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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte LXI - Viagem ao Redor do Brasil (1875-1878) – II


A Terceira Margem – Parte LXI - Viagem ao Redor do Brasil (1875-1878) – II - Gente de Opinião

Bagé, 08.10.2020

 

Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXX

 

Viagem ao Redor do Brasil (1875-1878) – II

 

João Severiano, como os demais irmãos, foi educado nos salutares princípios que nortearam a educação da grande estirpe de seus ascendentes. Só ele não enveredou, de pronto, pela carreira das Armas. Todos os manos foram logo ser militares. Terminado o curso primário na Vila natal, veio fazer o secundário na Corte. Em seguida, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, recebendo o grau de Doutor em Medicina em 1860. Fizera-se médico por vocação, mas aquele amor pela farda, que levara os Fonsecas à caserna, haveria de, outrossim, impeli-lo ao Exército. De fato, fora por instinto vocacional que o jovem se decidiu pela profissão médica, não obstante a soma de sacrifícios e de renúncias a que se obrigaria ao cingir a cândida vestia.

 

Um oportuno parênteses curioso: os doutorandos de 1860 foram os primeiros a usar o recém-criado anel simbólico de esmeralda, proposto pelo Professor Francisco Menezes Dias da Cruz, em 1856, para substituir o antigo com a efígie de Hipócrates.

 

No âmago do peito lhe calavam ainda as palavras da personagem do romancista Dr. José de Alencar, encarnando o médico devotado:

 

Amo as glórias da minha profissão, as únicas a que posso e devo aspirar. Nossos triunfos, não os obtemos na praça pública, diante da multidão que aplaude, mas lá na alcova secreta onde geme a criatura.

 

Para o Dr. João Severiano, que se destinava ao Exército, não lhe eram desconhecidos os trabalhos exaustivos na caserna e os ingentes esforços nas campanhas. Todos sabemos que hoje, como outrora, a recuperação do Soldado pelo Serviço de Saúde é a garantia dos efetivos guerreiros. A França, na guerra de 1914, perdeu cerca de 2.000 médicos por ação inimiga, enquanto, em certa época, seu Serviço de Saúde recuperou 100.000 homens por mês! Daí Clemenceau ([1]) afirmar:

 

  Ganhamos a guerra com os nossos feridos.

 

E, a 20.01.1862, assentava praça no Corpo de Saúde, como 2° Cirurgião Tenente, por Decreto, conforme se acha publicado em Ordem do Dia da Repartição do Ajudante General sob o n° 303, de 04.02.1862. Nessa data prestou o devido juramento. Consorciava-se nesse comenos ([2]) o homem afeito a ciência de curar, a divina profissão que espelha bondade, e o intrépido soldado vígil ([3]) nas cruas batalhas ou na defesa sanitária dos campos onde iria, de futuro, estar presente.

 

Cirurgião e soldado, ele trazia para a classe em que seus irmãos já exceliam ([4]), a sublimidade de seu apostolado médico e a vocação de seu sangue para a carreira das Armas, fatores que, postos a serviço do Brasil, o dignificaram, tornando-o, por justiça, o modelo vivo de civismo e do cientista talentoso em quem as qualidades invulgares de profissional competente rivalizavam com as louvabilíssimas de chefe íntegro e sereno.

 

Como simples estudante de medicina dera provas de altruísmo nos relevantes socorros que prestou durante a terrível epidemia de cólera-morbo, que assolou, em 1854, a capital do País. O Governo soube recompensá-lo, condecorando-o com o Grau de Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, conspícuo ([5]) galardão ([6]). Era o prenúncio de que sua carreira seria uma brilhante ascensão, pois os exemplos de renúncia e devotamento, que são o apanágio ([7]) do militar, ele os tinha no seio da própria família, onde pai e irmãos, desveladamente, com disciplina e amor, cooperaram para o progresso e a segurança das instituições nacionais. A 06.03.1859 entrava em exercício na Guarnição da Corte e era designado para o Hospital Militar. Da Ordem do Dia n° 310, de 21.04.1859, consta que apresentou o Diploma datado de 11.01.1859, com que fora condecorado, por Decreto de 2 de dezembro do ano anterior, Cavaleiro da Ordem da Rosa, a que fizera jus quando acadêmico de medicina, como acima foi dito.

 

Em seguida, a 15.06.1859 era mandado servir na enfermaria da Escola Militar de Aplicação do Exército. Sua permanência aí foi transitória, porquanto, três meses e três dias após, a 18.09.1859, regressava ao primitivo serviço hospitalar. Somente a 04.05.1864, por Portaria Ministerial, foi nomeado para o 4° Batalhão de Infantaria, que seguia para a Província do Rio Grande do Sul, conforme consta da Ordem do Dia n° 398, do dia 6 seguinte. Mas esse ato iria ficar sem efeito logo no próximo dia 1°, em virtude de, naquela data da transferência, haver obtido, em inspeção a que se submetera, quatro meses para tratamento de saúde.

 

Tão pronto se sentiu refeito, apresentou-se pronto para o serviço, a 13.12.1864, desistindo do restante da licença, pelo que foi elogiado pelo Ministro da Guerra, Brigadeiro Henrique de Beaurepaire Rohan, segundo a Ordem do Dia n° 341, de 17.01.1865. Este seu procedimento calou bem nos seus superiores, sobretudo porque o destino que lhe estava reservado era a marcha para a Campanha do Uruguai.

