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Gente de Opinião

Samuel Saraiva

Adamar de Paiva Sales - Um Legado de Amor e Fé


 
 
Adamar de Paiva Sales - Um Legado de Amor e Fé - Gente de Opinião
 
1933 - 2012
 
 
Adentrava-se o mês do Natal naquele início de inverno amazônico chuvoso, no Lago do Salé, Território de Juriti, Comarca de Óbidos, no Estado do Pará. O relógio marcava 21 horas do dia 4 de dezembro de 1933 quando se ouviram os primeiros sons de um bebê que despertava para a vida naquela humilde casinha de taipa, situada em Curralinho, para alegria de seus pais, Antônio Sales de Farias e a jovem Tertuliana Paiva de Farias. Eles a batizaram com o nome de Adamar. Graciosa, dócil e sorridente, logo cativou o coração dos avós paternos, Antônio Ferreira de Farias e Francisca de Paula Sales, sem poupar da mesma alegria os avós maternos, José Alípio de Paiva e Maria Antônia da Conceição Paiva.
Adamar de Paiva Sales - Um Legado de Amor e Fé - Gente de Opinião
Adamar aos 19 Anos

Naquele momento mágico abençoado, o "relógio de areia", chamado de ampulheta (invenção atribuída a um monge de Chartres, de nome Luitprand, que viveu no século VIII), dava início à contagem retroativa do tempo para Adamar rumo ao plano celestial. Seu tempo expirou-se exatamente às19h50min do dia 16 de novembro de 2012, 78 anos depois, em virtude de choque hipovolêmico e hemorragia interna decorrentes de trauma tóraco-abdominal causado por acidente de trânsito em Porto Velho, Estado de Rondônia. Nessa capital, Adamar descansa em paz no histórico Cemitério Santo Antônio, junto aos saudosos irmãos Francisco e Marta dos Santos e centenas de pioneiros nordestinos, jamaicanos, americanos e ingleses que heroicamente dedicaram a vida à construção da célebre Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), a qual viria a aproximar fisicamente o Brasil à Bolívia.
 
O INICIO
 
Aos seis anos de idade, Adamar perdeu Tertuliana, a zelosa mãe que soube plantar as sementes dos bons costumes, da moral e da dignidade como alicerces que acompanharam a filha até  o fim de sua jornada. A incalculável perda para o coração daquela menininha foi preenchido, em parte, pelo imenso carinho e cuidados de seu pai Sales, até o momento em que ela foi morar com um tio, depois com a prima Otacília, para, em seguida, estudar como interna em um colégio católico.
Portava-se com nobre postura e vestia-se de maneira sóbria e discreta, sem ocultar elegância. Acreditava que uma mulher devia se fazer visível por seu intelecto e valores morais, jamais pela maquiagem ou indumentária apelativa.
 
Aos 22 anos, a jovem comerciária e estudante de próteses odontológicas conheceu o enfermeiro militar e ex-combatente brasileiro da 2ª Guerra Mundial Jairo de Freitas Saraiva, filho de Luiz Rufino Saraiva e Maria de Freitas Saraiva, com quem se casou em 7 de janeiro de 1955. A celebração ocorreu no Município de Parangaba, Comarca de Fortaleza, no Estado do Ceará. 
 
A INSPIRAÇÃO MATERNAL
 
Era junho de 1952. No desabrochar de seus 19 anos, desprezando o culto ao fútil e à sedução, Adamar exteriorizava na luz de sua alma bondosa a dignidade de caráter, inspirada no respeito e no amor à vida. Seus nobres valores e sentimentos ficaram registrados nas letras de seu álbum de recordações, que guardou como um tesouro ao longo de toda a jornada. Ao comover-se com dois quadros que apreciou, descreveu-os assim: 
 
Adamar de Paiva Sales - Um Legado de Amor e Fé - Gente de Opinião
Adamar aos 25 anos
Primeiro o da mãe que chorava amargamente, embalando com o calor de sua ternura o filho moribundo; estava fragilizada, porém não se afastava noite e dia da cabeceira daquele que estava prestes a morrer, e que agora já partira para o além.
 
