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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCCXXVII - Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XXXV No Caminho dos Semivivos - V


Jornal do Brasil n° 137, 15.06.1965 - Gente de Opinião
Jornal do Brasil n° 137, 15.06.1965

Bagé, 20.10.2021

 

 

Jornal do Brasil, n° 137 – Rio, RJ

Terça-feira, 15.06.1965

Rondon, 75 Anos Depois

No Caminho Dos Semivivos (V)

[Reportagem - Juvenal Portella /

Fotos - Rubens Barbosa]

 

Em 1942, o “The National Indian Institute ‒ Department of the Interior publicou um trabalho intitulado “Os Índios dos Estados Unidos”, um autêntico retrato da vida indígena naquele país e no qual se constata a existência de um grande número de órgãos trabalhando quase que exclusivamente no problema de uma maneira efetiva. No Brasil a coisa é diversa. Certo ou errado, deficiente ou eficientemen­te, com ou sem recursos apenas um aparelho oficial tem-se dedicado ao assunto: o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), aliás sempre atacado pela maioria interessada ou no bem-estar do índio ou no seu único patrimônio, as terras.

 

De resto, falta tudo, embora existam o Conselho Nacional e algumas entidades particulares ou coisas afins. Faltam leis. Falta dinheiro. Falta programa. Falta coragem para uma luta aberta contra os que querem acabar com a raça indígena. Faltam homens capazes e, sobretudo, falta visão do problema.

 

Já não se trata de tirar o índio da miséria em que vive. Isto é urgente, mas também é urgente lhe dar uma condição humana e social tão digna como a de qualquer civilizado. Integrá-lo na vida comum, dar-lhe o mesmo direito de cidadão civilizado, ajudar-lhe a ter uma consciência de seus problemas são medidas que não podem ficar para depois. Não se pode desconhecer que ainda é grande o número de indígenas não cativados e é com esses que se devem preocupar os responsáveis pelo assunto, oferecendo meios aos já pacificados, a fim de que eles possam ajudar a salvar os outros.

 

CONDIÇÃO EXIGIDA

 

Queixam-se os homens do SPI de uma condição inferior do órgão em função de tão importante problema. Acreditam que, se o Serviço não fosse apenas uma parcela dentro do esquema administrativo do Ministério da Agricultura e possuísse mais autoridade e autonomia, as soluções poderiam ser melhor encaminhadas. De uma maneira objetiva, essa reclamação procede, uma vez que, pelo menos é o que se tem constatado, os Ministros que passaram pelo cargo não dedicaram uma atenção maior ao assunto, permanecendo a situação do indígena péssima há vários anos. Independente de obter o SPI uma condição melhor, necessário se torna uma reorganização na estrutura das Inspetorias Regionais e nos Postos Indígenas, tudo objetivando:

 

1.  Melhor aparelhamento dos Postos, de maneira a propiciar meios para que eles, dentro de um projeto a curto prazo, possam obter rendas próprias;

 

2.  Reestruturação do pessoal, inclusive admitindo-se pessoas capazes para os cargos de maior importância;

 

3.  Melhorar a fiscalização da aplicação dos recursos;

 

4.  Afastamento imediato daqueles sem condições de ocupar postos de direção;

 

5.  Adoção de uma nova política em relação aos índios, fazendo-se imediatamente um levantamento das tribos para se saber o seu número, o que não existe;

 

6.  Redistribuição geográfica do elemento indígena, de acordo com a sua capacidade de trabalho e a capacidade de produção dos Postos.

 

É claro que essas medidas são apenas aquelas julgadas imediatas, mas acompanhariam um planejamento e não seriam tomadas isoladamente. No momento, muitas delas, mesmo dentro do atual estado de coisas, não poderiam ser tomadas, uma vez que estão proibidas nomeações, não há disponibilidade de verbas e o pensamento é não se fazer alusão aos erros cometidos por administrações passadas.

 

REVISÃO IMPORTANTE

 

O Major Luís Vinhas, Diretor do SPI, segundo o Inspetor Regional de Cuiabá, entende que se deve deixar de lado tudo o que já passou e pensar unicamente no presente e no futuro do SPI e dos índios. No entanto, a revisão de muitos erros só se faz importante, uma vez que as respostas a diversas perguntas que se tem de formular não só explicarão as causas da atual situação, bem como permitirão, daqui por diante, uma nova ação de trabalho. Essa ação, porém, terá de ser enérgica, o que, por sinal, é promessa do Major Vinhas. Fora disso, tudo será apenas ilusão, pois a realidade revela que, se não forem tomadas medidas rápidas e severas, o proble­ma só se agravará cada vez mais.

