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Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCCXVIII - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte VIII


Terceira Margem – Parte DCCXVIII - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte VIII - Gente de Opinião

Bagé, 22.03.2024

 

 

Relatos Hodiernos – Naufrágios

 

Newton Vilela JUNIOR (2015)

 

A Terra de Ninguém

 

[...] Segundo relatos do historiador Homero Vasques Rodrigues, morador do Hermenegildo [Santa Vitória do Palmar], como a região dos Campos Neutrais era acometida por fortes ventos e era de difícil navega­ção, as embarcações que se dirigiam ao Prata eram obrigadas a navegar muito próximo à costa, atrás dos bancos de areia.

 

Aproveitando-se desse fato, as populações que vivi­am atrás dos banhados, utilizavam, como estratégia de pirataria, a colocação de tochas sinalizadoras ao longo da costa, nas chamadas dunas primárias, de cerca de treze metros de altura. E as sinalizavam por meses seguidos, fazendo-se de referência às embar­cações de que ali tinha início o continente.

 

Em determinadas ocasiões, eles deslocavam essas tochas para cerca de 2.000 metros do local original, adentrando as dunas e fazendo com que as embarcações, ao retornarem, perdessem a orientação e encalhassem próximo à praia onde ocorriam sangrentos atos de pirataria.

 

Apesar de serem fatos não documentados, que vieram ao conhecimento através da voz corrente popular, contados de gerações a gerações, Lauro Barcellos, oceanógrafo da Praia do Cassino, nos conta que certamente alguns naufrágios foram ocasionados por esses piratas e foram muito comuns até o final do século XIX. Segundo ele, são ainda muito comuns nos dias de hoje. Se uma embarcação naufragar neste litoral hoje, provavelmente em meio dia ele esteja totalmente saqueado.

 

O mais famoso naufrágio foi o do Galeão Inglês “Príncipe de Gales”, em 1861, que gerou o rompi­mento das relações Brasil X Inglaterra, já que D. Pedro II não aceitava a exigência do Governo Inglês por uma retratação pública e o pagamento de inde­nização. Segundo citado historiador, à medida que o trânsito de navios nesta costa em direção ao pacífico aumentou, impulsionado pelo crescimento dos mer­cados uruguaio, argentino e até chileno, começaram a se instalar os faróis. Hoje, na extensão da praia do Cassino, existem quatro faróis que orientam a navegação na região. Os faróis passaram a delimitar e garantir a navegabilidade a partir de 1910.

 

Relatos ainda apontam saques ocorridos naquela costa até o final do século passado. Barcos que naufragavam eram saqueados e tinham suas cargas levadas pelos piratas. Segundo o oceanógrafo Lauro Barcellos, as embarcações sempre que chegavam ao Sul encontravam um mar muito desafiador. Ventos fortes, somados às tempestades, que ocorrem com frequência nesta parte do Brasil, propiciavam um ambiente ideal para que muitas das embarcações naufragassem em suas águas.

 

Ainda, segundo ele, puderam ser contadas em torno de 287 embarcações enterradas neste litoral. O naufrágio visível mais famoso é o do navio Altair, que encalhou na costa no ano de 1978 e que hoje já se mostra quase que totalmente corroído. (JUNIOR)

 

Relatos Pretéritos – Barra do Rio Grande

 

Auguste de Saint-Hilaire (1820)

 

RIO GRANDE, 19 de agosto (1820). – Hoje acompanhei o Conde à Barra. Embarcamos numa galera pertencente ao Rei, e cuja tripulação trajava roupas brancas.

Do Rio Grande à Barra contam-se, aproximadamente, duas léguas. O canal de navegação segue quase sempre a direção Norte-Sul e é indicado por balizas, que têm o inconveniente de serem muito frágeis e que podem facilmente ser arrastadas pela correnteza. Chegados à Barra, desembarcamos na ponta Sul, onde o terreno é completamente arenoso.

 

Na margem, há uma casa bastante grande, coberta de colmo, na qual se estabeleceu uma guarda de ordenanças, encarregada de visitar as embarcações que saem, para impedir a fuga de algum desertor. Junto dessa casa estão peças de artilharia sem reparos, destinadas a defender a entrada da Barra.

 

Embarcamos na ponta Sul, atravessamos a Barra, que tem pouca largura, para chegar à ponta Norte, onde estão colocadas, igualmente, algumas peças de artilharia. De Laguna até o Rio Grande, a própria natureza se incumbiu da defesa da costa, e aqui, onde a Barra apresenta difícil transcurso, poderia ela ainda ser defendida por fogo cruzado, partido das duas margens.

 

Junto às baterias há uma casa coberta de telhas, destinada a alojar um destacamento de soldados. Além, avista-se uma torre quadrada que serve de sinalização aos navegadores e que se divisa à distância de seis léguas do Mar; nos arredores, algumas choupanas construídas desordenadamente.

 

Nada se iguala à tristeza desses lugares. De um lado, o bramir do Oceano; e do outro, o Rio. O terreno, extremamente plano e quase ao nível do Mar, é todo areal esbranquiçado, onde crescem plantas esparsas, principalmente o “senecio” ([1]). [...] O refluxo das águas do Rio, produzido pelo Mar, e a falta de profundidade são as causas das dificuldades que a Barra apresenta à navegação e dos naufrágios frequentes que ali ocorrem. Para preveni-los, foram tomadas, entretanto, várias precauções.