O segundo, o da mãe ditosa que, depois de cinco tentativas infrutíferas e com o perigo da própria vida, tinha agora ao colo a filhinha recém-nascida, cor-de-rosa e perfeita, sorrindo dentro de seu berço, e a aconchegava ao peito, mostrava-lhe as visitas, orgulhosa como se tivesse ganho de repente o presente maior do céu.
 
(…) Todas as mães são como a lenda que a tradição consagrou que os anos não conseguem apagar. Desde que concebem, transformam o filho no maior e mais sublime objetivo da vida. Já não querem mais nada, só pensam na finalidade daquela criança que somente advinham através do pensamento e da imaginação. E quando sofrem para o filho nascer, mal escutam seu primeiro choro, já desejam vê-lo ao pé de si; já querem saber se é perfeitinho, se é belo ou parecido com o pai. Como é bonito! Todavia, é bem custosa a missão de mãe. Esgotante e penosa como as que mais o forem. Primeiro são os mil e um  trabalhos, as noites de insônia, a canseira; mas quando dela exige a criança, tudo lhe é fácil. É como se tivesse dentro de si mesma uma fonte inesgotável de energias.
 
Quando adormecem... Ah, como se matam as mães! E tudo isso sem o menor interesse pelas coisas; o pensamento fito na missão única que lhes compete. E depois, quando o filho melhora e o sorriso volta ao rostinho abatido, é como se ela tirasse um peso de cima dos ombros, é como se estivesse começando de novo a viver, na vida que novamente despontava aos seus olhos.
 
Quando diminuem os trabalhos, aumentam as preocupações. É a educação, a personalidade, os bons exemplos, os conselhos a fim de evitar os vícios. Há sempre dentro de cada mãe uma fonte inesgotável de solicitude. E mesmo depois, muito mais tarde, quando os filhos partem para a grande aventura da vida, ela os tem sempre presente na memória; e se algum dia algum deles – tal o filho pródigo – volta a casa em busca de aconchego moral e de um pouco de conforto, de novo se abre uma corrente de ternura e de amor, assim como quando ele era pequenino e ela própria era moça e tinha beleza, forças e esperanças, e tudo estava ainda por fazer.
 
Deu à luz a seis filhos: Feb, Jaimar, Davi, Saray, Jair e Samuel, e com as asas imensas de seu amor maternal cobriu alguns outros que tomou para si como próprios, compartindo amor, proteção, apoio e norteamento com seus sábios conselhos. Sempre dispunha de um "troquinho" para aliviar alguma necessidade deles e de quem necessitasse; oferecia-lhes sem que precisassem pedir, ensinando, sobretudo, a grandeza da generosidade e do desprendimento
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Adamar e Jairo - 1960
 
A SAGA EM RIOS DA AMAZONIA
 
Adamar formou-se em Odontologia ainda bem jovem, em Belém do Pará, em uma turma composta de poucas mulheres. Logo após o casamento,  ela e o marido decidiram regressar a Manaus, cidade onde haviam se conhecido por desígnios celestiais. Decidiram, então, comprar um pequeno barco movido a diesel, que batizaram de "Jaimar", numa formação do nome de ambos (Jairo e Adamar). Nele, montaram um consultório móvel odontológico ambulatorial com o objetivo de prestar assistência às populações ribeirinhas às margens dos Rios Negro, Solimões e Madeira. 
 
Destemida, logo aprendeu os segredos da atividade na pequena embarcação que ela mesma capitaneava. Naquela época, os protéticos atuavam em todas as áreas da Odontologia, desde o tratamento de fístulas dentárias, extrações de dentes, obturações, curativos e confecção de próteses dentárias até o preenchimento de cáries com chumbo e a aplicação de pivôs. A profissão encontrava-se fortemente ligada à história brasileira graças ao alferes inconfidentes Joaquim José da Silva Xavier, o "Tiradentes".  Nunca deixou de atender a ninguém por falta de condições financeiras e, para não constranger pacientes humildes, muitas vezes aceitou açaí, cupuaçu, mandioca, peixe e animais de estimação como permuta pelos serviços prestados, compartindo assim sua fé no chamado evangelismo comunitário.
 
