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Gente de Opinião

Antônio Cândido

Quando nasceu PVH – 4ª Parte


Palestra proferida pelo Professor Antônio Cândido da Silva, no Seminário "Porto Velho - Um Século de História, coordenado pela Fundação Iaripuna, no período de 22 a 25.10.2007.



SOBRE O SEGUNDO ARTIGO:
 

O segundo artigo traz (deixando de lado as veladas insinuações a nosso respeito), uma observação inteligente e verdadeira. Esta: "A história não pode prescindir de documentação comprobatória – sob pena de perder o seu caráter de ciência". 

Apesar de sermos conhecedores das obras e do estilo literário, não conseguimos  identificar a historiadora na introdução do texto publicado, porquanto ali faz citações em latim, recurso que nunca usou, pelo menos naqueles livros que li, de sua autoria.          

Mas, deixando de lado os prolegômenos, como diria certo personagem de novela, vamos examinar o artigo em questão, começando pelo seguinte. Diz nele a notável literária:

O relatório do Dr. Carl Lovelace sobre o estado sanitário da região faz uma exposição referente às doenças endêmicas  que assolavam a região e informa: O serviço médico-sanitário da Madeira-Mamoré Railway Company, constatou 17 infestações de febre amarela nos pátios da ferrovia, em Porto Velho, entre 1907 e 1911, sempre trazidos por vapores vindos de Manaus. 

Quem teve a oportunidade de ler o matutino onde tal escrito foi publicado deve ter concordado com a citação acima, e mais que isso: deve ter aceitado imediatamente a idéia que a mesma quer passar, de que a nossa cidade começou a existir já a partir de 1907.

Apenas para esclarecer a ilustre pedagoga e os seus numerosos leitores, lembramos que o Dr. Lovelace, em 1907, ainda não havia chegado à região, nem era o chefe dos serviços médicos da EFMM.          

Manoel Rodrigues Ferreira, em A Ferrovia do Diabo, pág. 205, esclarece até melhor essa questão, quando declara: "No fim do mês de dezembro de 1907, o Dr. Belt escreveu no seu diário... De julho até dezembro, a estatística desse hospital primitivo acusou cinco mortes."

Portanto, o relatório a que se refere à autora do artigo, foi feito não por Lovelace, como ela afirma, mas sim pelo Dr. Belt.

Esclareça-se melhor: o relatório do hospital primitivo foi feito pelo Dr. Belt até julho de 1908 e pode ser lido folheando-se o citado livro, as paginas 225 a 232.

No dia 5 de fevereiro de 1908, chegou a Porto Velho, mais um médico, o Dr. Carl Lovelace, que em julho substituiu o Dr. H. P. Belt que se retirara.

Relativamente a esse ano de 1908, escreveu o Dr. Lovelace (Ferrovia do Diabo. Pág.232):

As minhas observações sobre as condições sanitárias desta região datam de 5 de fevereiro de 1908. Dentro dos trinta dias seguintes, fui chamado para tratar de, pelo menos, noventa e cinco por cento da população de Porto Velho, atacada de malária.

Ora, se ele chegou em Porto Velho no ano de 1908, como o próprio revelou, não poderia ter feito aquele relatório em 1907, como afirma a nobre escritora.

Prosseguindo, a culta historiadora escreve:

Ora, se o ilustre médico da E.F. Madeira – Mamoré se refere ao desembarque  de indivíduos em Porto Velho, em 1907, é evidente que o trecho citado demonstra a existência de casas para  abrigar esses homens, o que significa o início da povoação que deu origem a atual cidade de Porto Velho".         

Em "The Last Titan", pág. 179, vamos ver que isso não é verdade. Veja-se:

Os associados de Farquhar nas ferrovias de Cuba e da Guatemala – os veteranos empreiteiros Robert H. May, Arthur B. Jekyll e King John Randolph – chegaram no início de 1908, após terminar a linha guatemalteca já descrita, prontos para construir o trabalho relativo a EFMM. A seguir, Farquhar contratou o médico Carl Lovelace, que adquiriu experiência nos Andes e no Canal do Panamá, para construir e organizar o hospital da EFMM, que, com 300 leitos, ficaria no quilômetro 2, numa elevação de ares saudáveis chamada Candelária.

