INTERPRETAÇÃO ; TRIBUNAIS NÃO PODEM RESTRINGIR DIREITOS NEM CRIAR OBRIGAÇÕES


O artigo em comento determina as regras que autoridades judiciárias trabalhistas e administrativas devem seguir nos casos em que a legislação obreira se mostre insuficiente para resolver conflito nas relações de trabalho e emprego.

Isso ocorre porque há lacunas na legislação trabalhista, sendo omissa em vários aspectos o que obriga o intérprete (analista ou julgador etc.) a recorrer aos institutos da hermenêutica e da integração, para encontrar soluções.

Assim, o art. 8º pronuncia os remédios que podem ser aplicados para cada situação, tais como:  jurisprudência, analogia, equidade de princípios, usos e costumes, direito comparado, e direito comum. O direito comum, diga-se, compreende o Direito Civil e o Direito Comercial. (SAAD, 2014)

Além disso, o Judiciário restringia direitos ou criava obrigações por meio de edição de súmulas e orientações jurisprudenciais e ainda entrava no mérito no julgamento de convenções e acordos coletivo.

Isso mudou, como observar-se-á a seguir, gerando muitas polêmicas.

ARTIGO ORIGINAL

Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

ARTIGO REFORMADO

Art. 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

§ 1º – O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

§ 2º – Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

§ 3º – No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”

A Reforma manteve intacto o caput do art. 8º, e assim, manteve, na percepção de SILVA (2017), preservadas as “principais técnicas de interpretação e integração da legislação trabalhista, com destaque para a analogia”. Alertou para que “nunca é demais lembrar que a equidade – assim entendida a aplicação do valor do justo, ainda que momentaneamente afastada da rigidez da lei – encontra seu campo máximo no Direito do Trabalho e independe de autorização superveniente do Legislador”. O que é uma característica exclusiva do Direito do Trabalho, com fundamento no princípio do livre convencimento do juiz.

O parágrafo único foi convertido em § 1º, com a supressão da frase “naquilo que não for compatível com os princípios fundamentais deste”, e promoveu uma alteração significativa, uma vez que retira a barreira dos princípios do Direito do Trabalho, permitindo a invasão irrestrita do direito comum em sua própria sede.

SILVA (2017) entende de forma diferente. Para ele “a mudança é quase inócua, porque, de fato, não se pode partir para a aplicação subsidiária em substratos ou contextos diferentes daqueles que norteiam o Direito do Trabalho, ramo jurídico que lida com relações essencialmente assimétricas.”

Ora, está claro que o legislador determinou o ingresso do direito comum nas entranhas da legislação trabalhista, uma vez que retirou o obstáculo de incompatibilidade, ou seja, em tese, o direito comum tornou-se compatível com o Direito do Trabalho, sem restrição. Ou seja, a partir de agora, os mesmos são harmônicos e conciliáveis.

Resta saber se os julgadores entenderão se os princípios do Direito do Trabalho realmente são irrelevantes nos casos de uso subsidiário do direito comum para resolver conflitos nas relações de trabalho e emprego.

A polêmica está posta e é apenas a primeira.

Outras novidades não menos importantes ou até mais, no artigo em análise, foi a inclusão dos §§ 2ª e 3º.

O § 2º tem, em princípio, o objetivo impedir que Tribunal funcione como legislador, e prescreveu:

§ 2º – Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

De plano, LIMA (2017) assevera que “não há norma senão interpretada e não há interpretação sem criação”, e complementa: Não é essa regra […] que vai impedir a criatividade dos julgadores”. Acredita que “Poder judiciário é uma haste dos Três Poderes, que na verdade é o Uno […] e não mero servidor das outras partes (Executivo e Legislativo), e como tal tem o dever-poder de, na solução dos casos concretos, requerido pelos legitimados, colmatar as lacunas da lei”.

Ora, “criação ou colmatação” não significa necessariamente suprimir, restringir ou criar direitos. Se isso acontecia, e aconteceu (ver Súmulas 377, 437, do TST, por exemplo), apesar da restrição constitucional quando da definição das competências dos Poderes, não será mais possível. Não é função do Judiciário legislar.  Ponto. Ademais, o Judiciário não serve a outros Poderes, mais ao próprio povo, cuja leis é da sua competência através da representação Legislativa e Executiva.