PARTICIPAÇÃO ATIVA NO MOVIMENTO ADVENTISTA
 
Convertida à Igreja Adventista do Sétimo Dia por influencia de seu esposo, Jairo, Adamar foi uma evangelizadora nata. Quando tentada pelo prepotente desejo impositivo do "Eu", abdicava de qualquer impulso olhando para dentro e fora de si mesma como forma de recordar sua estatura humana. Em seguida, agradecia a Deus por simplesmente existir no incomensurável Universo carregando um coração capaz de irradiar genuino amor, fundamento divino que deveria sempre nortear as relações humanas.
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Adamar na atividade missionaria

 
Nos idos dos anos 60 foi pioneira do adventismo no Território Federal de Rondônia, situado no ocidente da Amazônia brasileira, durante o apostolado de Itamar Sabino Paiva, abnegado pastor da Associação Amazônica. Por várias vezes hospedou o ilustre visitante teólogo e piloto norte-americano, Leo Ranzolin, que décadas mais tarde presidiu a Conferência Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Washington, D.C., nos Estados Unidos da América (EUA).
 
Entre as inúmeras ações nessa instituição, organizou grupos que mais tarde deram origem a novas igrejas; liderou por anos a sociedade de Dorcas, ministrando cursos de culinária vegetariana para promover um estilo de vida saudável. Foi também diaconisa, tesoureira, secretária, conselheira dos desbravadores e membro da Comissão das Igrejas adventistas onde congregou – Porto Velho (RO), João Pessoa (PB), Ponta Grossa (PR), Goiânia (GO) e Humaitá (AM).
 
Inspirou-se na convicção propalada pela ideóloga adventista Ellen White fundamentada no que acreditou ser a Palavra de Deus: “Dizei firmemente: não passarei preciosos momentos na leitura daquilo que de nenhum proveito me será e tão somente me incapacitará para ser prestativo aos outros. Dedicarei meu tempo e pensamentos buscando habilitar-me para o serviço de Deus. Fecharei os olhos para as coisas frívolas e pecaminosas. Meus ouvidos pertencem ao Senhor, e não escutarei o sutil arrazoamento do inimigo. De maneira nenhuma minha voz se sujeitará a uma vontade que não esteja sob a influência do Espírito de Deus. Meu corpo é o templo do Espírito Santo, e cada faculdade de meu ser será consagrada para atividades dignas.” (“Mensagens aos Jovens”, p. 270).
 
No exercício de sua honrosa profissão, seria bem difícil enumerar seus feitos de humanidade e desprendimento, já que foi extremamente sensível às necessidades alheias e esteve sempre disposta a ajudar o próximo. Desvelada protetora, jamais deixou de atender a alguém que estivesse sofrendo com dor. Nunca se importou com horários, classe social ou cor da pele – atendia a todos com dedicação, fosse rico ou pobre, ribeirinhos, negros, caboclos ou índios. Cada um levava consigo a eterna gratidão a Adamar. Viam nela, por suas ações, um anjo de bondade que derramava bálsamo de consolação sobre os necessitados. Adamar desenvolveu o talento musical, tocando acordeom e piano com graça e leveza Ícone de simplicidade, voluntarismo e generosidade, aos 78 anos Drª Adamar tinha vigor para percorrer grandes distâncias apenas para atender a um pedido de auxilio, como sucedeu na última ação de sua vida, na fatídica tarde em que Deus a chamou a seu Reino. Naquele momento, levava o casal de irmãos adventistas Edvam e Andrea, juntamente com seus filhos, a um acampamento religioso. Gratos, eles a confortaram até o ultimo suspiro. 
 
Adamar de Paiva Sales - Um Legado de Amor e Fé - Gente de Opinião
Adamar e o pioneiroFrancisco Santos contemplando o Rio Guaporé -  Hotel Pakaas em - 2011
Além de uns poucos pertences de uso pessoal e os instrumentos odontológicos com os quais exerceu a profissão como sacerdócio, Adamar deixou um legado estelar de bondade, desprendimento e solidariedade às vidas que cruzaram seu caminho.  
 
