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Amazônia Especial

BORRACHA – A CULTURA DA ESCRAVIDÃO BRANCA




AMAZÔNIA:  
BRASIL IGNORA O MAIS IMPORTANTE 
BANCO GENÉTICO DO PLANETA  (XII)
 

 

Roberto Gueudeville   
 

BORRACHA – A CULTURA DA ESCRAVIDÃO BRANCA  - Gente de Opinião

FORDLÂNDIA: Comissão do IAN e Técnicos do
Ministério da Agricultura rumo aos seringais/Arquivo Secel-RO.

O velho Amin Sayd, chamado de turco pelos caboclos da região, após ganhar algum dinheiro com pequeno regatão (barco que sobe os rios trocando mercadorias e roupas por normalmente borracha e castanha. O marreteiro ganha na venda da mercadoria e reduz o preço pago pelo produto recebido. Uma forma não muito sutil de roubar), como bom árabe, apossou-se de seringais originalmente tocados sem grande vontade pelos seus cunhados, irmãos de sua mulher Yolanda. Consta em Manaus que o turco enganou a todos. 

No meu caso pessoal – meu batismo de fogo na floresta – entrei pela porta mais dramática – a da escravidão branca. O seringal, sem qualquer conforto, tinha um barracão de madeira, algumas mesas e camas velhas. Os companheiros do dia a dia eram um contador míope, com óculos de forte grau e amante inseparável de uma garrafa de cachaça, “cocal”, uma por dia; um cozinheiro velho com uma grande ferida incurável na perna direita, uma bruta duma leischimania, também pinguço e um jovem sírio, sobrinho do velho, que não falava nada de português, louco para voltar a sua terra. O café da manhã resumia-se a um bocado de bolacha vagabunda, dura e velha, que o turco vendia aos seringueiros. No almoço o ajudante da cozinha ia buscar no mato ou no rio defronte algo para comer. Não havia nenhuma maneira de se comunicar com alguém. Estávamos há mais de dez dias distante de Manaus, por água. Somente era possível receber noticias pelas estações de rádio, quando alguém mandava. 

- Alô, alô Roberto no seringal do seu Amin, no rio Pauinim! 

Não obstante a agressividade do meio ambiente, não havia espaço para tédio, tristeza ou desânimo. O sonho superava a tudo e a todos. Comecei a conhecer a floresta e seus habitantes,a sua cultura, folclore, mágoas, sonhos e desgraças, mitos e crenças, seus amores e seus infortúnios. Sua máxima de vida é sempre acreditar que tudo que acontece à sua volta “é Deis quem quer”. Essa postura fatalista existe em decorrência das ações de forças naturais a que se submete o homem na floresta, sentindo-se um NADA diante das tempestades, do vento, da força do rio, da lua, do sol, do trovão, da onça, da sucuri, do poraquê (peixe elétrico). Encurralado e ensimesmado por esse punhado de efetivas pressões, sua imaginação, em sua defesa e sobrevivência, cria mitos como o Kapelobo (que a ciência afirma ter sido grandes preguiças), boitatá, boto tucuxi, cobra grande, matita-perera e outras criações. 

À parte esse entendimento que a floresta me proporcionou como primeiras lições, o mais chocante foi, sem dúvida, o estágio de escravidão que todos consentiam contra centenas de famílias pobres, ribeirinhas, até hoje vítimas do mesmo processo. Daí nasceu a produção de minha primeira reportagem vivida na Amazônia, evidentemente crucificando o sistema mercantilista e seus algozes, incluindo Amin Sayd e todos os “turcos”. Fato curioso, entretanto é que o cruzamento deles com as amazonenses caboclas, gerava um produto bonito. Conheci no clube “O Sheik”, de Manaus, moças muito bonitas de pai árabe e mãe amazonense. Hibridismo genético dos mais apreciáveis. 

PORQUE BELTERRA NÃO DEU CERTO

Do seringal no rio Purus, dei inicio à minha série de viagens pela Amazônia, agora oficialmente como repórter. Impressionado com o que vi, na produção escrava de borracha, no Amazonas, agora estava nas cidades paraenses de Belterra e Fordlândia. Como o nome diz, o projeto de plantar 
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SERINGUEIRAS DE BELTERRA(PARÁ)/Arquivo Secel-RO.

um milhão de hectares de seringueiras de Henry Ford constitui uma das primeiras tentativas de conquista da floresta, mas dentro do mesmo processo colonizador dos quais a Inglaterra é professora. A Amazônia permanecia um grande almoxarifado. As ordens sempre vinham de fora e o capital escravizador comprava a todos, do governador ao faxineiro. 

Ford e suas equipes de técnicos desconheciam outra regra básica: a floresta – mãe jamais permite que se implantem monoculturas florestais artificiais na terra amazônica. Sua reação é de uma total agressividade, com seus guerreiros atacando impiedosamente na forma de fungos e bactérias poderosamente destrutivos. Foi o que aconteceu, tanto em Belterra como em Fordlândia. Com a “dotidela ulei”, o mal das folhas, entre outros vários motivos. 

A solução para isso hoje se conhece. Quando os americanos plantaram vastos seringais organizados como uma só cultura, permitiram a multiplicação de pragas. Era preciso que estabelecessem uma plantação com culturas diversificadas, tal qual a árvore de seringueira se encontra na natureza. O melhor exemplo disso quem nos dá é o japonês, na cidade paraense de Tomé – Açú, no Pará. Sem deixar a cultura da pimenta do reino, ele condensou outras culturas como o açaí, a pupunha, cupuaçu e outros, além da planta chamada nim que tem um forte poder sanitário de afastar pragas com odores que emite. Se os americanos, na época, tivessem esses conhecimentos, Belterra e Fordlândia permaneceriam até hoje grandes centros produtores de borracha e algo mais e a Amazônia não sofreria tanto diante da concorrência da borracha asiática. 

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FORDLÂNDIA: Grupo de tarefeiros durante a podação, 
tendo ao centro o representante da FIRESTONE/Arquivo SECEL-RO.



Fonte: Roberto Gueudeville (Encaminhado por Sílvio Persivo ao Portal Gentedeopinião).  

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