 

É imprescindível que antigos e atuais funcionários do SPI respondam pelo menos a estas perguntas:

 

1.     Por que não há a posse definitiva das terras indígenas, existindo ainda boje regiões protesta­das por terceiros?

 

2.     Por que a Sexta Inspetoria Regional tem uma dívida de Cr$ 11 milhões na praça de Cuiabá?

 

3.     Por que não houve manutenção de material nos vários setores, levando-se em conta que ele podia ser útil nos dias atuais?

 

4.     Que motivos causaram a dispersão de vários indígenas, a ponto de não se conhecer exatamen­te o seu número total?

 

5.     Como se explica o desaparecimento do gado do SPI nos últimos anos, quando se sabe que o número de cabeças, em alguns Postos, há poucos anos, demonstrava perspectivas de um futuro melhor?

 

6.     Que providências concretas foram tomadas, nos últimos anos, pelos administradores, no sentido de:

 

a. Evitar choques armados entre índios e civilizados?

b. Evitar a invasão do território indígena?

c. Houve punição dos culpados Por estes fatos?

 

7.     A inexistência de um controle contábil das operações de vendas e distribuição dos lucros obtidos na comercialização de objetos produzidos pelos indígenas, uma vez que elas se processam sob a orientação dos agentes dos Postos;

 

8.     Por que já não existe produção nos Postos?

 

9.     Como e em que circunstancias foram aplicadas as verbas e quais os seus elementos comproba­tórios?

 

10.   Que resultados práticos têm-se obtido com a alfabetização dos índios?

 

11.   Por que existe falta de assistência médica?

 

12.   Que providências foram tomadas para atender à população Indígena do Posto Gomes Carneiro; quando ela foi vítima de sarampo, não faz, muito tempo?

 

13.   Que tipo de assistência moral se presta ao indígena e quem dela se encarrega?

 

14.   Por que se permite que os índios trabalhem para terceiros?

 

15.   Existe fiscalização para saber se, trabalhando para terceiros, o índio recebe um salário justo e tratamento humano?

 

16.   Em que circunstâncias foram admitidos no SPI os atuais agentes de Postos na Inspetoria de Cuiabá?

 

17.   Que destino toma a produção dos Postos [se elas existem]?

 

18.   Por que o agente João Fonseca ‒ que perdeu um olho no trabalho ‒ foi mandado para a Cidade de Rondonópolis, se, na ocasião, protestava contra a ação invasora do território indígena?

 

19.   De que maneira pararam de funcionar a serraria e as máquinas de beneficiamento de arroz, produção de açúcar, farinha etc. do Posto Galdino Pimentel?

 

Essas perguntas se referem a fatos passados e presentes e só a sua existência prova que, em vez de dedicação devida aos índios, os homens que recebem dos cofres da Nação [bem ou mal, não importa], tem-se preocupado com outras coisas, que não se referem em absoluto à proteção que deveriam dar.

 

CAUSAS DA INATIVIDADE

 

A inatividade do índio, fato real, deve-se a muitos fatores, dos quais o mais importante, segundo as necessidades mais urgentes, prende-se à inexploração da terra. O que se deveria fazer, como base para a formação de uma consciência do índio que está sendo civilizado, é mostrar-lhe a importância da terra para a sua sobrevivência. A exemplo do índio norte-americano, o índio brasileiro precisa ter o amor ao solo do qual é o dono, antes de tudo. Então, é preciso encaminha-lo no sentido de:

 

1.  Utilizar a terra no sentido prático, através de uma lavoura em alta escala e de criação racional, tudo objetivando não apenas o consumo próprio como o comércio com os centros consumidores;

 

2.  Ensinar ao índio técnicas de lavoura e criação;

 

3.  Fornecer recursos agrícolas aos indígenas;

 

4.  Prepará-lo para que, em futuro próximo, ele próprio se administre;

 

5. Dar-lhe condições para se organizar administrativamente.

 