Há fatos inesquecíveis na vida humana que deixam no coração daqueles que os presenciam traços verdadeiramente indeléveis. A bondosa dentista costumava relatar com prazer as muitas experiências com Deus que revelavam a sua fé inabalável. Contava que, certa vez, em um lugar remoto da selva amazônica, após o barco ter perdido a hélice, os alimentos acabaram. Todos os que ali estavam começaram a passar muita fome. Confiante na providência divina, Drª Adamar não se rendeu: colocou os joelhos em terra e clamou ao Senhor por um milagre. Após a oração, pediu que o maquinista fosse até o barranco, pois lá estaria o alimento suplicado a Deus. Ao retornar, tinha consigo uns dez quilos de macaxeira nativa encontrada naquele lugar, onde não havia habitantes e, muito menos, plantação feita por mãos humanas. Essa era uma das muitas experiências que lhe traziam alegria compartir. Adamar tinha o costume de exaltar o Criador com seu louvor permanente e profundo agradecimento pela vida. Admiradora contumaz da natureza, ao apreciá-la de uma cabana do Hotel Pakaas, sob a hospitalidade da família Saldanha, ela exclamou: "Deus é maravilhoso em nos permitir observar a grandeza de sua criação na confluência desses dois rios de águas que não me misturam e esse pôr do sol extraordinário!”. Reportava-se ao encontro das águas dos Rios Mamoré e Pacaás Novos.
 
EXEMPLO DE CIDADANIA
 
Expressando lamento e tristeza por seu falecimento, assim referiu-se a então Senadora da República Fátima Cleide (presidente da Comissão de Educação do Senado Federal brasileiro) à trágica passagem da doutora que por anos atendeu a sua família: "Dona Adamar foi mais do que nossa dentista e eleitora fiel. Foi um exemplo. Eu a admirava pela sua integridade moral, por ser uma mulher dinâmica em tempos em que à mulher era reservado o espaço estritamente doméstico. Ela foi a primeira mulher a obter a carteira profissional de motorista em Porto Velho. Lamentável mesmo.”. Para o professor e mestre José Nilton de Lima, da Universidade Adventista de São Paulo, "Essa grande mulher deixou um admirável legado e um indiscutível exemplo a ser imitado. Não tenho dúvidas de que quem for para o Céu terá a alegria de reencontrar essa batalhadora senhora, de alma grandiosa e espírito missionário. Invejo-a com admiração. Na vida e na morte.”.
Adamar de Paiva Sales - Um Legado de Amor e Fé - Gente de Opinião
Adamar e a Bíblia que a acompanhou  até o ultimo momento de vida
 
O LEGADO
 
Adamar foi uma mulher singela e mãe exemplar, cujo amor, desprendimento e compreensão refletiam a bondade de Deus. Pautava suas ações pela constância, dedicação e perseverança, norteada pela mansidão assemelhada à dos anjos. 
 
Ainda jovem, transmitia a maturidade revestida pelo manto da dignidade, da lealdade, do pudor em sua essência, o mesmo que realimentava sua autoestima a cada dia ante o mundo que a rodeava. Sempre respondia com a sabedoria dos que desvendam os mistérios da vida e com a mesma simplicidade que a acompanhou desde a infância, contentando-se em amar de verdade até mesmo aqueles que em alguns momentos, ofuscados pela ingratidão, fizeram seu coração sangrar de tristeza por meio do mais eloquente silêncio. 
 
Foi forte como uma rocha em sua fé inabalável em Deus, mas sensível ao choro e ao sofrimento dos desfavorecidos, dos quais alguns o destino apenas permitiu que dela recebessem um abraço, que eternizaram com respeito e marco de infinito amor. 
 
Em retribuição ao que projetava, recebeu o amor e a atenção daqueles que ajudou, amenizando dores e dificuldades. Foi a fiel conselheira de todos, e em todos os momentos instrumento do Pai Celestial. De seus lábios brotavam alento e a sabedoria que provém apenas dos corações humildes e iluminados.
 
A autoridade que transmitia advinha da mansidão e sabedoria que pautava a forma simples e descontraída com que ensinava a todos. Alertava que a detecção dos problemas facilitava o encontro de soluções, e buscava sempre promover a conciliação, tratando de dissipar o ódio, o rancor e o nocivo sentimento de vingança. Antes de tudo, repetia o versículo bíblico registrado em Provérbios 15:1: "A resposta branda desvia o furor". E assim exortava aqueles a quem aconselhava.
 