Logo, o hospital primitivo não ficava na Candelária e, mais uma vez, fica confirmada a chegada do Dr. Carl Lovelace em 1908 e também o início da construção do hospital da Candelária naquele ano (1907? Jamais poderia ser!).

Aliás, desconhecemos a declaração atribuída ao Dr. Lovelace, nos termos em que ela coloca, nem é possível checá-la já que a mesma não cita, de forma precisa, a fonte da pesquisa.

Para reforçar esta última citação que fizemos, em contraponto ao que ela escreveu, reportamo-nos mais uma vez a Charles A. Gauld, em The Last Titan, pág. 205, em cujo livro está anotado:

Farquhar relembrou que, em 1908, após uma briga com os engenheiros franceses sobre a construção da São Paulo - Rio Grande Railway, alguns engenheiros americanos haviam rumado para a EFMM. Junto com os enfurecidos americanos chegou um jovem administrador brasileiro, chamado Olívio Gomes. Sua primeira tarefa na Amazônia foi projetar um grande cemitério ao lado do Hospital da Candelária."

A historiadora utilizou trechos dos livros "Ferrovia do Diabo" e "Nas Selvas Amazônicas", de  Manoel Rodrigues Ferreira, para justificar a sua pretensão.

As afirmações que ela faz colhidas em "A Ferrovia do Diabo" (livro sem dúvida nenhuma tido como a bíblia da história da Madeira-Mamoré), já foram tratadas na exposição que inicialmente fizemos. O livro em referência realmente é um documento com todas as características de um trabalho cientifico de pesquisa, todavia, o mesmo não se pode dizer do diário escrito pelo mesmo autor, intitulado "Nas Selvas Amazônicas" por se tratar mais de um apanhado de impressões de viagem do que, rigorosamente, um livro de história.

Neste não há informações de rodapé ou destaque de alguma citação. Aliás, entre um e outro, existem muitas divergências com relação a datas e fatos.

A autora deste segundo artigo prossegue com citações de Esron de Menezes, Francisco Foot Hardman, Francisco Matias, novamente Hugo Ferreira e outros, com a intenção de provar o seu ponto de vista.

Para comentar essa citação fiquemos com Francisco Foot Hardman, talvez o mais famoso entre os citados, apenas para dizer que infelizmente o grande historiador enveredou pelo caminho dos enganos, haja vista que as suas afirmações têm como ponto de apoio, exatamente, Antônio Cantanhede, Hugo Ferreira e Esron Penha de Menezes, inclusive citando a história do "prego de prata"  na página 253, nota 50. (Vide biografia do "Trem Fantasma" pgs. 271, 275 e 277).

Deixamos de comentar a respeito dos demais historiadores por ser assunto já explicado, mas, vale recomendar a leitura de "Retalhos para a História de Rondônia, Vols. I e II," das páginas citadas pela historiadora na publicação em questão, cujo autor também tem o entendimento de que Porto Velho surgiu em "maio de 1907".

No entanto, uma citação atribuída a H. M. Tomlinson, feita por ela, chamou nossa atenção pela maneira descuidada como foi feita. A citação está assim:

Em Porto Velho, calculava-se, a olho, uma população que variava entre 300 pessoas em 1907 e 1000 habitantes em 1913." Esse registro relevante de Tomlinson sobre a existência de 300 indivíduos em Porto Velho em 1907 é coerente com a concepção de que o povoado surgiu nesse ano.         

A afirmação seria coerente se, de fato, fosse verdadeira. Só que não é. Na verdade Manoel Rodrigues Ferreira, em sua obra "A Ferrovia do Diabo", pág. 261, ao traduzir parte do livro de Tomlinson o que diz é o seguinte: Sobre Porto Velho, em 1910, ele escreveu:

Porto Velho tinha uma população de aproximadamente trezentas pessoas. Havia norte-americanos, alemães, ingleses, brasileiros, uns poucos franceses, portugueses, alguns espanhóis e uma multidão de negros e negras.