O que se vê, no panorama atual e a continuar assim, só revela que o índio brasileiro será sempre espoliado, jamais terá cultura suficiente para reconhecer os seus direitos, viverá [se, sobreviver] sempre dependendo, para tudo, de um órgão oficial pouco expressivo e sem meios de lhe dar mais do que dá agora e, finalmente, nunca será autossuficiente. Uma análise, mesmo superficial, mostra esta triste realidade:

 

1.  O índio, quando criança, é submetido a um processo de alfabetização superado e ministrado de maneira imperfeita;

 

2.  Do chamado “curso primário”, onde os mais felizes conseguem aprender a escrever o nome e a dizer meia dúzia de palavras, não alcança outro estágio de cultura;

 

3.  Lidando num meio rude [a referência é a falta de cultura dos que o assistem] não pode o índio aprender nada e nem a se esclarecer;

 

4.  Fica entregue ao SPI que, mesmo agindo de extrema boa vontade, não passa da inferior condição de seu zelador;

 

5.  Por que ficou afeto ao SPI o índio vê todos os seu problemas [terra, assistência médica, social etc.] entregues a outras mãos, sem poder ter acesso a eles, no sentido de entendê-los e opinar quanto às soluções.

 

Se alguém contar histórias de que o índio luta pela defesa da terra onde, vive, estará mentindo. O certo é que ele, se luta, e isso não existe com relação ao pacificado e sim aos demais, será por um destes motivos: instinto de defesa contra quem não conhece; temperamento agressivo; pelo direito de pescar e caçar na região; seguindo exemplos de outras tribos ou em revide. Fora disso, o resto fica por conta dos que conhecem o assunto apenas por ouvir dizer.

 

AS ESPERANÇAS

 

Apesar de todo um quadro desfavorável é lícito afirmar que ainda há esperança de que ele se modifique. Agora mesmo, em Brasília, o Major Luís Vinhas sustenta uma luta contra os que têm interesse na manutenção do atual panorama.É possível mesmo que não se mantenha no cargo, mas seu esforço ficará registrado, como registradas ficam estas palavras que ele me disse em Brasília há mais de um mês:

 

  A disposição nossa é no sentido de colocar as coisas nos lugares, doa a quem doer.

 

E não excluiu militar ou parlamentar de uma ação enérgica, nem as missões religiosas espalhadas por territórios indígenas, algumas realmente atuando com eficiência, de seu esquema: terra de índio será de índio e direito de índio será respeitado.

Convém lembrar que nos Estados Unidos a situação não era diferente da realidade brasileira. No trabalho Intitulado “Os Índios dos Estados Unidos”, Allan G. Harper, John Collier e Joseph C. M. Caskill, contaram, em 1942:

 

  Há dez ou vinte anos, nos Estados Unidos se dizia que o índio estava desaparecendo. Os fatos pareciam justificar essa opinião. Quatro séculos de luta haviam contribuído para fazer desaparecer os aborígines do quadro nacional.

 

Adiante, explicaram que, se a raça índia estava moribunda, não estava porém morta de todo, para depois afirmar:

 

  Atualmente, os índios dos Estados Unidos só formam uma fração da, população total, mas essa fração não é insignificante.

 

Os mesmos autores, contando a história do índio americano, dão-nos esperanças de solução do problema brasileiro, quando relatara, tratando dos resultados da nova política de seu Governo:

 

  Assim, pois, devido ao interesse público e à nova política do Governo, as perspectivas do destino dos índios são infinitamente melhores que há 15 anos. Ao contemplar seu porvir, sabem que suas esperanças e aspirações descansam em uma base sólida.

 

Sabem que os brancos tem boa vontade. O antigo desejo de destruir os índios desapareceu e quando algum perigo os ameaça, como ocorrerá de vez em quando, o povo americano acudirá em sua ajuda. Sabem que todos os órgãos administrativos do Governo têm um fim básico ‒ o de dar-lhes ajuda prática para que um dia possam realizar todas as suas aspirações. Isto, além de tudo, é um direito fundamental de todo homem numa democracia livre. Por que não fazemos o mesmo? (JB, n° 137)

 

Bibliografia

 

JB, N° 132 a 138. Rondon, 75 Anos Depois No Caminho Dos Semivivos (I a VI) ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, n° 132 a 138, 09 a 16.06.1965.

 

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: [email protected].

