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Montezuma Cruz

O lamento de Pio e o céu escuro sobre os Cintas-largas


 O lamento de Pio e o céu escuro sobre os Cintas-largas - Gente de Opinião
Garimpo do Roosevelt: o maior desafio na terra Cinta-Larga /Foto Fábio Souza

 

MONTEZUMA CRUZ
Em Porto Velho


Entre o final dos anos 1970 e início da década de 1980, costumávamos visitar o casarão da Funai na Avenida Presidente Dutra em Porto Velho, e ali conversávamos com índios vindos de diferentes regiões em busca de recursos ou a fim de denunciar tragédias humanas ou ambientais em seu território.

Ali funcionava a 8ª Delegacia da Funai. Aquele foi o período de invasões e de sucessivos roubos de madeira, peixes e plantas nas terras Arara, Gavião, Suruí, Karitiana, Zoró e Uru-eu-au-au.

O delegado da Funai Delcio Vieira, seu irmão Amauri, e o sertanista Apoena Meireles nos recebiam de braços abertos. Refiro-me às visitas feitas por mim e pelo jornalista Lúcio Albuquerque, eu a serviço da Folha de S. Paulo, ele, de O Estado de S. Paulo.

Pio era um dos jovens índios Cintas-largas que vinham a Porto Velho. Ele volta agora ao cenário, quase quatro décadas depois da Aldeia Roosevelt, no município de Espigão d’Oeste, ser apenas um ponto no mapa da Amazônia Ocidental Brasileira.

Neste novembro de 2017, os procuradores da República Reginaldo Trindade e Leandro Musa de Almeida comunicaram a esse povo a decisão da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal a respeito da mudança na atuação institucional.

Esse desenlace inclui-se no capítulo das coincidências. Em 2004, o sertanista Apoena Meireles, morto por um viciado em drogas, saiu de cena quando tinha a maior das credenciais para promover o diálogo entre o governo federal (Ministérios da Justiça e de Minas e Energia), Câmara dos Deputados, Povo Cinta-larga e garimpeiros, no caso da reserva de diamantes.

Em 2011 morria em acidente automobilístico o deputado federal Eduardo Valverde (PT-RO), integrante da comissão especial da Câmara para tratar da política mineral. Os diamantes estavam em pauta. De lá para cá, o tema entrou em decadência.

Em 2017 sai de cena o procurador da República Reginaldo Trindade, que durante mais de 13 anos conversou com líderes indígenas, conheceu sua cultura, tradições e traduziu seus anseios e expectativas.

Se o MPF entende que a situação dos Cintas-largas ficará agora sob jurisdição da sua representação em Vilhena, convém lembrar que desde o período da colonização (no caso, durante e pós-migração a partir de meados anos 1970) se perpetuaram outros massacres naquela região conhecida como Cone Sul. Quantas famílias do tronco Nambikwara desapareceram mortas a tiros, envenenadas ou encurraladas por estradas e projetos de fazendas e cidades?

Significa dizer que o MPF teria em Vilhena um dos maiores resgates da tragédia indígena nacional, se, amparado por laudos antropológicos e por autoridades enérgicas e criteriosas, se dedicasse a investigar a matança dos Nambikwara.

Ao anúncio da saída do procurador Trindade, Pio lamentou. E não o fez apenas pelo esforço do MPF em auxiliar Brasília e a Constituição Federal na regulamentação da extração de diamantes. Certamente, sentiu na pele e no coração um pouco da descontinuidade de um trabalho profundo.

Obviamente, as mais de cem bolsas integrais para alunos em cursos universitários de várias faculdades da região contam pontos para o MPF. A história já faz justiça a essa conquista dos procuradores.

Outro índio, Marcelo Cinta Larga, lembrou que foi graças à atuação do MPF que muitas famílias conseguiram tratamentos de saúde de alta complexidade e em momentos de emergência.

Nos semblantes desses líderes percebeu-se a contrariedade, o que é natural a povos acostumados longos anos a terem visibilidade perante a Nação Brasileira. Algo que ocorre em todos os estados da Amazônia Brasileira, nos quais a resistência indígena ganha suporte do verdadeiro voluntariado ao seu dispor.

Se antes roubavam madeira, ainda hoje contrabandeiam pedras preciosas cuja cotação internacional segue movimentando a cobiça de muita gente, e no meio dela, evidentemente, alguns políticos.

O que fazer e o que esperar do Congresso Brasileiro no que diz respeito à exploração do subsolo? Ano eleitoral, 2018 desafia consciências. Agir ou silenciar de novo, eis a questão.

Enquanto isso, os Cintas-largas comemoram o ICMS Ecológico; a melhoria da saúde dentro das aldeias; a interlocução com alguns parlamentares e outros direitos deles e do estado de Rondônia.

Inadmissível retroagir e permitir divisões entre indígenas, sobretudo aquelas provocadas por empresários interesseiros, falsos líderes garimpeiros, engravatados em geral, alguns deles dizendo-se “amigos de ministros do Supremo Tribunal Federal”. Logo, capazes de fazer o diabo.

O Povo Cinta-Larga, de longa história de sofrimento, não pode atirar no próprio pé. Seu habitat e suas riquezas devem não apenas ser valorizadas, como lhes servir de alavanca para um dia conseguirem justiça.

Boa sorte, procurador Leandro Musa de Almeida, que assume a defesa do povo Cinta Larga.

 

Tendo tempo, leia também meu artigo publicado no Observatório da Imprensa em  2004
A reportagem no meio do mato

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