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Montezuma Cruz

Nem com a esmagadora vitória do PDS, Teixeirão escapa das vaias ao deixar o governo de Rondônia


Nem com a esmagadora vitória do PDS, Teixeirão escapa das vaias ao deixar o governo de Rondônia - Gente de Opinião
Não foi tão pacífico o nascimento do estado, conforme pesquisou a professora Paola Conceição Foroni, em tese de dissertação de Mestrado em História e Estudos Culturais, do Núcleo de Ciências Humanas, apresentada em 2014 à Universidade Federal de Rondônia. Ela aponta a manchete Teixeira: se o Estado não sair em 81 a responsabilidade caberá à Oposição, no jornal O Guaporéem 1981, analisando o discurso do governador ao desembarcar no Aeroporto Belmonte de uma viagem a Brasília.

“Só Deus sabe se o Estado de Rondônia será criado este ano”, ele dizia na ocasião. “Se isso não acontecer, o único responsável, sem qualquer demagogia, será a oposição e seu casuísmo; a oposição está consciente de que não ganhará as eleições em 82”, desafiava.

“Eu o conheci na condição de prefeito de Manaus na década de 1970; ele sempre teve críticos em razão da conjugação do verbo na primeira pessoa do singular: eu” – conta o jornalista Lúcio Albuquerque, que o conhecera na capital amazonense. “O então prefeito tinha dificuldade de relacionamento com a bancada da Arena e nós [repórteres de política] comentávamos que ele tinha mais relações com o líder do MDB, Fábio Lucena, do que com os membros do partido governista”.

Teixeirão talvez tenha sido o único midiático dos governadores do ex-território, opina Albuquerque: “Conversava com jornalistas, abria espaço para ser notícia, e isso ajudou a criar no rondoniense a ideia de que o Estado era possível; ele mudou até a forma como pessoas daqui o chamavam: em vez de usarem o termo “coronel” , passaram também a chamá-lo de Teixeirão, o que aumentava ainda mais a empatia”.

Em Rondônia, sua primeira frase na visita anterior à posse, já provocou a classe política local, quando disse ter vindo para “transformar” Rondônia em Estado. Era uma frase de efeito, lembra o jornalista, mas fez o vereador Cloter Saldanha Mota (MDB) a reagir assim:  “Ele é mágico? Quem transforma é mágico”.

Na edição de 18 de novembro de 1982, o JB destacou a manifestação do bispo

VITÓRIA DO PDS

O governador não aceitava alterações no projeto de criação do estado. Argumentava tratar-se “intransigível posição do governo, após análise da situação feita pelos ministros Mário Andreazza (Interior) e Leitão de Abreu (Casa Civil)”.

O deputado Jerônimo Santana (MDB) manifestava-se contrário ao projeto ser encaminhado diretamente ao presidente da República, que o encaminhava ao Congresso Nacional.

O próprio deputado apresentara três projetos de lei elevando Rondônia a estado, todos rejeitados. Paola Foroni chama atenção para a motivação de Santana: um artigo da lei previa a nomeação do primeiro governador do estado pelo presidente, não havendo eleições diretas para o primeiro governo. Decepcionado, Teixeirão acusou a oposição pela incerteza.

Antes, conforme análise da professora, o seu discurso era outro, e a mudança se deu porque ele não mais controlava os acontecimentos e teria que esperar a tramitação política.

 

As retumbantes primeiras eleições fizeram o trator pedessista comandado pelo governador esmagar o MDB e o PT, que estreava nas urnas.

 

Arrendada pela Arquidiocese de Porto Velho à Oana Publicidade, de Manaus, a Rádio Caiari tocava o Hino Céus de Rondônia a cada urna apurada, dando vitória para o PDS em todo o estado. Enquanto o disco furava, a voz do locutor Luiz Rivoiro anunciava enfaticamente os resultados do pleito e inseria flashes de emissoras do interior rondoniense.

Ex- bispo da Diocese da Capital e naquele período bispo em Barra do Garças (MT), dom Antônio Sarto enviava telegrama ao governador, cumprimentando-o pela vitória.

Para a pesquisadora, o resultado da eleição de 1982 não significava que Teixeirão estava bem entrosado com os políticos do seu partido, mas sim que naquele momento ambos se comportaram de acordo com o interesse de cada um. “O governador precisava eleger os políticos do PDS e os políticos desse partido precisavam do apoio dele para ganhar as eleições”, explica.