A Terceira Margem – Parte CCCXXVIII

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 21.10.2021

 

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon
3ª Parte – XXXVI

 

No Caminho dos Semivivos - VI

 

 

Jornal do Brasil, n° 138 – Rio, RJ

Quarta-feira, 16.06.1965

Rondon, 75 Anos Depois

No Caminho Dos Semivivos (VI)

[Reportagem - Juvenal Portella /

Fotos - Rubens Barbosa]

 

Reunidos os dados que turmas coligiram nos seus estudos, foi escolhido o traçado que, partindo da linha telegráfica de Oeste, um quilômetro antes desta atravessar o Rio Manso, procurasse a Colônia de São Lourenço, desta para Coxim, fraldejando a serra de São Jerônimo e de Coxim pela margem direita do Taquari até o Juca Gomes, de onde procuraria Corumbá através dos pantanais do Paraguai-Mirim.

 

Esta foi uma das rotas seguidas por Cândido Mariano da Silva Rondon, em 1900. Na maior parte deste trecho existem índios, que ele conheceu ainda hostis, que pacificou e ajudou a civilizar. Nos mesmos locais, em 1965, ainda há hostilidade, da parte dos muitos brancos que querem acabar com o que resta das terras. Por este caminho passamos e nele, agora, poucos têm esperança de que um novo Rondon surja para salvar o que resta da raça indígena.

IGUALDADE

A mentalidade alcançada pelos responsáveis pelo problema indígena nos Estados Unidos permitiu, segundo o “The National Indian Institute”, que se alcançasse condições de vida tão humanas como a de qualquer branco civilizado evidentemente dentro de outro padrão.

Na verdade, respeita-se o índio e a ele se concedem vantagens comuns aos demais cidadãos, inclusive determinado empréstimo visando ao melhor aproveitamento de suas terras, claro que uma adaptação ao problema brasileiro seria, no momento, quase impossível, pois muitas dificuldades precisam ainda ser superadas, inclusive a da incompreensão humana. Se, por exemplo, a Secretaria de agricultura de Mato Grosso nem ao menos oferece condições para conhecer as terras do seu território, como poderia ditar normas que beneficiassem as terras dos indígenas?

Essa é uma mostra em diversas, pois ao tempo que os organismos norte-americanos, no momento em que se levou a sério o problema, trataram de encaminhar soluções concretas, entre nós a situação ainda está como há 10 anos ou pior, levando-se em conta medidas que não foram tomadas e que, por, isso, agravaram o drama.

No livro “Os Índios dos Estados Unidos” a que já nos reportamos, existe um trecho explicando uma lei aprovada pelo Congresso ‒ a “Indian Reorganization Act. [18.06.1934]” ‒, a terceira das grandes leis que influíram na história dos assuntos indígenas. Essa lei, na realidade, ocupava-se do problema da terra. O artigo comentou o assunto assim:

De acordo com os métodos democráticos, a vigência da lei sobre uma tribo ou um grupo depende de um referendo, e os índios têm direito a votar se a aceitam ou não. Alguns aspectos da lei estavam em completa contradição com a política indígena anterior, outros a desenvolveram. A lei:

1. Proibiu o parcelamento das terras que as tribos tivessem ou comprassem no futuro;

2. Devolveu as terras que haviam tirado das tribos e que estavam sem colonizar;

3. Autorizou o Governo a comprar mais terras para as tribos todos os ano, com fundos federais;

4. Tornou obrigatória a conservação dos recursos naturais das terras indígenas;

5. Estabeleceu restrições sobre herança para o arrendamento, a troca ou para evitar a sua alienação;

6. Estabeleceu um fundo rotativo de créditos para fazer empréstimos às tribos ou a indivíduos para empresas agrícolas ou industriais.

Ao proibir o parcelamento de mais terras, a Lei de Reorganização índia pôs fim à política que havia dominado e controlado a vida indígena desde 1887.

Ao estabelecer que se adquirissem novas terras, reconheceu as necessidades dos índios que não tinham terras, que haviam sido deserdados pela lei e pela História. Aceitou o princípio básico de que o futuro da maioria dos índios estava ligado à terra. As disposições sobre a conservação das riquezas naturais se baseavam na ideia de que se devia proteger as riquezas naturais das propriedades índias, tanto como as da Nação. O Fundo Rotativo veio a ser o primeiro fundo de crédito importante dos índios. Havia se comprovado que sem um fundo como esse nenhum esforço econômico dos índios podia dar frutos.