Ao revermos seus escritos, a emoção invade-nos a alma com doces lembranças que testemunham o sentimento de uma alma nobre que deu sentido especial e inigualável aos que tiveram o privilégio de passar por seu caminho, como pais, marido, filhos, irmãos, netos, amigos, colegas e companheiros. 
 
Turista celestial na Terra, Adamar retornou ao Reino de Deus após ofertar precioso e exemplar legado de caridade, amor e vida em forma de um sorriso de paz, o mesmo que marcou sua última expressão, como um delicado e saudoso “até breve”. Para ela, o sentido de tempo cronológico, que pode ser medido, já deixou de existir ante a eternidade dos que estarão, num abrir e fechar de olhos, frente a frente com o Criador, no dia do Juízo Final.
 
Washington, D.C., 28/11/2013.
 
Samuel Saraiva
Ex membro da National Association of Hispanic Journalist e do National Press Club de Washington DC. - EUA
 

 
 
M A N I F E S T A Ç Õ E S:
 
FEB STABENOW
Minha mãe e eu... uma história de amor sem fim!
Falar sobre a minha mãe é fácil. É fácil falar de alguém que apresenta tantas virtudes... amor, honestidade, coragem, mansidão, otimismo, liderança, sabedoria, diligência, perseverança, entusiasmo, humildade, eloqüência...  são tantas, que mal posso enumerá-las. Mas, ao mesmo tempo é complexo, pois as palavras sempre ficam aquém do meu desejo para expressar o que verdadeiramente penso e sinto a seu respeito. Sinto-me impotente.
 
Sempre fui muito ligada a minha mãe, e sempre tivemos um forte vínculo e cumplicidade no nosso relacionamento, que sempre foi de amor e de respeito. Nunca ousei levantar a minha voz a minha mãe. Para mim ela era sagrada – um celular só para ela num dos bolsos do meu jaleco de trabalho, com a promessa de: “Mãe, pode ligar a qualquer hora. A senhora para mim é prioridade!”, retrata um pouco da nossa relação. Ela sempre correspondeu a esse amor, com amor. Minha mãe me chamava de “meu diamante” e talvez, para não me envaidecer, nunca me explicou o porquê – e eu perguntei. Diante da grandeza da minha mãe, fui uma filha que tentava adivinhar os seus mais secretos desejos a fim de realizá-los. A ausência física dela me dói, mas a presença do seu espírito vive em mim, e a esperança de revê-la um dia, me sustenta, me conforta. Sua presença é constante na minha vida! Sou grata a Deus pela minha Mãe!
 
Em vida, pedi a ela que me abençoasse. Eu queria uma benção especial e ela assim o fez, personalizando, pouco tempo antes de adormecer, o Salmo 23 para mim: “O Senhor é o teu Pastor e nada te faltará [...] ainda que você passe pelo vale da sombra da morte, nada deve temer...”. Recebi essa benção escrita com letras douradas (desejo dela para esse registro), duas vezes: em vida, enviada para mim, e logo após sua morte, carta encontrada dentro de uma das suas Bíblias. Por algum motivo, ela escreveu duas cartas com as mesmas bênçãos para mim. Por quê?
 
Particularmente, minha mãe me deixou um legado. Um legado de vida... vida eterna!  Afinal, seu olhar sempre esteve além desse mundo mau e passageiro. Que Mulher sábia! Suas cartas de amor, endereçadas a mim, que eu claramente dizia que amava recebê-las, chegavam sempre acompanhadas de bombons de castanhas ou cupuaçu, panos de prato com bordas de crochê feitas por ela, ou algo que ela sabia que eu iria amar. Vinha sempre uma linda mensagem com recortes de artigos que falavam o que eu precisava ouvir, do amor de Deus por nós e seu plano de Redenção – um verdadeiro bálsamo para uma alma cansada e ferida! Eu costumava dizer a ela que quando eu recebia suas cartas, não abria rapidamente; procurava uma hora e um local tranqüilo só para ler o que ela me escrevia – eu não queria perder nada, pois sabia que era especial. Penso que ela gostava quando eu falava do meu amor por ela... Algumas vezes, ela se emocionava e chorava.
 
