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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte XCVII + Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XVIII


A Terceira Margem – Parte XCVII + Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo ‒ XVIII - Gente de Opinião

Bagé, 27.11.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte LXVI

 

Madeira-Mamoré ‒ Ferrovia do Diabo XVIII

 

No dia 30.10.1910, foi inaugurado o segundo trecho, com extensão de 62 quilômetros. A Ferrovia chegava ao quilômetro 152, na altura da Cachoeira dos três Irmãos. No dia 08.11.1910, o Presidente da República, Nilo Peçanha, e o Ministro da Viação, Francisco Sá, assinam o Decreto n° 8.347, que constava de apenas três artigos:

 

Decreto n° 8.347 (08.11.1910)

 

Senado Federal

Subsecretaria de Informações

DECRETO N. 8.347 DE 8 DE NOVEMBRO DE 1910

 

Autoriza a substituição do ramal primitivamente traçado entre Vila Murtinho e Vila Bela, da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

 

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da autorização constante da Lei n° 1.180, de 25.02.1904, e atendendo à conveniência de ser modificado, de acordo com o pensamento do Governo da Republica da Bolívia, o traçado do ramal de Vila Murtinho a Vila Bela, da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de modo a encaminhar para esta todo o comércio do Beni e seus afluentes Orton e Madre de Dios, e tendo em vista melhorar as condições daquela estrada e adotar providências que facilitem os transportes necessários à construção.

 

DECRETA:

 

1°) Fica autorizada, mediante acordo com o Governo da Bolívia, a substituição do ramal primitivamente traçado entre Villa Murtinho e Vila Bela, da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, por outro que, na forma permitida pelo Art. 7° do Tratado de Petrópolis, partindo das vizinhanças da cachoeira Pau Grande, à margem direita do Rio Mamoré, se dirija à Cachoeira Esperança, à margem esquerda do Beni.

 

2°) Ficam autorizados o lastramento total da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e a construção de pontes provisórias de madeira para o pronto andamento dos trabalhos, sendo o custo desses serviços adicionado às despesas de transporte e conservação da linha autorizadas pelo Governo e não previstas no contrato de construção da estrada, pago pelo preço total de £ 2.750, por quilômetro.

 

3°) No contrato que for lavrado para as execuções já dadas pelo Governo sobre requerimentos da empresa cessionária da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, relativos a obras de proteção das margens do Rio, em Porto Velho, em Guajará-mirim e onde for necessário; construção de hospitais para o pessoal da estrada e serviços especiais de saneamento; estabelecimento de telégrafo sem fio em Porto Velho e Manaus, nos termos do despacho de 17.04.1907; classificação do cascalho, omitida no contrato sobre a base das medições já feitas e pagas; bem assim as seguintes obras executadas e a executar mediante autorização prévia do Governo, e segundo o custo verificado pela fiscalização: construção de casas, lavanderias a vapor, armazéns frigoríficos, canalização de águas e esgotos e outros serviços necessários à constituição de núcleos de futuras cidades, pelo modelo de Porto Velho; construção de pontes de desembarque e docas nos pontos extremos.

 

Rio de Janeiro, 08.11.1910, 89° da Independência e 22° da República.

 

NILO PEÇANHA.

 

No dia 12.11.1910, foi assinado o Contrato para a execução dos serviços constantes do Decreto sem detalhar a execução e os custos dos serviços, um procedimento extremamente favorável aos empreiteiros Norte-americanos e altamente lesivo aos cofres nacionais.

 

Ano de 1911

 

A empreiteira trouxe, neste ano, 5.664 operários de todas as partes do mundo. No dia 16.06.1911, o Tribunal de Contas da União (TCU), considera ilegais os favores concedidos à Madeira-Mamoré Railway pelo Decreto n° 8.347, de 08.11.1910, e nega seu registro. Pressionado pelo TCU e pela opinião pública, o Ministro da Viação, no dia 24.08.1911, cria uma Comissão Extraordinária para fiscalizar os trabalhos de construção da Ferrovia, composta por um Engenheiro fiscal, dois engenheiros e um funcionário do Ministério. A Comissão deveria apresentar um relatório sobre a apuração das contas dos diversos serviços complementares da construção.

 

No dia 07.09.1911, foi inaugurado novo trecho da Ferrovia, até o KM 220, na Foz do Rio Abunã. No final do ano de 1911, existiam 220 km em tráfego efetivo de Porto Velho a Abunã, os 72 km de Abunã a Ribeirão estavam prontos com tráfego provisório enquanto a ponta dos trilhos alcançara o KM 306, até onde chegavam os trens de lastro. O restante, do KM 306 até o final da linha, numa extensão de 58 km, se encontrava em construção. A Madeira-Mamoré Railway Co., já possuía 11 locomotivas, 2 carros de passageiros, 76 vagões fechados e 163 gôndolas. No final de 1911, os produtos bolivianos e brasileiros, depois de atravessar as primeiras Cachoeiras e serem desembarcados na Estação de Abunã, eram embarcados nos comboios da Ferrovia que os transportavam até Porto Velho, onde novamente eram colocados nos vapores que desciam o Madeira.