LIMA (2017) argumenta na sua defesa a um Judiciário legislador que “os juízes e tribunais não editam leis, mas proclamam normas. Acontece que no Estado de Direito atual, pluralista e democrático, não se pode falar em lei, mas em sistema legal, do qual decorre o Direito do Estado de Direito”.

É uma visão um tanto ampla, mas que na verdade existem sim as leis, as quais compõem o sistema legal. E há evidência constitucional de que a prerrogativa de criar normas ou leis não é de juízes e de Tribunais, mas do Legislativo.

Ocorre que agora há nova realidade jurídica, pois o Legislador foi categórico em expressar que a restrição de direitos e criação de obrigações, não serão mais permitidas no âmbito do Judiciário.

Já SILVA (2018) observa que “apesar da agressividade da redação, o novo art. 8º não terá forças suficiente para nem inibir a produção de súmulas e orientações jurisprudenciais, nem para arrefecer as ações anulatórias de cláusulas de norma coletiva”.

Isso é fato. No entanto, a edição de entendimentos do TST convertidos em súmulas e orientações jurisprudenciais continuarão a ser produzidas, porém, desde que se limite a interpretar leis, isto é, sem restringir direitos ou criar obrigações sem previsão legal.

SILVA (2017), constata que “na maioria das vezes, há espanto quando uma súmula é editada em tornos de largos vazios legislativos, forçando o tribunal trabalhista a fazer uma construção jurídica para tentar equacionar uma realidade cotidiana desprovida de regulamentação à vista”.

Também é um fato. Por outro lado, também é fato que o Poder Legislativo é quem tem a prerrogativa constitucional para legislar, e não o Judiciário, cuja prerrogativa é interpretar e aplicar a lei. Ademais, também há lacunas deixadas pelo Judiciário no julgamento dos processos, principalmente no que se refere a morosidade (nesse caso a sua lentidão poderia ser comparada a do Legislativo). No entanto, nenhum outro Poder poderá preencher tal lacuna, participando dos julgamentos para que haja celeridade. Não há permissão constitucional para mutirões interpoderes. Afinal, há o princípio constitucional que proíbe a interferência de um Poder em outro. É isso que garante segurança jurídica.

Nesse sentido, A Constituição Federal em seu Art. 5º, II, prevê que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, quem é o Poder competente para criar, restringir ou extinguir direitos é o Legislativo.

Está claro que as obrigações as quais as pessoas dever cumprir tem de estar prevista em lei, e essas não são elaboras fora do Poder Legislativo.

E por que isso? Segundo MELEK (2017), “porque a lei é fruto de discussões na Câmara Federal, no Senado Federal e depois ainda passa pelo crivo da Presidência da República. Ali estão representantes democraticamente eleitos, e que mesmo assim devem seguir rigoroso procedimento legislativo”. O Legislativo materializa o Poder do Povo previsto na Carta Maior, em forma de leis.

Uma das características do Direito é a sua previsibilidade. De modo que se um cidadão requer um direito previsto em lei junto ao Judiciário, este não poderá restringi-lo ou criar obrigação diversa. Ou está instalada a segurança jurídica, que nada mais é do que encontrar solução adversa do preceito legal.

AGUIAR; COSTA (2012), já alertava para esse fenômeno: “as novas súmulas criam obrigações até então inimagináveis, quebrando a previsibilidade e estabilidade dos contratos”.

GRILLO (2017) traz à baila uma preocupação do ex Ministro do STF Eros Grau: “O Judiciário não está autorizado a dar interpretação diversa do texto normativo”.

O certo que é a Reforma Trabalhista está longe de ser unanimidade, principalmente no Judiciário, como revela PORTINARI (2017): “Cada cabeça, uma sentença. Um juiz aplica a reforma trabalhista em todos os casos, outro, só nos processos iniciados depois de ela entrar em vigor. Há quem aplique em partes e quem diga que toda a nova lei é inconstitucional. Para se precaver, os advogados de São Paulo atualizam, via WhatsApp, uma lista com o nome de cada juiz e como foram suas decisões desde que a nova lei entrou em vigor, em 11 de novembro”.  Heterodoxo.