Mamãe é um exemplo de Mulher, de mãe, de esposa, de amiga, de sogra! Jamais conheci alguém com tanta diplomacia e tato para lidar com as pessoas e as coisas (tudo dela durava muito e parecia que ela sempre tinha tudo o que precisávamos). Era doce e amorosa, sem igual. Era capaz de sublimar a própria dor, para não machucar o outro, mesmo que o outro, aos olhos de todos, não merecesse – uma Mulher sábia e temente a Deus que o mundo não mereceu. Ela sofreu muito. Quando criança, ao vê-la chorar, mesmo sem saber o motivo, eu chorava junto. E ao, crescer, não mudei.
Os obstáculos diante da minha mãe, eu sabia, seriam todos dissipados. Lembro que quando criança (ela falava muito isso), na minha pureza e ingenuidade, eu costumava dizer a ela: “Mãe, a senhora parece Deus! Resolve tudo”. Mamãe sempre sorria, ao lembrar-se das minhas palavras. Confesso que a minha adultez não me tirou essa percepção. Ela vencia tudo. Era doce e amorosa, mas também uma guerreira vitoriosa, porque tinha poder! O poder que vinha de Deus, nosso Criador, nosso Salvador, que tudo pode. Essa era a fé da minha mãe, e em seu último email para mim, em resposta ao meu email, um dia antes do trágico acidente que nos separou fisicamente, dentre outras informações ela escreveu: “[...] filha, nEle você pode confiar. Eu confio!”. Sim, mãe, a senhora me ensinou a confiar em Deus e eu confio! Obrigada pelo seu amor por mim!
 
Minha amada mãe se despediu de mim, cerca de uma hora antes do acidente. Ela ligou para mim. Retornei segundos depois à sua chamada perguntando-lhe se estava tudo bem. Ela disse que sim. Disse que havia ligado para mim porque tinha uma chamada no seu celular e ela pensava que era chamada minha. Não era. Nesse momento, eu já estava dirigindo e, minha zelosa e amorosa mãe ao perceber, pediu que eu desligasse o celular, que era perigoso e que falaríamos depois. Tentei convencer minha mãe do contrário, mas não deu certo. Obedeci. Ela me desejou um Feliz Sábado (era sexta-feira, às 16h), que foi o mais triste e tenebroso da minha vida, e eu retribuí o desejo de um Sábado Feliz para ela. Ela teve medo que... o que logo mais aconteceria com ela, acontecesse comigo. Que dor me invade a alma quando penso nisso! Não consigo segurar as lágrimas...
 
Foi ela, foi minha mãe, que me apresentou Jesus como nosso Salvador através do seu exemplo que testemunhava tudo o que está escrito na Bíblia Sagrada. Não tenho dúvidas. Suas experiências de vida fortaleceram a minha fé em Deus, que está firmada sobre a Rocha que é Jesus Cristo. Certamente, serei uma das estrelas na coroa que minha mãezinha receberá naquele dia em que a verei novamente. Dia em que irei abraçá-la e sorrir vitoriosa, pela graça de Deus, para nunca mais chorar, para nunca ficar longe dela, num lugar onde não haverá mais tristeza, dor, morte, despedidas ou qualquer tipo de sofrimento. Onde reinará paz e a alegria e... onde tudo é para sempre! Como almejo esse dia! Glorioso dia em que poderei dizer mais vezes: “Amo a senhora, Mamãe!”. E, pela última vez: “Estava morrendo de saudades, Mamãe! Tenho um montão de coisas para lhe contar...”.
 
GUGU LOPES
Que pessoa maravilhosa que foi sua mãe. Uma vida voltada para os problemas alheios. Que orgulho para todos que tiveram a felicidade de conviver com ela. Um ser humano de muita luz. Fiquei emocionado com tudo que li. Parabéns pela bela homenagem. Que bom que você teve uma mãe tão valiosa. 
 
PATRICIA GALLAGHER
Linda Homenagem, Parabéns pela mãe maravilhosa e pessoa humana de tantas qualidades inesquecíveis. Apesar e não ter tido prazer de conhece-la nesta campo físico em que vivemos não tenho dúvida na veracidade das palavras pela forma carinhosa e contundente com que você redige. O olhar dela diz muito além das ações que praticou.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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