Com a aprovação da lei que criava o estado, o governador ficava inicialmente com as funções do executivo e do legislativo, podendo fazer leis por decreto, porque não havia bancada estadual formada, nem Constituição para garantir os poderes do Legislativo. “Esse direito do governador de legislar via decretos encontrou oposição até dos próprios aliados”, lembra a professora Paola Foroni.

“Os ânimos e as relações entre os políticos recém-eleitos e o governador se complicaram com o último Decreto-Lei nº 71, de 05/08/83, criando os municípios de Rolim de Moura e Cerejeiras, isso porque no dia seguinte, seis de agosto, a Assembleia Legislativa seria constituída e poderia deliberar sobre esse assunto”.

Outro fato na Assembleia Constituinte, em 1983: o capítulo relativo à autonomia administrativa e financeira do Ministério Público, matéria defendida pelo deputado Tomás Guilherme Correia (MDB), provocou mais um choque entre o governador e políticos estaduais.

Com Chiquilito Erse (em pé) e o prefeito Sebastião Valadares, em Porto Velho

MAIS ESPINHOS

A mobilização que levaria à implosão, especialmente da base governista, em todo o país, levou eleitos pelo PDS em 1982 a se bandearem para o Partido da Frente Liberal (PFL). Em Rondônia despontava o deputado federal  Francisco Chiquilito Erse, que na juventude fora músico da banda Bird Blues em Manaus.

Tratado como uma espécie de “filho político” de Teixeirão, para muitos ele fazia parte do seleto grupo de governistas que só teriam sido eleitos pela força do apelo direto do então governador.

Espalhava-se por toda a parte do estado um cartaz com o mote: Ajude Teixeirão a ganhar a eleição.

Segundo Albuquerque, antes da esmagadora vitória, o governador teria garantido ao presidente João Figueiredo que a bancada rondoniense votaria contra emenda Dante de Oliveira, que pedia eleições diretas para presidente da República, consolidando o movimento pela redemocratização do País.

Chiquilito liderava o movimento local pró-Diretas Já, e isso estremeceu muito a relação dele, afinal, fora secretário de administração do governador e até o substituíra algumas vezes”. “Teixeirão, novamente usado o ‘eu’ também teria garantido fidelidade dos votos rondonienses à pretendida indicação do ministro Mário Andreazza, pelo PDS, à Presidência da República, na votação indireta de 1985. No entanto, uma parcela considerável de eleitos pelo PDS em 1982 já se bandeara para outros partidos.

O governador utilizou-se do seu poder de mando até o último dia, entretanto, esperava-se que cumprisse seu mandato até 1987, como previa a lei de criação do Estado. “Isso não ocorreu por causa das tensões internas e da morte do presidente Tancredo Neves, que havia garantido mantê-lo no poder até o previsto na lei”, analisa a professora Paola.

Incensado pelo PMDB [a sigla acrescentara o P, por determinação do TSE] ao assumir a presidência e pressionado por oposicionistas de Rondônia, José Sarney demitia o governador em maio de 1985, antes do previsto. E aí, com a chamada Nova República, surgiria o mandato-tampão do deputado estadual Angelim.

MELANCÓLICA DESPEDIDA

Para muitos foi ingratidão em alto grau, já que Teixeirão cumprira a promessa feita ao desembarcar em Porto Velho. Em 1983, durante a inauguração da BR-364, com a presença do presidente João Figueiredo num palanque montado no Trevo do Roque em Porto Velho, o governador teve de aturar as vaias dirigidas a Paulo Maluf (candidato a presidente da República no Colégio Eleitoral) e ao ministro dos Transportes, Cloraldino Severo. Este, um sócio da festa, porque ousara pronunciar o nome do primeiro.

O governador prometera a Figueiredo todo apoio a Andreazza, cuja candidatura acabou antes da sessão do colégio eleitoral que elegera Tancredo Neves, em 1985.

Depois, em maio de 1985, na sacada do Palácio Presidente Vargas ao se despedir do cargo, o governador ouviu vaias puxadas pela vereadora Raquel Cândido (PDT), apoiada por militantes do MDB.

 

Mais de 2 mil pessoas ocupavam a praça. Atrás dele, Angelim quis intervir, gesticulando: “Não, pelo amor de Deus, não façam isso. Ele está indo embora, construiu um Estado, está saindo daqui doente, deixou de cuidar da própria saúde”. Em vão.

