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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Terceira Margem – Parte DCCXIX - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte IX


Terceira Margem – Parte DCCXIX - A Mangueira e a Costa Gaúcha – Parte IX - Gente de Opinião

Bagé, 25.03.2024

 

Tragédia no Oceano

(Múcio Scervola Lopes Teixeira)

 

À Memória dos 120 Náufragos do Paquete Rio Apa

 

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se é mentira... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

(CASTRO ALVES)

 

Como ao rijo soprar das ventanias

Os mortos boiam sobre as águas frias!

(FAGUNDES VARELLA)

 

A dúvida de Hamleto, a dúvida suprema

Dos que tentam vencer esse fatal dilema

Do ser e do não ser; ‒ a enervante ironia

Que às gargalhadas ri, num choro de histeria;

A febre que nos mina e que não tem remédio,

A insônia, o desalento, o desespero, o tédio...

‒ Eis o mal que lateja e cresce surdamente

No aflito coração da inconsolável gente

Que entregou as porções mais caras de sua vida

A esse Navio-Esquife! ‒ a máquina homicida

Que houve quem atirasse à solidão deserta

Do mar ‒ que não é mais do que uma cova aberta:

Onde o mastro é a cruz, e os ventos os coveiros,

Que passam, a cantar, por entre os derradeiros

Estertores e ais dos náufragos: ‒ que rolam

Na revolta extensão das vagas, que se empolam

E saltam, rebentando... e fervem, marulhosas,

Espumando e rugindo, em convulsões teimosas;

Ora erguendo-se ao céu, em líquidas montanhas,

Ora se retraindo ao fundo das entranhas

Do imenso abismo em treva, escancarado, eterno,

Onde há monstros! onde há vulcões! onde há o inferno!...

 

Eu naufraguei: eu posso imaginar horrores l

Posso pintar ao vivo as explosões de dores,

Os presságios, o espanto, a rápida esperança

Que surge, pra mais fundo ir enterrando a lança

Do medo, do terror, ‒ d'essa mortal tristeza

Que nos invade a alma em face da certeza

De um perigo iminente, horrível, sobre-humano,

Vendo tão longe o céu... e tão vasto o oceano!...

 

Estou vendo a correr de um para o outro lado

Um pequeno, que ri, vendo o pai espantado...

Outro, que pede à Mãe um doce ‒ no momento

Em que ela crava mais o olhar no firmamento!...

 

É horrível de ver-se a nau desarvorada:

A corda, que rebenta ao choque da lufada,

Sibila, estala, zune... O pano, que se rasga,

Tem não sei que da voz da fera que se engasga

Com os ossos da presa, enquanto ruge, rouca,

Sentindo-a espernear por lhe fugir da boca!...

 

Estoura o raio! ... Estoura a embarcação! ... Estoura

A onda ‒ que de espuma o firmamento doura!...

 

‒ Em pina-se o navio ‒ e range surdamente...

Cai o mastro, esmagando uma porção de gente!

 

Uma vaga, que lambe a proa, cospe n'água

O homem do leme... uma outra inunda a viva frágua...

Oh! ... Rebenta a caldeira em nuvem de estilhaços! ...

Uns ‒ nem soltam um ai... outros, ficam sem braços,

Sem olhos, sem saber da esposa idolatrada,

Do filhinho gentil, da Mãe ‒ que de assustada

Nem podia rezar...

 

Já ninguém mais se entende...

E um coro sem igual de súplicas se estende

Da vasta solidão dos implacáveis mares

À vasta solidão dos insensíveis ares!...

 

Aonde está Deus? ‒ Não sei...

 

Ah! mas se Deus existe

Como é que ele não vê aquele quadro triste,

Horrível, monstruoso?! ... Esse naufrágio bruto

Que a tantos leva a morte e a tantos traz o luto! ...

 

Como é triste morrer de um modo tão pungente

‒ A virtuosa Mãe, o filhinho inocente,

O esposo honrado e bom, a esposa casta e bela,

E a virginal irmã ‒ que a virginal capela

Ostentava, gentil, tão cheia de esperanças!...

E os bandos infantis das tímidas crianças,

Com lágrimas na falia e súplicas nos olhos,

Que a onda arrasta... atira, esmaga nos escolhos!

 

Há um confuso lutar, como as visões de um sonho.

E tudo se afundou n'um turbilhão medonho!...

 

Mas nem todos aí morreram nesse instante;

Para maior angústia e dor mais lacerante,

Dizem... é espantoso! ‒ e dizem a verdade:

Que rolaram do mar na imensa soledade,

Dia e noite a lutar ‒ lutando tantos dias ‒

Uns míseros, que após tão lentas agonias

Deram à costa... e lá, de todo abandonados,

Uns morreram à fome... outros — apunhalados!...

 

O cão, que encontra o cão ferido em seu caminho,

Lambe-lhe o ferimento e leva-o com carinho;

A formiga, que vê as outras esmagadas,

Deita-lhes terra em cima e toma outras estradas...

‒ Os elefantes têm- necrópoles sombrias:

E só o Homem deixa, assim, por tantos dias,

Tantos homens, oh! Deus! naquelas águas frias!

 

Crepúsculo, n° 15

Desterro (Florianópolis), SC – 30.07.1888

Sobre o “Rio Apa

(Carlos de Faria)

À Múcio Teixeira

(Brilhante Poesia – Naufrágio do “Rio Apa”) 

 

Aquela abandonada e triste caravana

De almas entre o furor dos bravejantes mares

De certo que morreu bradando para os ares:

– A humanidade já deixou de ser humana!

 

 

Sim! Que o abutre espectral e negro do abandono

Foi desta vez [que horror] a bússola de morte

A tantos seres que hoje o interminável sono

Dormem na solidão, em lúgubre coorte!

 

 

Só de se imaginar nessa terrível cena,

O coração se rasga e grita e se espedaça;

E ainda se dizer que na amplidão serena

Do calmo Azul existe um Deus para a desgraça!

 

 

Tarde demais ergueu-se a santa mão do Auxílio

Aos náufragos que, em ais foram morrendo à toa

Do largo Oceano azul no aprofundado exílio

Onde, assim como a vaga a nossa esperança voa...

 

 

Eu, que adoro a tranquila e alegre cor das ondas

Quando abre o céu da noite a constelada umbela,

Doe-me essas narrações das trágicas, hediondas

Lutas do braço hercúleo e doido da procela. [...]

 

Laguna, 8 de agosto de 1887. [Dos Meteoros]

 

Bibliografia

 

CREPÚSCULO, N° 15. Sobre o “Rio Apa” – Brasil – Desterro (Florianópolis), SC – Crepúsculo, n° 15, 30.07.1888.

 

LOPES TEIXEIRA, Múcio Scervola. Poesias e Poemas de Mucio Teixeira (1886-1887) – Brasil – Rio de Janeiro – Imprensa Nacional, 1888.


 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)E-mail: [email protected].

 

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