A Lei de Reorganização Índia pós fim à força destrutiva da posse privativa da terra. As condições das propriedades índias têm sido trocadas. Em 1934, as terras índias, como temos dito, chegavam a pouco mais de 52 milhões de acres. Em 1941, o total havia subido para 55 milhões e mais alguma coisa, devido em parte à Lei de Reorganização. O fundo rotativo agora ascende a US$ 5.299.600 e com sua ajuda tribos e indivíduos tem estabelecido um número de empresas econômicas.

E OS ESFORÇOS?

No plano brasileiro, desconhece-se um mínimo de tentativas de caráter oficial visando o benefício indígena, principalmente com relação ao problema das terras. Pode-se alegar que o Governador de Mato Grosso baixou decreto desimpedindo uma área de terra para os indígenas, mas isso não tem grande significado quando se lembra o fato de que ele próprio expediu títulos para que outros explorassem áreas reservadas aos índios. Não se pode, também, deixar de mencionar o esforço de alguns funcionários responsáveis, que tentaram de muitos modos e maneiras conseguir situações melhores.

Um exemplo disso foi José Bezerra Cavalcanti, que já, em 1924, se preocupava com os índios do Paraná. Nesse ano, enviou um extenso relatório sobre a povoação de São Jerônimo, relatando o drama das terras dos indígenas dessa região. Nessa ocasião, advertira Bezerra Cavalcanti:

O caso da Povoação Indígena de São Jerônimo é característico e muito próprio para se prever qual será a sorte dos nossos indígenas se lhes vier a faltar a assistência que lhes presta este Ministério, por intermédio desta repartição.

E esta assistência, realmente, tem faltado, principalmente dos órgãos oficiais. Não se votam leis procurando melhorar as condições de vida do índio. Ao contrário, parlamentares de quando em quando espalham notícias inteiramente falsas e alarmistas, como aquela, há meses, que dizia estar um grupo da tribo Cinta-Larga prestes a conter os habitantes da aldeia de Vilhena, quando na verdade os índios foram à procura de recursos médicos, que não possuem ainda hoje. Não se concede, por leis especiais, créditos para construção de estradas ligando os aldeamentos indígenas ao resto da civilização, o que poderia ajudar muito no escoamento de uma produção que passaria a existir, se medidas paralelas fossem também tomadas. Onde estão os esforços no sentido de transformar uma situação realmente triste? O caso dos índios de Mato Grosso não é isolado. Índios do Pará, do Amazonas, de outros Estados, por fim, sofrem dramas iguais ou mais intensos.

No quadro das comparações, o Brasil sofre uma terrível desvantagem com os Estados Unidos, mesmo respeitadas as circunstâncias e as condições entre um e outro país. De qualquer forma, o mínimo deveria ter sido tentado, numa ação conjunta e não isolada. Os índios do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, segundo o SPI, sofrem menos, porque possuem condições melhores. Então, não é válido esquecer os outros, como tem acontecido. Enquanto em 1934 se votava uma lei concedendo crédito para agricultura dos índios norte-americanos, aqui, hoje, alguns lutam para evitar que terras de índios brasileiros sejam tomadas, com a cumplicidade [ou omissão] de certos organismos estaduais.

Processos semelhantes aos adotados aqui ‒ exploração do trabalho indígenas em troca de bebida etc. ‒, doenças que vitimam os daqui ‒ tuberculose, sarampo etc. ‒ ocorreram com os índios dos Estados Unidos também e tudo isso foi sendo superado. As mesmas esperanças dominam uns poucos homens que, deve-se dizer, ainda tentam fazer alguma coisa em favor da raça índia. Mas, esperanças só pouco representam. Pelo que vi, depois de uma longa jornada sertão adentro, somente com uma grande reforma e um esforço comum é que será possível, como que começando tudo de novo, encontra-se o caminho da salvação. Caso contrário, continuaremos no caminho dos semivivos, que são os índios brasileiros. (JB, n° 138)

 

 

 

Bibliografia

 

JB, N° 132 a 138. Rondon, 75 Anos Depois No Caminho Dos Semivivos (I a VI) ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Jornal do Brasil, n° 132 a 138, 09 a 16.06.1965.

 

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: [email protected].

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