 

Ano de 1912
 

A companhia “importou” somente 2.733 operários. No dia 04.03.1912, a Inspetoria Federal das Estradas de Ferro, subordinada ao Ministério da Viação, informa que estava em vigor o polêmico Decreto n° 8.347, de 08.11.1910, considerado, no ano anterior, ilegal pelo TCU. No dia 14.05.1912, a Comissão Extraordinária nomeada no ano anterior concluiu:

 

Se adquire a convicção de que grandes irregularidades se têm dado com a Madeira-Mamoré Railway Company, no tocante às contas e execução dos serviços, que importam em grandes prejuízos para o Tesouro Nacional. Dotado de posição geográfica privilegiada, julgamos Porto Velho destinado a ser um dos maiores centros comerciais do Vale do Amazonas. O comércio de toda a região cisandina manterá suas comunicações com o Velho Mundo, por esta via, mais próxima e menos arriscada que a do Pacífico, mesmo depois de aberto o Canal do Panamá.

 

As repúblicas do Chile e Argentina, compreendendo as inúmeras vantagens a auferir do comércio da hinterlândia Sul-americana, que lhes pode ser disputado com vantagens pelo Brasil, por intermédio da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, tratam de construir, a marchas forçadas, Estradas de Ferro que venham disputar-nos o comércio desta região. A estrada chilena de Arica a Cochabamba está quase a terminar, e agora mesmo encetaram os trabalhos de construção da Estrada de Ferro de Cochabamba a Chimoré, que fica situado, conforme sabemos, já em águas do Mamoré, em um ponto navegável. Eis um adversário sério, que surge para disputar-nos o campo. A Estrada de Ferro Central Argentina, cujo tráfego está em Tupiza, dirige-se, também, aceleradamente para Cochabamba, vindo constituir-se mais um adversário, que procurará, com denodo, encaminhar todo o tráfego para Buenos Aires. (FERREIRA, 1959)

 

Finalmente o Governo reconhecia que graves irregularidades tinham ocorrido na construção. Ora se existia um Engenheiro do Ministério da Viação destacado para acompanhar as obras e se o próprio Governo se propôs a alterar a concessão em vigor através de um polêmico decreto, de quem seria a culpa? Além disso, o relatório pintava um quadro sombrio sobre as perspectivas futuras da Madeira-Mamoré 46 dias antes de ser assentado seu último dormente.

 

No dia 30.04.1912, foi assentado o último dormente da Ferrovia em Guajará-mirim e, no dia 01.08.1912, deu-se a inauguração dos 364 quilômetros. A construção reabilitava a memória do Engenheiro Carlos Alberto Morsing e provava que a Planta da Public Works era autêntica.

 

Ano de 1913

 

O Governo Brasileiro pagara à construtora um total de 40.474:872$622 conforme acordado no contrato de concessão lavrado com Joaquim Catramby, em 1906, e que este vendera à Madeira-Mamoré Railway Company. Vinha agora a empreiteira, concluída a construção, reclamar do Governo um pagamento adicional já que o custo real da Estrada fora o dobro dos preços estipulados na concorrência e no contrato.

 

Ano de 1916

 

Finalmente, no final de 1916, o Brasil pagou à Madeira-Mamoré Railway Company a seguinte quantia: 62.194:374$366 dando um basta a pretensões da empresa Norte-americana que continuou reclamando uma quantia excedente.

 

Trilhos de “Ouro

 

Seus trilhos são de ouro e cada dormente
representa uma vida humana. (Anônimo)

 

Alguém querendo criar uma frase de efeito teria dito a célebre frase “seus trilhos são de ouro e cada dormente representa uma vida humana” e, a partir de então, este falso chavão vem sendo repetido por populares e intelectuais descuidados. Na verdade, uma breve análise dos fatos mostraria que a famosa expressão não tem nenhum fundamento. Infelizmente são diversas as citações de autores nacionais e estrangeiros que buscaram amparo na falaciosa frase ao longo da história brasileira e a revigoraram.

 

Seus Trilhos são de Ouro

 

Considerando o câmbio da época, com 62.000 contos de réis podiam-se adquirir 28 toneladas de ouro. Desde que os trilhos pesavam 25 quilos por metro, chegamos à conclusão de que se os trilhos fossem de ouro, com as 28 toneladas deste metal, ter-se-iam 1.120 metros. Dividindo-se por dois ([1]), teríamos uma extensão de 560 metros de ferrovia, com trilhos de ouro. Entretanto, a extensão da Estrada é de 366.000 metros. (FERREIRA,1959)

 

Bibliografia

 

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A Ferrovia do Diabo – Brasil – São Paulo, SP – Edições Melhoramentos, 1959.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: [email protected].



[1]    Dois: logicamente os trilhos são colocados paralelamente (aos pares).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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