 

A torre, da qual já falei, indica aos navegantes a embocadura do Rio. Um homem encarregado de sondar constantemente a Barra, por meio de sinais, informa às embarcações se a quantidade de água, que varia sem cessar, lhes permite a entrada; estas também fazem sinais indicativos sobre o calado de suas embarcações; enfim, quando saem ou entram, o prático da Barra, num pequeno barco denominado catraia ([2]), vai mostrando, por meio de uma bandeira, que ele inclina de um lado ou de outro, o caminho a seguir. O prático recebe dez mil-réis de cada embarcação que sai ou entra.

 

A Barra do Rio Grande apresenta uma notável singularidade: é que não fica sempre no mesmo lugar. Nesses últimos vinte anos, passava-se por um canal mais ao Norte que a Barra atual, mas as areias o foram obstruindo, pouco a pouco, e no decorrer do último ano, dá passagem apenas a pirogas. A nova Barra começara a ser aberta há cerca de cinco anos, tornando-se navegável à época em que a outra ficou impraticável. (HILAIRE)

 

Robert C. Barthold Avé-Lallemant (1858)

 

No dia seguinte (22.02.1858) o Mar estava inteiramente cor de cinza; achávamo-nos à altura da costa do Rio Grande. Ao meio-dia avistamos tristes e alvas dunas, cuja cadeia parecia infindável. Em pouco surgiram dentre o Mar de areia e a areia do Mar dois faróis, um redondo, vermelho, e outro quadrado, azul. O “Imperatriz” começou a trocar sinais com o farol.

 

O nosso comandante queria 13 palmos de profundidade na Barra, mas o farol acenou que não. A entrada media apenas 12 palmos de profundidade e ancoramos contra violentíssima ressaca. Então, numa situação nada invejável, aguardamos os acontecimentos.

 

Mas a princípio nada sucedeu. Apareceu uma hora depois, por trás das ondas revoltas, um grande barco à vela, que lançou ferro e parecia não preocupar-se conosco. Quase já nos tínhamos familiarizado com o pensamento de irmos para Montevidéu, em lugar de Rio Grande, quando velejou em nossa direção uma catraia capaz de navegar no Mar e se pôs ao nosso lado. [...]

 

A Barra do Rio Grande é, sem dúvida, uma das mais desagradáveis e mais perigosas que existem e poucos portos se encontrarão em que, em proporção com os navios entrados, tenha havido tantos naufrágios como aqui. Fora, no Mar, estendem-se os baixios, e em frente da Barra um banco de areia; ao norte ou ao sul desta se acham as passagens, variá­veis, aliás, de local e de profundidade; por vezes ambas as passagens estão más, sendo necessárias exploração e observação diárias para permitir a entrada do navio ou adverti-lo de que não pode entrar. Não nos podia, pois, admirar, mas, apenas assustar um pouco que a nossa catraia, velejando entre altas ondas, topasse em alguma coisa, pois havíamos escolhido a passagem mais curta e mais rasa. Em vez disso, ela prosseguiu em águas navegáveis e aproximou-se da terra.

 

Veem-se infelizmente restos e destroços de navios naufragados que se elevam sobre os baixios. Todavia, pode-se dizer que se é fácil ocorrer um naufrágio na Barra do Rio Grande, por outro lado se consegue sem dificuldade salvar as vidas humanas.

 

O solo é arenoso; quase todos os navios o roçam na entrada e na saída, sem por isso encalharem ou serem danificados. Mas, mesmo quando encalham, a sua perda não é obra de um minuto ou de poucas horas. Tanto que em casos ocorridos com navios de colonos, todos os emigrantes foram salvos.

 

O estado crítico da Barra do Rio Grande é, porém, uma preocupação para a Província e uma questão vital para a Cidade do Rio Grande. Mas se a entrada fosse ainda pior, poderia realizar-se ainda o plano de uma boa estrada de rodagem, uma estrada de ferro, um canal de Porto Alegre para Laguna, plano sobre o qual ainda voltarei mais tarde. Com isso muito perderia a Cidade do Rio Grande. (AVÉ-LALLEMANT)

 

Bibliografia

 

AVÉ-LALLEMANT, Robert Christian Barthold. Viagem pelo Sul do Brasil no ano de 1858 ‒ Primeira Parte ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Ministério da Educação e Cultura ‒ Instituto Nacional do Livro ‒ Estabelecimentos Gráficos Iguassu, 1953.

 

HILAIRE, Auguste de Saint-. Viagem ao Rio Grande do Sul – Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Companhia Editora Nacional, 1939.

 

JUNIOR, Newton Vilela. Horizontes de Areia: Um Pedal até Chuí Pela Maior Praia do Mundo – Brasil – São Paulo, SP – Editora Cia do Ebook, 2015.


(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: [email protected].



[1]   Senecio: maria-mole, mal-me-quer – Senecio brasiliensis

[2]   Catraia: embarcação de pouco calado, movida a vela ou a remo geralmente manobrada por uma só pessoa.

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