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Antônio Cândido

PONTE BRASIL/BOLÍVIA – ALGUÉM NOS ENGANOU


 

Assisti com surpresa nos meios de comunicação local, no dia 19 de março corrente, notícia comentando o encontro de autoridades brasileiras e bolivianas para decidirem os detalhes finais para a construção de uma ponte sobre o rio Mamoré, destinada a ligar as cidades de Guajará-Mirim no lado brasileiro, a cidade de Guayaramerim na Bolívia. 

Até aí, tudo bem. 

Mas o que me intrigou foi como a notícia foi levado ao público pois diziam, categoricamente, que “com isso o Brasil estava resgatando um compromisso histórico, ao procurar pagar uma dívida contraída desde assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1903”. 

Como não bastasse, encontrei na internet, artigo produzido pelo DNIT sob o seguinte título: DNIT anuncia decreto legislativo aprovado pelo Senado para a construção da ponte sobre o rio Mamoré, inclusive, com declarações do diretor de Planejamento e Pesquisa do Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transporte, DNIT, Miguel de Souza. 

O artigo em questão repetia o que foi dito pela imprensa local, da seguinte maneira: 

A construção da ponte sobre o Rio Mamoré constitui compromis-so internacional assumido pelo Brasil com a Bolívia há mais de um século, nos termos dos acordos de Notas, de 25 de setembro de 1971, e do Protocolo Adicional ao Tratado de Petrópolis de 1903, de 27 de outubro de 1966. Por isso, ficou acordado entre os dois países que o Brasil arcará com os custos decorrentes da elaboração dos estudos, projetos e de engenharia e por fim, a construção da ponte. 


Como entender tal compromisso se o Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903, com relação ao assunto, diz claramente o seguinte: 

Artigo VII 

Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou em outro ponto próximo (Estado do Mato Grosso), chegue a Villa Bella (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os paises com direito às mesmas franquezas e tarifas. 


Pensando bem, ali está escrito que deveria ser construído um ramal que passando por Vila Murtinho, chegasse a Vila Bela na Bolívia e, como a ferrovia passou por Vila Murtinho, a única maneira de se chegar à Vila Bela, do outro lado do rio Mamoré seria através de uma ponte, o que não foi feito. 

Tudo indica que esse seria o motivo do “resgate de um compro-misso”, ou o “pagamento de uma dívida” com um Século de atraso, como querem nos fazer acreditar. 

Mas não é... 

Para chegar até Vila Bella, na Bolívia, a única maneira possível seria a construção de uma ponte de aproximadamente 1000 metros, o que, segundo cálculos na época, custaria em torno de um milhão de libras esterlinas. 

A chancelaria boliviana não esqueceu o compromisso assumido pelo governo brasileiro, e lutou por uma compensação, até que a pre-tensão de construção do ramal Vila Murtinho/Vila Bella, foi substituída pelo Tratado de Natal (também conhecido como Mangabeira-Chavez) firmado em 25 de dezembro de 1928, no qual o Brasil se comprometia em auxiliar com um milhão de libras esterlinas, o valor da ponte, na construção do plano ferroviário boliviano de prolongamento das duas extremidades da ferrovia Cochabamba-Santa Cruz de la Sierra. 

Teixeira Soares, em “História da Formação das Fronteiras do Brasil”, página 229, nos diz que: 

O art. II do Tratado de Vinculação ferroviária determinou que o auxílio de L 1.000.000-ouro, estipulado no art. V do Tratado de Natal de 1928, fosse aplicado na construção de uma estrada de ferro que, partindo de um ponto convenientemente escolhido en-tre Porto Esperança e Corumbá, terminasse em Santa Cruz de la Sierra. 

Assim, com o Tratado de Natal (Mangabeira-Chavez) a exigência do ramal Vila Murtinho/Vila Bella deixou de existir, porém aumentou ainda mais a confusão em torno do assunto, pois há quem diga que a ferrovia deveria partir de Santo Antônio e findar em Santa Cruz de la Sierra, ou como estão afirmando, hoje, nos noticiários que a ferrovia deveria ter sido construída de Santo Antônio a Cochabamba. 

Como conta a história, o Decreto 58.501, de 25 de maio de 1966, estabeleceu a erradicação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, fato consumado no dia 10 de julho de 1972, por coincidência, no mesmo ano em que venceria a concessão dada a Percival Farqhuar. 

Mas, se observarmos que a erradicação da Estrada de Ferro Ma-deira-Mamoré, contrariou o Tratado de Petrópolis de 1903, temos que admitir que mesmo a ferrovia tendo sido substituída por uma rodovia, fazia-se necessário um acordo aditivo ao Tratado de Petrópolis ou um novo acordo para tal mudança, não cabendo, porém, reclamar o ramal ou ponte sobre o rio Mamoré, entre Vila Murtinho e Vila Bela, na Bolí-via. 

Como não consegui ter acesso ao Protocolo Adicional de 17 de outubro de 1966 e ao Acordo por Troca de Notas de 25 de setembro de 1971, citados nos documentos que fazem parte deste texto, não posso afirmar, com certeza, porque o Brasil invocando o Tratado de Petrópólis, se comprometeu em arcar com todas as despesas da construção da ponte Brasil/Bolívia, no rio Mamoré, de acordo com o Artigo IV, item 1, do documento abaixo. 

PONTE BRASIL/BOLÍVIA – ALGUÉM NOS ENGANOU  - Gente de Opinião
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Conta a história que o Bartolomeu de Gusmão, prevalecendo-se do desconhecimento que os espanhóis tinham da região, conseguiu empurrar para muito além as fronteiras do Brasil nos Tratados de limites entre Portugal e Espanha. É possível que eu esteja errado, mas, tudo indica que a Bolívia nos deu o troco, porque tudo leva a crer que vamos pagar duas vezes pelo enterro do mesmo finado. 

Por enquanto, pelo menos não digamos que a construção da (a-tual) ponte sobre o rio Mamoré é o “resgate de um compromisso as-sumido pelo Brasil desde o Tratado de Petrópolis”. 

Fonte: Antôni Cândido da Silva
[email protected]

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