É preocupante. O Judiciário é o Poder moderador. Essa moderação se faz pela certeza da aplicação da lei, sem surpresas. Caso contrário, instalar-se-á o caos jurídico.

O § 3º traz também novidades, como já dito, e merece repetição;

§ 3º – No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”

O §3º determina que, no julgamento sobre validade de convenção ou acordo coletivo do trabalho, a Justiça do Trabalho se limite a analisar os elementos essenciais de validade do negócio jurídico, conforme o art. 104, CC, segundo o qual, “a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou defesa em lei”.

LIMA (2017) assevera que “em Direito, tudo é interconexão”. Logo a aplicação do art. 104 implica dialogar com os arts. 138 e 184, os quais tratam dos vícios de consentimento e das nulidades dos atos jurídicos.

Assim, entende que “a Reforma despreza os elementos essenciais do contrato como a condição, o termo e o encargo’.

Na verdade o que o Legislador pretendeu com a adição do § 3º foi assegurar a intervenção mínima do Estado nos acordo e convenções coletivas, na forma da verificação da legalidade do ato entre empresa e sindicatos, sem tecer juízo de valor sobre o mérito.

Enfim, há muito o que ser discutido também nessa seara.

Em resumo, o artigo em análise abriu as portas do Direito do Trabalho para o justiça comum, ampliando as possibilidades subsidiárias, proibiu o Judiciário de restringir Direitos e criar obrigações e ainda que o mesmo Poder se restrinja a julgar acordos e convenções coletivas atentando-se apenas à forma legal, evitando qualquer juízo de valor quanto ao mérito.

Como se observou, o NOVO art. 8º nasceu fadado à polêmica. Somente o tempo dirá como o Judiciário se comportará diante desse preceito Legislativo. Para que fortaleça a segurança jurídica é legal cumpri a Constituição: cada Poder com as suas atribuições. Nesse sentido, como já exaustivamente demonstrado, as do Judiciário é aplicar a lei, sem surpresas. Como diz uma certa música: cada um no seu quadrado. As chances de dar certo são imensas.  A ver.

BIBLIOGRAFIA

LIMA, Francisco Meton Marques de – Reforma trabalhista : entenda ponto por ponto / Francisco Meton Marques de Lima, Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima. – São Paulo : LTr, 2017.

SILVA, Homero Batista Mateus da – Comentários à reforma trabalhista / Homero Batista Mateus da Silva. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2017.

MELEK, Marlos Agusto – Trabalhista! O Que mudou? Reforma Trabalhista 2017 / Marlos Augusto Melek. – Curitiba, Estudo Imediato, 2017.

SAAD, Eduardo Gabriel – Consolidação das Leis do Trabalho: comentada / Eduardo Gabriel Saad. – 47. Ed. Atual., ver. e ampl. Por José Eduardo Duarte Saad, Ana Maria Castello Branco. – São Paulo : LTr, 2014.

AGUIAR; COSTA, Antonio Carlos; Carlos Eduardo Dantas – As novas súmulas do TST e a insegurança jurídica – Antonio Carlos Aguiar e Carlos Eduardo Dantas Costa – http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI165825,71043-As+novas+sumulas+do+TST+e+a+inseguranca+juridica – acessado em 10/12/2017, às 12h40min.

Grillo, Brenno  –  Judiciário trocou lei por ponderação de princípios, dizem Eros Grau e advogados – Brenno Grillo – https://www.conjur.com.br/2017-dez-09/judiciario-trocou-lei-ponderacao-principios-eros-grau? – acessado em 10/12/2017, às 12h52min.

PORTINARI, Natália – Advogados mapeiam decisões de juízes após reforma trabalhista – Natália Portinari – https://www.bemparana.com.br/noticia/542026/advogados-mapeiam-decisoes-de-juizes-apos-reforma-trabalhista –  acessado em 10/12/2017, às 13h.

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