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Gente de Opinião

Amazônia Especial

OURO E FOME – BINÔMIO DO TAPAJÓS



AMAZÔNIA:  
BRASIL IGNORA O MAIS IMPORTANTE 
BANCO GENÉTICO DO PLANETA  (VI)
 

 

Roberto Gueudeville 
 
 

Esse é o título geral da série de reportagens que me deu o primeiro prêmio ESSO, em 1962, no Jornal “A Província do Pará”, de Belém. Jânio Quadros era o presidente eleito do Brasil, em 1961. Com apenas 7 meses de governo renunciou, pensando em voltar carregado nos ombros do povo. “Forças ocultas” e o uísque não permitiram. Em seu governo, porém, surgiu a denúncia de que aviões da FAB (Força Área Brasileira) estavam praticando contrabando de ouro, na rota Rio - Cachimbo – Manaus. O comércio ilegal tinha um comandante – o Sargento Salim, certamente com descendência árabe, homem hábil com as coisas do dinheiro. Repórter em Belém, corri ao secretário do jornal e candidatei-me ao serviço. A Amazônia começava a mostrar parte do seu eldorado, em forma de ouro. Nada mais fascinante para um jovem jornalista. 

Estava em Jacaré Acanga, extremo oeste do Pará, com extenso campo de pouso construído pelo pessoal da lendária Fundação Brasil Central, onde pontificou um dos melhores brasileiros de que se tem noticia – o ministro João Alberto, mais tarde acusado de corrupção, injustamente. À parte o inquérito instaurado pela FAB para pegar a quadrilha do Salim, o foco jornalístico estava em outro local – o rio das Tropas, Crepori, Pacu, Rato, onde fluía o ouro. E eu tinha que estar lá. 

Em Jacaré Acanga, conheci logo três figuras humanas de notável destaque e utilidade ao meu trabalho. Logo me deparei, no primeiro boteco que encontrei, com um grupo de garimpeiros, todos armados com revolveres 38, tomando contreau em copo de cachaça, atirando para cima, comemorando o ouro apanhado. Eles tinham dois grandes chefes – Nilçon Pinheiro (é c com cedilha) e o baiano Raimundo Araújo, que morreu louco anos mais tarde, vítima da febre do ouro. O primeiro, em 1956, aproximadamente deixou Manaus a pé e foi bater no rio das Tropas, Crepori, Pacú e outros afluentes, considerado, portanto, o descobridor da chamada grande província mineral aurífera do rio Tapajós, até hoje com ativa produção. Conheci Nilçon armado com dois revólveres e duas grandes peixeiras na cintura. Exigia de seus garimpeiros (500 homens, na época) que ficassem nus para conferir se roubavam algum ouro. Anos mais tarde, chegou a ser prefeito do município paraense de Juruti, sede de um dos mais belos festivais folclóricos da Amazônia, em julho. 

O outro chefe, Raimundo Araújo, portava sempre um 38 com cabo de madrepérola, revólver de garimpeiro de respeito. Vi, em suas mãos, em plena rua de barro de Jacaré Acanga, despejar em um jornal aberto no chão, vasilhame com 30 kg de ouro, aquela farinha grossa amarela, com algumas pepitas. Logo passou pela minha cabeça o poder imenso que aquela “simples farinha grossa amarela” exercia sobre a vida e a morte de tantos homens. A terceira figura era um cara barbudo, atarracado e extremamente saltitante, não parava um minuto, sempre tomando conhaque sem nunca se embriagar. Mais tarde vim a saber sua verdadeira identidade, Felipe Moreau, líder guerrilheiro francês pró – Argélia, procurado pelo governo de Gaulle que queria executá-lo. Dizia-se jornalista da Gazeta da Lausane, na Suíça. Fizemos amizade. 

Queria visitar os garimpeiros, subir o rio, mas não tinha revólver. Raimundo disse: se você andar desarmado eles vão te matar. Cultura de garimpeiro. E emprestou-me seu belo revólver, 38 com cabo de madre pérola. Subimos o famoso rio das Tropas, eu, o francês Felipe, um cearense artesão de ouro, o piloto, um ajudante e duas prostitutas que iam fazer a vida no garimpo, todos em um casco de duas toneladas, com motor de popa 10/12. As meninas ganhavam ouro em pó que amarravam num saquinho grudado na calçola (nome antigo de calcinha). 

A presença de mosquito era de tal grandeza que os garimpeiros usavam na cabeça um saco de aniagem aberto, com apenas dois buracos para poder enxergar. Para chegar ao garimpo andava-se alguns quilômetros, subindo e descendo pequenas elevações. Os garimpeiros, para agüentarem o tranco, cortavam uma árvore chamada Amapá, tomando o seu leite branco que chegava a curar tuberculose, diziam. 

A febre do ouro no Tapajós, considerado pelos turistas o mais belo do mundo, beneficiou muito poucos, normalmente os donos de mercadorias que abasteciam os garimpos, usando pequenos aviões cujos pilotos são considerados os mais intrépidos e competentes do Brasil. Em volta, a pobreza generalizada agredia a consciência. Década de 70, o governo tentou solucionar o problema social do garimpeiro, criando a FAG – Fundação de Assistência ao Garimpeiro, mas não deu certo. Se, por um lado, sua maneira de trabalhar a terra, inviabilizava a jazida mineral, onde brotavam dezenas de cidades brasileiras, por outro lado sua maneira de trabalhar a terra inviabiliza a jazida mineral que poderia ser muito mais produtiva, se trabalhada com tecnologia adequada. 

Ao final do trabalho, já em Belém, fui procurado pela Polícia Federal que me indagou sobre se conhecia um francês baixinho, barbudo, de nome Felipe. Avisei-lhe sobre o fato, dei-lhe algum dinheiro e um abraço de adeus, bradando: 

“Liberté, égalité, fraternité” 

Fonte: Roberto Gueudeville (Encaminhado por Sílvio Persivo ao Portal Gentedeopinião).

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