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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

Batalha Naval de Itacoatiara – Parte V


Batalha Naval de Itacoatiara – Parte V - Gente de Opinião

Bagé, 29.06.2020

 

Segue Ildefonso Guimarães:

 

Tropas Legalistas

 

Bem, depois que o “Andirá” foi afundado e eliminados os últimos focos de resistência que vinham dos dois escaleres, cessaram os tiros. A luta terminara.

 

Aí, eu recebi ordem de guarnecer um dos botes com o meu pessoal e fazer uma batida nas redondezas para recolher sobreviventes e capturar fugitivos.

 

De bordo do “Baependy”, também saíram baleeiras para apanhar os remanescentes do “Andirá”. Então, nós descemos, eu e a minha tropa, e fomos por ali a fora, remando em círculos, procurando, observando, mas nada achamos na nossa área. Até que chegamos perto da margem e demos com uma das lanchas que acompanhavam os rebeldes.

 

Estava encalhada sobre o tijuco, no meio de um balseiro de canarana e já sem o pessoal de bordo, que tinha caído fora. A bordo, só restava o foguista, e a caldeira já estava sem pressão. Segurei o camarada – um preto cego de um olho – mas ele foi logo dizendo que era civil e estava ali porque era foguista da embarcação, mas que durante os acontecimentos apenas cumprira ordens.

 

Dos demais, só sabia que tinham se jogado n’água e ganhado a beira no rumo da mata, mal o papouco entre os navios tinha começado; ele ficara a bordo porque sofria de estupor e tinha medo de ter o ataque quando caísse n’água.

 

Deixamos o pobre-diabo e demos uma volta pra ver se havia mais alguém escondido por ali e foi então que avistamos, já do outro lado do balseiro, a ponta duma valise aparecendo no meio da canarana. Chegamos mais perto e escutamos uns gemidos que vinham de dentro do capinzal.

 

Com a pá da faia, um dos meus homens baixou o capim e vimos um senhor gordo, bastante exausto e que mal podia falar quando nós, afinal, conseguimos recolhê-lo para o escaler.

 

Depois, já mais confortado, ele nos informou que era náufrago do “Jaguaribe”, onde viajava como representante comercial da firma armadora do navio. Salvou-se, disse ele, por verdadeiro milagre. Contou que se fechara no camarote durante o combate para não assistir àquela luta sem glórias que ele tinha feito tudo para evitar, procurando convencer os chefes revoltosos a desistirem daquela loucura; mas, disse ele, ninguém lhe deu ouvidos.

 

Quando escutou o tremendo choque causado pelo abalroamento, percebeu que o “Jaguaribe” ia afundar e tratou de sair do camarote e atirar-se à água, invocando a proteção de Deus e de Nossa Senhora do Carmo, de quem disse ser devoto, tanto que trazia no pescoço um escapulário da santa todo ensopado.

 

Aí, ele falou que sentiu uma energia sobre-humana para enfrentar a morte, o que lhe valeu para nadar em direção à margem sem perder os sentidos. A valise, trouxera consigo quando caiu n’água – sempre previra o pior desde que aquela gente tinha tomado conta do navio – e foi o que o ajudou a flutuar até alcançar o balseiro, pois, além do seu salva-vidas, tinha colocado dentro dela um outro, desde que saíram de Óbidos.

 

Já no balseiro, livre de morrer afogado, seu tormento, porém, duplicou, devido às formigas-de-fogo que o perseguiram todo tempo, enquanto rezava para que alguém o encontrasse. Levei o náufrago para bordo do “Ingá”, onde foi logo atendido pelo médico, pois seu estado de saúde não era dos melhores, por causa das ferroadas que levara.

 

Voltamos ao escaler e continuamos percorrendo a margem à procura de fugitivos. Um pouco abaixo, encontramos uma barraca em que morava um casal de velhos e ali pegamos escondidos cinco Soldados rebeldes que aprisionamos. Por eles, fomos informados de que os dois chefes civis da revolta, Aristides Lavor e Heráclito Borges, e mais o Sargento Silvério Rocha [comissionado Capitão], estavam mais adiante, escondidos num porto de lenha.

 

Fomos à procura deles e conseguimos prendê-los juntos com alguns Soldados e conduzimos todos para bordo doIngá”, de onde depois foram transferidos para o “Baependy” com o resto dos prisioneiros.