Quanto a Tomlinson, Manoel Ferreira se referiu nestes termos:

Em 1909, o escritor inglês H. M. Tomlinson deixou o porto de Swansea, na Inglaterra, com o objetivo de fazer uma viagem ao Amazonas e América Central. Em 1910, ele deixou Belém do Pará e subiu o rio Amazonas e Madeira no navio Capella, para visitar a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. (A Ferrovia do Diabo. Pág.260) 

Sou então obrigado a discordar mais uma vez da ilustre historiadora, porque H. M. Tomlinson só conheceu a região no ano de 1910, conforme assinalado por Manoel Rodrigues Ferreira. Logo, não poderia ter calculado, a olho, a população de Porto Velho que não existia em 1907, e nem conheceu tal população em 1913 porque ele não estava aqui em tal ano, considerando que o seu livro foi publicado em Londres, no ano de 1912.

Lembremo-nos do que diz a Mestra VAVY PACHECO BORGES:

Infelizmente é preciso desiludir-se de início: escrever história não é estabelecer certezas, mas é reduzir o campo das incertezas, é estabelecer um feixe de probabilidades. Não é dizer tudo sobre uma determinada realidade, mas explicar o que nele é fundamental. Nem por isso se deve cair numa posição de relativismo, em que todas as especulações interpretativas são permitidas.

Em história, todas as conclusões são provisórias, pois podem ser equilibradas e revistas por trabalhos posteriores. Um "saber absoluto", uma "verdade absoluta" não servem aos estudiosos sérios e dignos do nome...           

A propósito, cumpre fazer aqui um brevíssimo e oportuno registro. Quando a ilustre historiadora nos procurou para obter dados sobre a bandeira e brasão do município de Porto Velho para o livro PORTO VELHO – CEM ANOS DE HISTÓRIA, de sua autoria, fizemos-lhe um alerta sobre o "prego de prata" e o 4 de julho de 1907, dados estes inseridos em seu livro, mas ela falou que sobre isso já tinha documentos comprobatórios.

Alertamos também para o fato de que a chegada do médico Carl Lovelace aconteceu no ano de 1908, e pedimos cuidado aos que não concordaram com o cancelamento da festividade do suposto centenário, para que antes conhecessem o nosso trabalho. Ninguém nos deu ouvido...         

O que fizemos e estamos fazendo com relação a esse assunto é movido apenas pelo desejo de colaborarmos para que a história da nossa terra não seja mutilada, violada, desacreditada e finalmente substituída, como substituída devia ser a letra do nosso hino porque já não temos mais o " Quando o nosso céu se faz moldura" e as "nossas matas, tudo enfim".

Nunca quisemos ser o foco de nada como alguns, ilusoriamente, tentam isso passar. Acreditamos isto sim que o pensamento crítico, atormentado pela escuridão, conserva e alimenta o poder da transformação, via através da qual é possível romper-se os grilhões e as idéias pretensamente definitivas. Não queremos enganar ou levar alguém ao engano, como vemos insinuarem, mesmo porque este não é e nunca foi o propósito de nosso humilde trabalho.

Um dia, quem sabe, possamos ser compreendido. Quando isso acontecerá, não sabemos. De qualquer sorte, já nos conforta acreditar que esse dia virá, e há de chegar porque as luzes sempre vencem a escuridão... Quando ele apontar no horizonte, não haverá ódio, não haverá luta, perdão ou gesto parvo. Nesse dia todos ganharão, porque todos seremos vencedores... Isso é o que terá importância. Quanto ao resto... Bem, do resto as ilações tomarão conta.

Professor Antonio Candido da Silva.     

Membro da Academia de Letras de Rondônia

Membro da União Brasileira de Escritores-UBE-RO.

Bibliografia:

CHARLES A. GAULD. "Farquhar-O Último Titã". Editora de Cultura. São Paulo. 2006.

JORNAL ALTO MADEIRA. Edição de 30.09.2008

MANOEL RODRIGUES FERREIRA, "A Ferrovia do Diabo". 4ª Edição. Melhoranentos. S.Paulo.1987.

VAVY PACHECO BORGES. "O que é História" 10ª Edição. Editora Brasiliense. 1986.

 

CONTATO: [email protected]

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