 

De fato, a 5 de fevereiro expedicionava para Montevidéu, integrando o serviço médico da Brigada sob o comando do Tenente-Coronel Dom José Baltazar da Silveira. Dez dias depois, desembarcando no Porto do Buceo, iria incorporar-se ao Exército Imperial, comandado pelo Marechal-de-Campo João Propício Mena Barreto, que cercava a Capital Oriental. Coube-lhe a honra de assistir a capitulação dessa praça, vitória que ajudou, embora em pouco tempo, a construir com galhardia e heroísmo.

 

O Tenente Dr. João Severiano ficou a dirigir o Serviço de Saúde da tropa de ocupação, até que foi mandado para idêntico encargo da Divisão, em Paissandu, o que se deu a 27.04.1865. Seus desvelos profissionais iriam, mais uma vez, ser postos a prova com a epidemia de varíola que grassava na localidade.

 

Dizimado o flagelo, dirigiu-se ele, no dia 19.06.1865, para a Vila del Salto Oriental, conduzindo alguns bexiguentos convalescentes, onde chegou a 21, indo encarregar-se das enfermarias dos pontões do Rio Uruguai, por ordem do chefe interino do Corpo de Saúde. O Brasil, entretanto, nessa altura, partícipe do Tratado da Tríplice Aliança, se empenhava em árdua luta contra o Paraguai, já que fora agredido brutalmente pelo ditador guarani Marechal Francisco Solano Lopez.

 

O território brasileiro houvera sido invadido, de surpresa, como, por igual, atacado o Forte de Coimbra e apossada a Colônia de Dourados por seus janízaros ([8]). A pedra de toque fora o apresamento do vapor Marquês de Olinda, a cujo bordo viajava o Deputado Geral e Presidente da Província de Mato Grosso, Coronel Frederico Carneiro de Campos, em águas do Paraná. A grande revolta espontânea que sacudiu todos os filhos da terra de Santa Cruz também fez vibrar, como era natural, os brios dos homens de farda que, a uma, desejavam partir para os campos de batalha. Entre esses o Dr. João Severiano da Fonseca obteve, a seu pedido, incorporar-se, a 30 do mesmo mês ao Exército do Brigadeiro Manuel Luís Osório, acampado à margem direita do Arroio Juqueri, na República Argentina.

 

A princípio, a 01.07.1865, foi assegurar o serviço médico da 8ª Brigada de Infantaria, indo, no dia 15, para o da de Artilharia. Em tais funções andou com a tropa em busca do inimigo. Havendo o Hospital Ambulante sido dividido em cinco seções, como reza a Ordem do Dia do Exército n° 91, de 03.09.1865, coube-lhe a chefia de sua 5ª Seção.

 

A 5 de fevereiro de 1866, por Aviso Ministerial foi nomeado 1° Cirurgião de Comissão, posto correspondente, hoje, ao de Capitão. No Exército, sempre em marcha, rumou, pelas Províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes, ao território inimigo, indo acampar, a 2 de abril, no Porto de Arandas, à margem esquerda do Rio Paraná, em frente ao Forte de Itapiru. Entregue a seus penosos afazeres nos hospitais de sangue, teve ensejo de assistir aos bombardeamentos de 2 a 16 e aos combates de 10 e 16.

 

A 17 [de abril de 1865] atravessou o Paraná e penetrou no país inimigo, vindo a prestar, a seu pedido, serviços nas linhas de fogo. No seguinte dia assistiu a ocupação e destruição do Forte de Itaipu, poderoso reduto paraguaio e, a 23, ocupava com o Exército o campo entrincheirado de Estero Bellaco, participando da Batalha de 2 de maio. Sua ação enérgica e eficiente, seu zelo desmedido, as constantes provas de inteligência e humanidade revelados em todos os transes dessa campanha memorável, ensejaram-lhe os merecidos encômios ([9]) que esmaltam ([10]) a Ordem do Dia n° 153, do General-Chefe, de 10 deste mesmo mês (de maio de 1865).

 

A 20, empenhava-se com os seus no ataque que desalojou o inimigo das linhas de Estero Rojas. Acampou, nesta data, em Tuiuti, assistindo ao reconhecimento de 22, empenhando-se na Batalha gloriosa, de 24.05.1866, que de imarcescíveis ([11]) louros cobriu o lábaro estrelado e fez sua já brilhante fé de ofício mais referta de justos elogios. A assistência desvelada que tributava aos feridos não era só o natural impulso do militar convicto de suas obrigações regulamentares, mas também, principalmente, a nítida noção humanitária que lhe advinha da altruística profissão que abraçara, como sacerdócio.

 

Empenhou-se no combate de 28 de maio, presenciou o bombardeio de 14 de junho e os combates que se seguiram de 16 a 18 de julho no Potrero Pires e trincheiras do Sauce, com zelo e atividade, pelo que foi louvado pelo Comandante-Chefe em sua Ordem do Dia n° 3, de 24 do referido último mês. (PILLAR) (Continua...)

 

Bibliografia

 

PILLAR, Olyntho. Os Patronos das Forças Armadas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Biblioteca do Exército Editora, 1981

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: [email protected].



[1]   Georges Benjamin Clemenceau: estadista, jornalista e médico francês (1841 a 1929).

[2]   Comenos: momento.

[3]   Vígil: qie vigia ou vela, sentinela, vigilante.

[4]   Exceliam: eram excelentes.

[5]   Conspícuo: distinto.

[6]   Galardão: laurel.

[7]   Apanágio: qualidade inerente.

[8]   Janízaros: elite do exército dos Sultões otomanos.

[9]   Encômios: elogios.

[10]  Esmaltam: enaltecem.

[11]  Imarcescíveis: imperecíveis, eternos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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