 

A propósito desse Sargento Silvério Rocha, eu soube, muito tempo depois, que ele conseguiu escapar de bordo do navio “Paconé” [que conduzia os prisioneiros para Belém], atirando-se à água por uma das vigias da 3ª classe.

 

Foi uma fuga meio misteriosa, tendo corrido boato de que alguém da escolta facilitou as coisas. Mas isso, afinal, nunca foi apurado e assim, dos cabeças do levante de Óbidos, ele foi o único que escapou à prisão. Os prisioneiros recolhidos pelas patrulhas do “Ingá” que saíram nos escaleres [inclusive a nossa] não chegavam a trinta e foram alojados na proa do navio antes de irem para o “Baependy”.

 

Dos rebeldes que conseguiram fugir, alcançando a margem e se embrenhando na mata, esses foram poucos.

 

A maioria morreu: uns afogados, outros levados para o fundo nas carcaças dos navios piqueados; mas a maior parte foi mesmo liquidada pelas balas. Dos nossos, morreu apenas um marinheiro, que enterramos no dia seguinte, em Itacoatiara. Do “Baependy”, ao que eu soube, morreram três; de forma que as nossas baixas foram – se assim se pode dizer – insignificantes, diante da enorme perda de vidas do lado dos revoltosos, sacrificadas praticamente por nada. Hoje, quando recordo aquele combate, confesso que até me constrange a condição de “vencedor”, diante do sangue de tantos inocentes, derramado, afinal, por um efeito sem causa. (GUIMARÃES)

 

A “Folha do Norte” noticiou em letras garrafais o fim da revolta de Óbidos e a deletéria ação dos sediciosos que, percebendo a aproximação das forças legalistas, agiram com violência contra a pacata população local, saquearam o comércio e fugiram covardemente.

 

Os rebeldes deram demonstração explícita, desde o início da insurreição, de que estavam menos preocupados com os propósitos ou ideais revolucionários e mais interessados se beneficiar pessoalmente com o conflito.

 

A história viria a se repetir, pouco tempo depois, na Intentona Comunista de 35, quando poltrões amotinados, travestidos de amigos até a véspera do conflito, feriram e mataram covardemente seus companheiros que ainda dormiam.

 

Pompa na Mídia!!!

 

 

 

Folha do Norte

Belém, PA, Quarta-feira, 24.08.1932

 

Notícia da Fuga de Pompa

 

 

Do Prefeito de Santarém o Interventor do Pará recebeu a seguinte comunicação:

 

Acabo de receber de Óbidos, enviado pelo viajante Jayme Carvalho, que era prisioneiro dos revoltosos, o seguinte telegrama: “Revolta dominada. O chefe dos bandoleiros fugiu saqueando antes o comércio”. Cordiais saudações.

 

[a] Ildefonso Almeida, Prefeito Santarém.

 

 

 

Folha do Norte

Belém, PA, Quinta-feira, 25.08.1932

 

Abel Chermont Comunica a Barata as Primeiras Providências Tomadas

 

 

O “Aquiry” acaba de chegar aqui com as forças paraenses. O Tenente Emanuel Moraes prosseguiu viagem bordo “Floriano”. Ciente da autorização de auxílio à pobreza, lançarei proclamação seu nome hoje à tarde em comício público. Aqui não houve revolução. Houve assalto, roubo, banditismo. O prejuízo no comércio e particulares é enorme em virtude dos assaltos que sofreram.

 

Nomeei o Tenente reformado Arthur Clemente dos Santos para o cargo de Delegado de Polícia, com jurisdição em todo o Município, tendo o mesmo seguido Oriximiná em perseguição Pompa. O procedimento de todos os oficiais do Exército foi absolutamente correto, com exceção do Tenente Cunha que aderiu ao levante. Há aqui falta de gêneros de toda a espécie.

 

 

 

Folha do Norte

Belém, PA, Sexta-feira, 26.08.1932

 

Do Comandante do 4° GACos o Major Barata recebeu o seguinte despacho:

 

 

Depois monstruoso saque praticado aqui com conivência dos Sargentos e Cabos desta Guarnição conseguiu, após fuga dos mesmos, mandar abrir o xadrez onde nos achávamos e tomar providências para normalizar situação.

 

Esta Unidade continua, assim, desde ontem às 20 horas, aguardandoFloriano”, como já foi avisado.

 

[a] Arruda da Silva, 1° Tenente Comandante Interino 4° GACos.