 

Não fora a primeira vez que o coronel passava por situações constrangedoras. Em janeiro de 1983, durante reunião ministerial em Brasília, convidado pelo presidente João Figueiredo por seus conhecimentos da região, sugeria a divisão geográfica do Estado do Amazonas ao meio: a Capital ficaria em Manaus, enquanto o “Amazonas do Norte” teria Capital em Maués, terra do guaraná.

Mesmo enxergando a impossibilidade de governar com soluções o descomunal tamanho do Amazonas (1,55 milhão de quilômetros quadrados) e de prever substanciais investimentos em saúde, educação e na indústria, ele mexia no vespeiro caracterizado por interesses políticos da bancada federal.

Na tribuna da Câmara, o deputado Mário Frota (PMDB-AM), dizendo-se “porta-voz dos amazonenses”, classificava a proposta de “indecente e indecorosa”, declarando Teixeirão persona non grata ao estado. De outro lado, em 1º de junho de 2005 o coronel recebia homenagem póstuma na Assembleia Legislativa do Amazonas. O deputado Messias Sampaio (PRTB) destacava na ocasião o trabalho dele na prefeitura e no governo rondoniense.

O BOM E AO MESMO TEMPO DESASTROSO POLONOROESTE

Desmatamento em São Francisco do Guaporé aumentou a partir da abertura da BR-429

Sem ele muitas cidades ainda estariam nascendo. Financiado  pelo World Bank (Banco Mundial) em Washington, DC (EUA), o Polonoroeste investiu US$ 411 milhões em Rondônia e Mato Grosso. As negociações iniciadas durante o governo de Humberto da Silva Guedes e em seguida paralisadas, possibilitaram ao sucessor a criação da Companhia de Desenvolvimento de Rondônia (Codaron), que abriu vilas para receber grandes levas fluxo de migrantes dispostos à agricultura autossustentada.

O dinheiro também serviu para concluir o asfaltamento da rodovia BR-364 no trecho de 1.500 quilômetros entre Cuiabá (MT) e Porto Velho. Hoje a rodovia é asfaltada até Cruzeiro do Sul (AC), na fronteira com o Peru. Aí é que começou um ciclo de transformação radical, acelerando ainda o processo migratório.

“Em menos de dez anos mudou quase toda a estrutura social, cultural e ambiental do estado, já que foram colonizadas áreas que totalizaram 410 mil Km², entre os dois estados”,  assinala o economista Sílvio Persivo.

Mas o desmatamento subiu de 1.217 Km², em 1975, para 30.046 Km² em 1987, após o início do programa. Houve protestos nacionais e internacionais.

Em 1984 houve revisão do programa, criando-se preliminarmente o Zoneamento Sócio-Econômico-Ecológico que seria o instrumento básico de planejamento e ordenamento territorial. Na sequência teve início o Planafloro.

 

Acuado, em 1985  o Banco Mundial cancelou o desembolso do financiamento, a fim de garantir as chamadas salvaguardas socioambientais, o que facilitaria a criação de Unidades de Conservação e a demarcação de Terras Indígenas. Pressionado, o governo estadual se viu obrigado a atender às demandas.

 

“Em julho de 1988, atendendo a forte pressão de várias organizações extrativistas, por decreto o governo definiu a política de ordenamento ambiental, visando a ocupação racional das terras estaduais: o Zoneamento Socioeconômico Ecológico”, lembra Persivo. Definiram-se, então, áreas para o ordenamento e desenvolvimento do extrativismo.

Teixeira aproveitou o projeto inicial, que era mais voltado para o social com a concepção do geógrafo Milton Santos para os NUARs, onde os parceleiros encontrariam serviços básicos – educação, saúde, assistência social, entre outros –, impedindo o êxodo rural. “Essa mudança, porém, tornou o programa mais voltado para a infraestrutura”, considera o economista.

E o desmatamento continuou alto em Rondônia, especialmente fora das áreas protegidas, já que o Código Florestal aplicável nas áreas privadas foi historicamente desrespeitado. Depois que as Unidades de Conservação cumpriram o papel de existir apenas enquanto o Banco Mundial liberava os dólares, alguns crimes têm sido praticados, incluindo-se a extinção ou redução de reservas com aprovação de deputados estaduais.


Com fotos Arquivo Sejucel e M. Cruz. Reprodução do JB: Frank Néry (Secom)   

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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