 

 

 

Folha do Norte

Belém, PA, Sexta-feira, 26.08.1932

 

Notícia do Abandono da Cidade
de Óbidos Pelos Revoltosos

 

 

Pelas 12 horas de ontem, a Folha recebeu e estampou em placard o seguinte telegrama, cuja cópia nos foi enviada pelo Major Magalhães Barata, Interventor federal:

 

Os revoltosos, à notícia da aproximação das nossas forças, saquearam com violência a Cidade e fugiram desabaladamente. A oficialidade do 4° Grupo que estava presa arrombou os cárceres está agora dominando a Cidade que se acha em plena calma. As nossas forças quando chegarem a esta Cidade irão em perseguição aos fugitivos.

 

 

Folha do Norte

Belém, PA, Sábado, 28.08.1932

 

Notícia da Prisão de Pompa

 

 

O Comandante do 4° GACos dirigiu ao Major Magalhães Barata o seguinte telegrama:

 

Acaba de regressar a escolta chefiada pelo Tenente Clemente, vinda do Trombetas, conduzindo presos o Coronel Pompa e Sargentos Almir, Sarraf, e Marialva, revoltosos deste Grupo. Ao Comandante da Região solicitei destino para eles. Cordiais saudações. José Arruda da Silva, Comandante Interino do 4°GACos.

 

 

 

Correio da Manhã, n° 11.573

Rio de Janeiro, RJ – Quarta-feira, 31.08.1932

 

O Levante de Óbidos – Declarações Feitas pelo Interventor Federal no Pará

 

 

Belém, 30 [Do correspondente] ‒ O Major Magalhães Barata, Interventor Federal neste Estado, concedeu uma entrevista à “Folha da Noite, sobre o movimento verificado em Óbidos:

 

– A minha impressão ‒ disse o Major Barata ‒ é a mais desoladora possível, embora não me causasse surpresa, ante o que vai acontecendo no Sul.

 

– O tal coronel Pompa, depois que arrancou, ao comércio e aos particulares, dinheiro, bastante, abandonou os pobres soldados, fugindo miseravelmente, antes de mostrarem quanto foram imbecis o oficial do quarto e os civis que nele acreditaram, empurrando os navios, até o resultado do Itaquatiá”.

 

   Nós, os revolucionários de 1922 e 1924, nunca procedemos assim.

 

Solicitado a fazer um confronto entre os revolucionários do Amazonas de então e os de agora, o Major Magalhães Barata respondeu:

 

– Confrontando o proceder em 1924 dos revolucionários do Amazonas com o desse aventureiro e ladrão, que surpreendeu Óbidos, não há como desconhecer que fomos corretos, pois demoramos 21 dias em Óbidos, e a cidade não foi perturbada.

 

   A 26 de agosto vi-me tomado a entregar a cidade a Menna Barreto Filho, com orgulho não menor que o da parte da população. Ao comércio não ficamos devendo nem um tostão. Mal sucedidos, resolvemos capitular. Mandamos pelo Tenente Euclydes Lins e Albuquerque devolver ao Banco do Brasil, em Manaus, quinhentos e noventa e tantos contos de réis em papel que sobraram da requisição de mil e duzentos que fizemos e mais os comprovantes das despesas feitas.

 

Indagado sobre o objetivo do atual movimento de Óbidos, retrucou:

 

– O roubo, mais de cem contos em dinheiro e outro tanto em mercadorias.

 

Assim concluiu o Major Barata:

 

– Os torcedores do tal Pompa devem estar de cara à banda, com o sucesso do mesmo Pompa.

 

 

 

Quem vai Presidir o Inquérito Policial Militar

 

 

 

Belém, 30 [Do correspondente] – O comando da Região Militar neste Estado nomeou o Capitão Alberto da Silva Pereira, para presidir o inquérito em torno do movimento fracassado de Óbidos.

 

Para secretário foi designado o 1° Tenente José Manoel Coelho. Estes dois oficiais seguirão para Óbidos, no próximo domingo, a bordo do “Victoria”. (CDM, n° 11.753)

 

Bibliografia:

 

CDM, N° 11.753. O Levante de Óbidos ‒ Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Correio da Manhã, n° 11.573, 31.08.1932.

 

GUIMARÃES, Ildefonso. Os Dias Recurvos: Anatomia de uma Rebelião – Brasil – Belém, PA – Secretaria de Estado de Cultura, Desportos e Turismo, 1984.

 

Solicito Publicação

 

Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·    Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·    Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·    Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·    Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·    Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

·    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·    Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

·    Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·    Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

·    Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

·    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

·    E-mail: [email protected].

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